PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
D. JOÃO V E O CONVENTO DE MAFRA
"Tendo El-Rei designado o local para o edifício no sítio denominado Vela, junto a Mafra, cometeu o desenho dele a diferentes, ficando aprovado o de Frederico Ludovice, arquiteto alemão educado em Roma, e que estão se achava em Lisboa dirigindo trabalhos dos padres da Companhia. [Note-se a nobre atitude de D. João, Rei absoluto, em dar os traços gerais aos técnicos, para no final aprovar o de melhor resultado.]
Ordenou o monarca as preciosas expropriações que pagou na importância de 358$000 réis: a edificação que então estava em projeto era convento e igreja, cujas dimensões e riqueza em nada se alteraram posteriormente quando El-Rei mudou o seu plano.
Começaram pois os trabalhos, abrindo-se alicerces de 5,30 m de profundidade - grande número de homens aí trabalhou, tendo começado por cortar uma montanha que fica ao sul do edifício, a fim de nivelar o terreno onde devia construir-se a grande fábrica.
Em 17 de novembro de 1717 teve lugar a inauguração do edifício, a cujo ato assistiu El-Rei e toda a Família Real, o Cardeal Patriarca e Cúria Patriarcal, grande número de fidalgos, uma força militar de cavalaria e infantaria, e imensa multidão de povo.
No local onde devia ser a capela-mor lançou El-Rei a primeira pedra, de figura quadrangular, que continha a seguinte inscrição:
Deo optimo maximo
Dico que Antonio Lusitano
Templum hoc dicatum
Joannes lusitanorum Rex
Voti compos ob susceptos liberos,
Primumque fundavit lapidem
Thomas I Patriarcha Ulyssiponensis. Occidentalis
Solemni ritu
Sacravit posuitque
Abbi Dimini 1717
XIV. Kal. decembr.
Aí foi igualmente lançada uma urna de prata que continha 12 medalhas, 4 das quais eram de oiro, 4 de prata e 4 de cobre; estas medalhas continham a seguinte inscrição e nelas estavam esculpidas a Igreja, e Convento, os rostos do Rei e da Rainha, e o rosto do papa reinante, Clemente XI
Joannes V Portugaliae et Algarbiorum Rex .
Et Marianna de Austria conjux.
Isto na primeira medalha que no verso tinha a imagem do convento e a legenda "De Antonio Lusitano. Mafra 1717" .
Lançaram-se mais 12 pedras e 12 dinheiros comemorando os 12 Apóstolos: uma outra caixa ou cofre contendo 2 vidros de óleo santo que se cobriu com uma pedra, na qual se via outra inscrição que certificava o voto; sobre ela lançou o esmoler-mor 12 moedas de oiro, 12 meias moedas e 12 quartos - de prata 12 moedas de 480 réis, 12 ditas de 240 réis, 12 de 120 réis - de cobre 12 moedas de 20 réis, 12 ditas de 10 réis, 12 de 5 réis, 12 de 3 réis e 12 de um e meio real - colher e trolha de prata, cestos dourados e prateados foram os objetos de que El-Rei se serviu nesta cerimónia, acabada a qual, numa capela primorosamente ornada, se celebrou uma missa de pontifical, durante todo o ato desde as 8 horas da manhã até às 3 da tarde. A cerimónia solene da inauguração significou uma manifestação pública de Fé, um reconhecimento do soberano domínio de Deus, um ato brilhante de adoração dirigido à Majestade suprema daquele de quem todas as coisas depende o ser, o movimento e a vida - é ver o que o mundo tem de maior, isto é, poder, coragem e génio, inclinarem-se diante de Deus soberano, cerimónia importante para obter o concurso necessário da protecção Divina sobre a obra mais brilhante do espírito humano.)" (in O Monumento de Máfra, Joaquim da Conceição Gomes).
As outras medalhas tinham as seguintes representações:
Segunda medalha: Figura do português S. António numa nuvem sobre um altar com o Rei D. João de joelhos e mãos levantadas, a legenda é "In Coelis regnat, invocatur in patria". No verso a figura do templo com a legenda "Divino Antonio Ulyssiponensi dicatum". No pórtico do templo a inscrição "Joannes V. Portugallie Rex mandavit, Mafrae 1717".
Terceira medalha: O retrato do Papa Clemente XI com a seguinte legenda "Clemens undecimus Pontifex Maximus". No verso estão as armas de Clemente XI com a legenda "Pontificatus anno 17."
