PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
MEMÓRIA DE PEDRO DA SILVEIRA
(TEXTO DE LUIZ FAGUNDES DUARTE)
Hoje apetece-me recordar Pedro da Silveira. Mas é-me difícil escrever sobre este poeta, crítico literário, tradutor, propagandista, bibliotecário, colaborador de jornais, consultor literário, investigador de pequenas e grandes coisas da história e da literatura, e sobretudo observador atento e apaixonado de tudo e todos, ele mesmo incluído – de todos produzindo comentários da mais pura, e muitas vezes regeneradora, má-língua...
É-me difícil escrever sobre este intelectual português, natural da Fajã Grande da ilha das FLORES (onde nasceu a 5 de Setembro de 1922), que depois de ter cirandado pelas ilhas das Flores, de São Miguel e Terceira foi ancorar a Lisboa em 1951, um cidadão sem pátria fixa, porque filho de todas as pátrias, um homem de quem provavelmente nunca teremos uma biografia viável: descontadas as recriações poéticas da sua história pessoal, que nos deixou no “Soneto de Identidade” (Poemas Ausentes, 1999), todos aqueles que conheceram Pedro Laureano de Mendonça da Silveira e com ele privaram recordá-lo-ão como “um tanto duro, como | Pedro é pedra; picante agudo assomo | de silva dos silvedos – não me dou!”, um homem de “Raiz flamenga, já se sabe” [pelo nome Silveira, herdeiro do flamengo quinhentista ‘Van der Hagen’]; “e um gomo, | no fruto, castelhano” [pelo Mendonça], e se calhar com antepassados alemães ou polacos, mas sobretudo, como genialmente se definiu, um “Ilhéu | da casca até ao cerne”, “sem ambição maior que o livre Espaço”...
É-me difícil escrever sobre este homem que militou no anarco-sindicalismo, foi apoiante activo das candidaturas de Norton de Matos e Arlindo Vicente, colaborador da “Seara Nova”, espiolhado pela PIDE, mas no fundo desenganado da política activa ainda que nem por isso dela desligado... É-me difícil escrever sobre este homem que conheci em permanente estado de vigília, e que em Portugal foi, já nos anos quarenta, o primeiro tradutor de Pablo Neruda...
É-me, enfim, difícil escrever sobre este poeta que, da última vez que o vi se auto-retratou como um “camarão cozido”, numa cruel alusão às suas costas curvadas pela doença, e que no dia 13 de Abril de 2003 partiu de Lisboa – para a sua derradeira viagem em demanda do “livre Espaço”...
Também será difícil escrever sobre a poesia, sua e traduzida de outros, que nos deixou publicada – de que se destacarão A Ilha e o Mundo (1952), Sinais do Oeste (1962), Corografias (1985), Mesa de Amigos, versões de poesia (1986 e 2002), Poemas Ausentes (1999), e Fui ao Mar Buscar Laranjas, volume inaugural da sua obra poética completa (1999); ou sobre os contos, os ensaios histórico-literários, as crónicas, as antologias literárias, as memórias ou as recolhas de literatura popular e tradicional, em que andava a trabalhar ultimamente e cujos originais esperamos que se não venham a perder...
E será difícil, dizia eu, porque, sendo um poeta profundamente açoriano, Pedro da Silveira é no mais um poeta português de excelência, que nunca fez concessões à facilidade e ao regionalismo folclórico – e que era senhor de uma arte poética e de um saber erudito que é muito raro encontrar-se, puros e produtivos, numa única pessoa. E porque, apesar da má-língua por que muitos o recordarão – não me ocorre, para definir o poeta e investigador Pedro da Silveira, melhor palavra do que esta que me queima os dedos: rigor.
Luiz Fagundes Duarte / 09 de Dez de 2013, Açoriano Oriental