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A CHUVA E OUTROS ENIGMAS

Sábado, 29.04.17

A chuva, aqui no Pico, embora muitas vezes incomodativa, insensata e até indesejada, é um dom sagrado, uma dádiva celeste. Sem água não há vida, sem água as colheitas não crescem, não se desenvolvem, não produzem. Aqui, no Pico, a única água que alimenta os campos e que dá vida às plantas, que faz nascer as sementeiras, que fortifica as árvores de fruto é a da chuva. Por tudo isso a chuva é um donativo abençoado. Quando chove, os agricultores ficam mais descansados e satisfeitos e os criadores de gado regozijam-se, porquanto a chuva, para além de fortificar a erva das pastagens, enche os poços de água, a fim de que os animais possam saciar a sua sede. Mesmo que sejam uns ligeiros chuviscos, são sempre abençoados. Aliás as aguaceiras torrenciais, exageradas, geralmente são prejudiciais. O Pico é, por natureza uma ilha muito seca. No seu subsolo existe pouca água. As nascentes e as fontes não são abundantes. Por isso a chuva é quase sempre desejada. Desejada sobretudo quando numa manhã soalheira se arrancam as mondas, se alisa a terra, se fortalecem as plantas e as árvores de fruto. Depois dormir a sesta e acordar ao som ritmado das gotas a baterem no telhado, ou a espalharem-se no chão é sentir uma enorme dulcificação. Depois vem a noite, mais escura, mais densa, mais brumosa, a preparar-se para que o céu de madrugada se abra e volte a derramar sobre a terra o dom sagrado da chuva. Muita chuva! A necessária para que tudo nasça, cresça e se desenvolva. É verdade que umas vezes castiga, outras amordaça e algumas incomoda. Por isso é que nos atira para outras paragens, com outros destinos. A vizinha vila da Madalena é um deles. Ao regressar um sol abrasador a tornar ainda mais frutífero o dom sagrado das chuvas que o precederam, esta madrugada. De manhã anuncia-se chicharro fresco. De tarde aquieta-se o espírito. O Pico é assim. Um amontoado de emoções espontâneas, imprevisíveis. Um mundo de contrastes e enigmas. Sobretudo de enigmas, por vezes contraditórios. De manhã chuva de inverno, à tarde sol de verão. Ontem vento norte, hoje vento sul. Montanha descoberta e logo a seguir um nevoeiro cerrado até ao casario. Ontem o mar manso, hoje revolto. Sol de rachar em São Caetano, aragem fresca e brumosa na Madalena. No meio desta panóplia de enigmas impõe-se o regresso à vila. Ao porto chega o ferry vindo do Faial. O cais de embarque a abarrotar de pessoas, de carros, de movimentos, de luz e de cores. O cais, ponto de partida e de chegada. Para a partida fervilham pequenas embarcações à espera dos que sonham, talvez amanhã, com a aventura de observar baleias ou golfinhos. Para a partida carregam-se malas, trocam-se abraços, evadem-se emoções. Mas já não há homens de albarcas, chapéus de palha e calças de cotim a soltar as amarras perdidas e desgastadas pelo tempo, nem mulheres de avental de chita e lenço de merino, com cestas de fruta à cabeça. Na chegada arrastam-se sobre o pedregulho dezenas de barcos que durante a madrugada e a manhã se embalaram, ao sabor das ondas, na pesca do chicharro, das cavalas, das abróteas, das garoupas e dos bocas-negras, ou as traineiras que perseguem pesqueiros mais distantes na busca de bonitos e albacoras.

Lá ao fundo o Faial a espreguiçar-se sob uns tímidos raios de Sol a descaírem para os lados das Flores. Atrás a enorme e altíssima montanha do Pico, ravinada de lava, aspergida com salpicos de nuvens e envolvida por um clarão de imponência e singularidade. No meio, a separar as duas ilhas, o mar, azul, coroado com ondas de sonho e respingos de fascinação.

Como é tão igual e tão diferente este Pico de hoje e o Pico de ontem. Este Pico de enigmas e mistérios.

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publicado por picodavigia2 às 00:05





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