PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
PARTE VII - VI ATO CENA 12
Uma sala semiescura de casa rural (agricultor pobre) açoriana dos anos 50. Num canto uma cómoda (mesa) com fotos e santos em cima. Várias cadeiras ao redor da mesa e uma cama onde o Gomes está moribundo. Já não fala nem ouve. Apenas, de vez em quando, lança estertores. À volta, a esposa, as filhas, alguns parentes e vizinhos. Os presentes rodeiam a cama, rezam e choram, enquanto o Gomes agoniza. A esposa, Isabelinha, à cabeceira da cama.
LISANDRA - Glória ao Pai ao Filho e ao Espírito Santo.
TODOS - Assim como era no princípio agora e sempre e por todos os séculos dos séculos. Ámen
LISANDRA - Ó meu Jesus perdoai-os e livrai-nos do fogo do inferno.
TODOS - E levai para o céu as almas mais abandonadas.
LISANDRA - Amado Jesus, José e Maria.
TODOS - O meu coração vos dou e a alma minha.
J.GOMES – (Geme).
LISANDRA - Amado Jesus, José e Maria.
TODOS - Assisti-me na última agonia.
LISANDRA - Amado Jesus, José e Maria.
TODOS - Expire em paz a alma minha.
LISANDRA – Ó Virgem Santíssima, não permitais tal:
Que eu não viva nem morra em pecado mortal.
TODOS - Em pecado mortal não hei-de morrer,
Porque a Virgem Maria me há-de valer.
LISANDRA - Imaculado Coração de Jesus.
J.GOMES – (Geme).
TODOS - Sede a nossa salvação.
LISANDRA - Imaculado Coração de Maria.
TODOS - Sede a nossa companhia.
LISANDRA – Dai-lhe Senhor o eterno descanso.
TODOS - Entre os esplendores da luz perpétua.
J.GOMES – (Geme).
LISANDRA - Que a sua alma descanse em paz.
TODOS - Amem. Em nome do Pai, do Filho e do espírito Santo. Ámen. – (Benzem-se todos.)
RICARDINA- Ai! E os nossos que nunca mais chegam!
CIZALTINA – E é quase de madrugada, são quase três horas!
TADEU - (Dormitando) – Hum! Já é de madrugada? Já é p’ra me levantar e ir à erva p’rá Ribeira da Grota?
CIZALTINA - Não tio! Deixe-se estar, durma mais… Ainda é muito cedo.
ISABELINHA (Para o moribundo) - Ai meu amor! Meu querido marido! Fala comigo! Ao menos diz-me se me ouves… Ouves-me?
GENOVEVA – Ó mulher, não vês que ele já nem fala nem ouve. Pede-lhe para te apertar a mão se te está a ouvir.
ISABELINHA - Jesuíno! Ó meu Jesuíno do coração! Ainda me ouves? Aperta pelo menos a minha mão, se me estás a ouvir…
CIZALTINA - Apertou, mãe, apertou? Minha mãe sentiu alguma coisa?
J.GOMES – (Geme).
ISABELINHA- Não filha não senti nada. Ai que desgraça a nossa! O que nos havia de acontecer! De repente, sem ninguém fazer conta… Mas eu tenho muita fé. Já lhe pus o escapulário do Carmo. Nossa Senhora do Carmo não vai permitir que ele morra!
IDALMIRO - Ó mulher tens que está preparada para o pior! Ele já há muito que não dá sinais de vida. Para mim já morreu! Já não há nada a fazer. O António do Outeiro esteve três dias assim… Todos diziam que arrebitava… Olha… Foi o que se viu… Foi-se…
M.LEVADA - Credo! Cala a boca homem. Que agoirento! Ele ainda há pouco gemeu…
ISABELINHA- Ai! Gemeu, gemeu… Mas ele está nas últimas, está. O meu coração diz-me que sim. O que vai ser de mim e dos meus filhos… Ele era a luz desta casa… Nunca nos faltou com nada… Era das terras para casa e de casa para as terras. Sempre o primeiro a se levantar… Sempre o primeiro a chegar a tudo…Caminhava para as terras ainda de noite… Voltava depois das Trindades. Nunca fugiu ao trabalho… Nunca parava… Só se fosse pra falar com um amigo! Mas mesmo para isso nunca tinha tempo…Nunca faltou com nada aos pequenos… Ai meu querido marido… As nossas terras sempre mondadas… Trazia tudo num mimo: as relvas, as terras de mato, as terras de milho… Todos o gabavam… Em casa sempre pronto a deitar mão a tudo… Era a lenha sempre no cepo… Era debulhar o milho… Era fazer os cambulhões… Ele é que tratava do porco e das galinhas… Nunca estava parado… Sempre a trabalhar… Sempre com o juízo nisto e naquilo para que nada nos faltasse…
Batem à porta.
CELESTINA- Ui! Até que enfim! São eles, são eles! – Corre, nervosa, a abrir a porta, cuidando que são os irmãos e o médico) - Já chegaram!? Já chegaram!? Entrem, entrem depressa