PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A QUEDA DO CANDONGA
Um dos maiores desastres ocorridos na Fajã Grande, na década de cinquenta do século passado, foi aquele em que o Candonga se envolveu e foi vítima.
Mestre José Candonga era um dos mais valentes e destemidos homens de quantos existiam na Fajã Grande, naqueles tempos. Era casado com a Anina Inácia, mulher muito humilde e trabalhadora, como se dizia na altura “não parava”. Como o marido, para além de esporadicamente ser acometido de doença mental, era baleeiro, pescador e, em tempos que não havia faina marítima, “dava dias para fora”, era ela que era o homem da casa, executando, com perfeição, todas os trabalhos de cultivo dos campos e tratamento do gado. Mas sempre que podia o Candonga ajudava pois para além de trabalhar as poucas terras que tinha, a sua principal e mais importante atividade era a de pescador e, sobretudo, de baleeiro. Nos meses em que a caça à baleia estava suspensa, não apenas demandava com frequência os melhores pesqueiros da Fajã como também, sempre que o mar o permitia, integrava a campanha de um ou outro dos poucos barcos de pesca que existiam na freguesia. A sua força e valentia, porém, não impediram de ser vítima de uma terrível doença mental que forçou a que fosse internado em hospital adequado. Como se isso não bastasse foi vítima de uma terrível queda na rocha a qual lhe trouxe algumas maleitas.
Como tinha poucas terras, nomeadamente terras de mato onde pudesse cortar lenha era forçado a ir fazê-lo para a rocha, para as zonas mais inóspitas e perigosas e que eram propriedade de ninguém.
Certa tarde dirigiu-se para a zona da Fonte Vermelha. Junto à fonte, na direção norte, havia uma vereda. Por aí seguiu o Candonga cuidando que por ali encontraria boa lenha. Andou uns bons metros e postou-se sobre uma enorme pedra ou verga. Ali havia lenha em abundância e era fácil, depois de cortada, atirá-la para uma zona mais baixa de onde fosse possível transportá-la para o caminho do mato. Azar dos azares! Ao atirar um pau que acabara de cortar, fê-lo de tal modo que ele próprio também caiu de uma altura com mais de 30 metros. A queda foi fatal até porque sobre pedras e rochas e o Candonga perdeu os sentidos. Como ninguém soubesse para onde tinha ido e como ninguém se apercebesse da tragédia o Candonga permaneceu ali até à noite, altura em que foi dado o alarme pela sua ausência. Mas como já era noite e não se sabia para onde tinha ido foi impossível procura-lo. O homem passou ali a noite, não se sabendo em que condições. Na manhã do dia seguinte começaram as buscas mas só ao fim da tarde, após alguém ouvir por ali alguns gemidos o Candonga foi encontrado. Mas não foi fácil retirá-lo daquele local ermo e abrupto. Para além de estar muito débil, o acesso ao local era muito difícil, assim como a descida da rocha, pelo que foi retirado em maca. Tinha muitas escoriações, alguns ossos quebrados e muitas feridas por todo o corpo. Além disso tinha sofrido muita fome e muito frio, sobretudo durante a noite.
Levado ao hospital de Santa Cruz recuperou e regressou a casa com saúde. Comentava-se que só um homem daquela têmpera e com a força e a valentia dele conseguiria resistir a tão grande queda e, sobretudo, à solidão e ao abandono de uma noite e de um dia num estado de tão grande debilidade e sofrimento.
Foi um dia de alvoroço em toda a freguesia.