PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O CANEIRO DAS FURNAS
O Caneiro das Furnas, situado no lugar do mesmo nome, era uma profunda, estreita e sinuosa enseada, localizada na costa da Fajã Grande, paredes meias com o antigo Campo de Futebol das Furnas. Era pois uma reentrância de mar, aberta em direção a terra, limitada por dois promontórios, o do lado norte um pouco tosco e baixo, mas de impossível acesso, o do sul bastante mais alto e rochoso, com pequenas escarpas, algumas delas formando excelentes poisos de pesca. Estes rochedos e escolhos que ladeavam, de um lado e outro, aquela reentrância eram de basalto negro, fazendo parte integrante da extensa faixa de baixio que ladeava a costa fajãgrandense desde o Pesqueiro de Terra até à Poça das Salemas, davam ao Caneiro uma forma curvilínea, a qual fazia uma espécie de arco, ou seio, por onde penetrava a água do mar, até um pequeno rolo que se localizava entre o termo do Caneiro e o caminho que dava para o Areal.
Perto dali a mítica Furna das Mexideiras sobre a qual circulavam muitas estórias e lendas. Contava-se que um certo homem tentara entrar por ali dentro com uma lanterna mas ela apagou-se. O homem voltou a acendê-la, mas sempre que o fazia a lanterna apagava-se. Havia ali algo de misterioso, do outro mundo que impedia que a lanterna se mantivesse acesa. Outro homem que nela também entrara, de lá nunca mais saiu. Muitos homens que por ali haviam passado viam luz no seu interior e muitos chegaram a ouvir gritos aflitivos. Também havia quem acreditasse e jurasse a pés juntos, de que aquela furna era morada e esconderijo das Mexideiras. Estas eram uma espécie de monstros estranhos, com aspeto semelhante ao diabo, em forma de mulheres que ali permaneciam durante o dia e que, apenas durante a noite, saíam do esconderijo para perseguir e atacar os mortais. Quem passasse em frente à gruta, à noitinha, em dias de temporal, podia ouvir perfeitamente, os seus ruídos e barulhos, umas vezes gritos ruidosos e barulhentos outras gaitadas finas e alegres, muito esganiçadas a ecoarem nas paredes da furna. Muitas pessoas, porém, acreditavam que eram mesmo os gritos de festa e de regozijo ou então de dor e aflição das malditas. Os mais crentes ouviam-nos perfeitamente, pois cuidavam que elas andavam ali, à solta, a retoiçar, a rebolar, à espera da hora da saída, ou seja à meia-noite, porque só a partir dessa hora podiam sair do esconderijo e circular livremente fora da gruta. Também se dizia que aquela furna escondia um enorme tesouro, deixado ali por piratas que se haviam escondido de outros piratas e tinha morrido lá dentro, mas em respeito pelos falecidos ninguém poderia lá ir procurar o tesouro. Tudo isto dava aquele lugar e, consequentemente, ao Caneiro, um sentido mítico, um ar de mistério, um enigma quase assustador.
Com a forma de um z gigante, o Caneiro iniciava-se bem lá fora, numa zona de rebentação, a umas boas dezenas de metros, na direção oeste/leste, formando uma pequena curva. Aí era largo e profundo, embora sinuoso e de difícil acesso. Depois prolongava-se por terra dentro, afunilando-se, até, na parte final, formar um quase ângulo reto, prolongando-se já com uma menor profundeza na direção norte/sul, até morrer junto a uma minúscula praia. Nesta zona era povoado de pequenos laredos, alguns visíveis com a maré vaza. Como fronteiras naturais o Caneiro das Furnas tinha a norte o Respingadouro, a sul a Coalheira, a leste um pequeno rolo pertencente ao lugar das Furnas e a oeste, obviamente o mar.
Mas o Caneiro, quer na sua parte interior quer na exterior era um excelente lugar de pesca. Para os pescadores mais pequenos e menos experientes, a margem leste da pate final era o local ideal. Aí pescavam-se sargos, rateiros, peixes-reis, pequenos badejosuu e garapaus. As lapas, por vezes até usadas como isco, abundavam por ali. Os pescadores mais experientes e destemidos demandavam a parte exterior, a sul, onde havia excelentes locais adequadas à pesca e onde abundavam vejas, salemas, castanhetas, garoupas e rocazes. No termo do Caneiro, local povoado de rochas e pedregulhos, existiam muitas moreias negras. Engodando-as com tinta de polvo ou restos de peixe era fácil apanhá-las, prendendo-as pela cabeça com tenazes e lançando-as para terra.
Era também esta parte mais interior que, por vezes se transformava em piscina, procurada sobretudo pelos banhistas mais tímidos e envergonhados que não se queriam expor aos olhares dos mirones que proliferavam no Cais e no Porto Velho.
Todo este mítico e idílico lugar parece ter sido parcialmente destruído em 2007 com a construção das chamadas piscinas naturais da Fajã Grande, como noticiou o Forum Ilha das Flores, em 8 de setembro de 2007, por coincidência o dia mais emblemático e festivo da freguesia, o dia da Senhora da Saúde: Constituíram-se como das maiores "surpresas" da Época Balnear 2007 (já a correr para o seu final).
Obra com a chancela da Câmara Municipal das Lajes, as novas Piscinas Naturais da Fajã Grande situam-se perto do antigo Campo de Futebol, e resultaram na criação de mais um espaço de veraneio no Oeste florentino.