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PARTE VII - VI ATO CENA 13 A

Domingo, 19.03.17

(Entram o Álvaro e o pai. Ficam espantados com o que vêem).

PAI               (À porta) - Desculpem de bater à porta a estas horas… Mas precisava dum grande favor…

RICARDINA- (Chegando junto à porta) – Mas quem é? Ainda não vi quem é!

CELESTINA - É gente da Fajã!  E eu que julgava que eram os nossos… É um homem com uma criança!...

RICARDINA - Que querem a estas horas? Mas entrem... Entrem.

CELESTINA – Áh é o senhor António Tiantonho, da Fajã... Muito obrigado! Vem ver meu pai, não é? Mas caminhar de tão longe a estas horas, senhor António... Deus lhe pague… Ele já está nas últimas…. Já não fala nem nos ouve…

PAI               - (Entrando, atrapalhado) - Eu não vinha… eu…vinha…Eu… não sabia…

IDALMIRO – Oh António! Oh homem entra…Que diabo andas a fazer por aqui com essa criança, a estas horas?

PAI               - O que se passa Idalmiro? É o Gomes que está doente?!

RICARDINA - É senhor António, é meu pai. O pobrezinho está assim desde a seguir ao jantar. De manhã ainda foi à nossa terra da Grota, apanhar um cesto de inhames… E o pobrezinho ainda trouxe o cesto às costas… Veio carregadíssimo, coitadinho…Sabe como ele era... Era sempre a trabalhar, a trabalhar. Mas ele já não podia… Chegou a casa, por volta do meio-dia…

CIZALTINA- Ainda nem tinha dado meio-dia, Ricardina! E mãe bem estranhou dele vir tão cedo… Nunca chegava ao meio-dia para jantar.

RICARDINA- Pois é verdade, eu já troco tudo... é dos nervos, meu Deus, é dos nervos. Desculpe senhor António. Ah! Onde é que eu ia? Tu também estás sempre a interromper-me, mulher. Olhe Sr António sentou-se à mesa e não comeu quase nada: “e não tenho fome, e não tenho fome, não me apetece comer, e não sei o que tenho e dói-me ali…” E nós numa aflição... Sem saber o que fazer…

CIZALTINA- Minha mãe foi logo fazer um chá de erva-neva, mas nada... Não havia maneira de ficar bom.

RICARDINA - Pois fizemos chás de tudo: de poejo, de cidreira, de macela, de funcho e nada... Ele deitou-se e nós numa aflição cada vez maior, sem poder fazer nada. Está a ver meu pai deitar-se durante a tarde?  E não havia maneira de ficar melhor. Foi então que meus irmãos caminharam para Santa Cruz, para ver se falavam com o senhor doutor ou ver se ele pode vir cá. Mas a estas horas ele não vem…

GENOVEVA – Dos Terreiros para cá, a pé, de noite!? Não o apanham cá… Quando o foram chamar para meu cunhado Alfredo era de dia e ele veio? Veio uma fava… Eles não se preocupam com os pobres!

CELESTINA - Estão para lá há um horror de tempo e nada! E nós aflitos, com meu pai neste estado… Foi por isso que quando ouvimos bater à porta pensámos que eram eles...

IDALMIRO – Para mim isto já não há doutor que lhe valha... Ele já nem fala, nem ouve...

M.LEVADA – Credo homem! Estás sempre a agoirar. Dás um grande consolo a esta gente! Antes tivesses ficado em casa, a dormir.

RICARDINA - Deixa lá Maria que a gente sabe bem como ele está. Não vale a pena tapar o sol com uma peneira. Custa muito a crer, mas a gente sabe bem como ele está… E um homem aqui faz sempre muito jeito, enquanto meus irmãos não chegarem...

CELESTINA – E o tio Tadeu não nos adianta nada… Tem estado toda a noite a dormir…

PAI               (Aproximando-se de Isabelinha) – Oh senhora Isabelinha, longe de mim pensar o que estava acontecer, quando bati à porta. Mas deixe estar que ele ainda vai viver por muitos anos. Isto é coisa passageira...

ISABELINHA- Deus o oiça, António, Deus o oiça! Mas as esperanças já são muito poucas. O senhor padre já cá veio, mas só deu-lhe a Extrema-Unção. Ele já nem falava, nem ouvia. Já não pode confessar-se nem receber o Sagrado Viático. Isto foi uma grande desgraça. Um homem que, desde que o conheci, nunca teve nenhuma doença, nunca tomou um comprimido, nem uma injecção, nunca teve uma dor de dentes, nunca teve uma gripe, nunca teve nada... E de repente foi isto... Apagou-se…Foi como uma luz que se fosse apagando aos poucos.

IDALMIRO-É sempre assim! Dizem que um homem que nunca teve nada durante a vida, vem uma coisa de repente e zás. Rapa-o logo desta prá outra. –( Para o pai de Álvaro) - Mas tu António, não vieste cá de propósito para o ver, pois não. Pelos vistos nem sequer sabias que ele estava às portas da morte. Que raio de diabo te trouxe por aqui, a estas horas, homem?

LISANDRA – Credo, homem! Louvado seja o Santíssimo Sacramento! À beira de um moribundo e a chamar pelo mafarrico! Ta renego Satanáz!

PAI               - Não, não sabia de nada. Eu venho de Ponta Delgada...

 

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