Na quarta medalha: O retrato do Patriarca com as legenda seguinte "Thomas I. Patriarcha Ulyssiponensis Occidentalis". No verso estão as armas do Patriarca com a legenda "Sancti Antonii Ulyssiponensis templum à Joanne V, Portugallie Rege designatum constructum lapidem in singnum posuit, Anno Dñi M, DCC, XVII".
Estas 4 medalhas, como foi dito, foram triplicadas em metais diferentes (ouro, prata, e cobre).
In Blog ASCENDENS
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DEFESA DA PAZ
«Uma vez que as guerras nascem no espírito dos homens, é no espírito dos homens que se devem erguer as defesas da paz.»
Archibald McLeish
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A PRAGA DOS GAFANHOTOS E AS PAPAS DE CAROLO
Conta-se que há muitos anos a Beira Baixa foi invadida por sucessivas nuvens de gafanhotos. A vila de Alcains não escapou à praga e as suas searas de centeio, feijão e milho, assim como as hortas, foram devastadas por completo.
Perante tal tragedia alguns habitantes acendiam fogueiras enquanto outros, com chocalhos e latas faziam barulho tentando afastar os malditos gafanhotos. Mas verdade é que com estes recursos não conseguiram nada. Desesperado, o poso recorreu aos Santos da sua devoção suplicando-lhes que afastassem aquilo que cuidavam ser castigo dos seus pecados.
Lutando contra a fome e com outros males que tão terrível praga provocava, o povo implorou a proteção de Nossa Senhora, de Nosso Senhor e de são Pedro, prometendo realizar 3 festas anuais em três domingos seguidos de agosto.
Na segunda festa, realizada no quarto domingo de agosto, eram feitas ofertas de milho miúdo, cereal ou dinheiro. Percorridas as ruas da povoação, no chamado Dia das Papas cada rancho regressava a casa do seu festeiro, na qual descansavam. Depois, alguns rapazes com os sacos de milho miúdo, trajes de festa, dirigiam-se para os moinhos manuais. Moído o milho, voltavam à casa do festeiro com a farinha. As raparigas peneiravam a farinha, tirando o carolo e separavam-no. O carolo era lavada repetidas vezes e acendiam-se na rua tantas fogueiras quantas caldeiras de papas calculadas. Os rapazes arranjavam colheres de pau muito compridas para tirar as papas das caldeiras recebendo certos “aborrecimentos” das raparigas que os acompanhavam. Finalmente, as papas ficavam cozidas antes do pôr-do-sol e os rapazes punham na rua 3 ou 5 tabuleiros de madeira com mais de um metro de comprimento, onde se vazavam as caldeiras. Assim, as pessoas pobres e as crianças aproximam-se com colheres para se servirem, comendo as papas.
Terminado o jantar das papas, o rancho saía para a rua e em frente da casa do respetivo festeiro, dançavam e cantavam.
Festas aina se realizam, mas sofreram algumas alterações. O milho para as papas já não é miúdo e os moinhos manuais já não existem.
In Tradições de Alcains Castelo Branco
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POEMAS DA ANTEMANHÃ (IV)
(POEMA DE PEDRO DA SILVEIRA)
Quando morrer em nós o último barco da emigração
e a ânsia das Américas perdidas;
quando os nossos olhos deixarem de voltar-se tristes
para o vapor sumindo-se na linha do pego;
quando descobrimos a força que ainda guardam nossos braços
cansados de querer abraçar as estrelas;
quando os dias deixarem de rolar sobre os dias
sem esperança nenhuma para erguer;
quando, enfim, nosso esforço de irmãos fizer brotar
uma outra vida no chão das nossas ilhas
- neste chão que ficou amorosamente esperando
os nossos corpos derrotados na aspereza dos caminhos do retorno –
então, pátria, será nosso o teu destino.
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O PASTOR GABRIEL
(UM CONTO DE MIGUEL TORGA)
Nunca houve em toda a montanha pastor como o Gabriel.
- Merecias outras ovelhas, homem! - disse-lhe um dia o Prior, desanimado da anarquia dos seus paroquianos, quando viu o rebanho do rapaz atravessar a estrema dum centeio sem tirar uma dentada.
- Deus me livre! já me vejo maluco com estas...
Mentira. O padre tinha razão. Era uma pena ver tanta autoridade, tanta vocação, tanto jeito natural, ao serviço de animais. Nem se pode fazer ideia! O carneiro mais teimoso, mais lorpa, mais churro, chegava às mãos do Gabriel e mudava de condição. Só não ficava a falar.
- Que fazes tu ao gado, criatura? Parece que o enfeitiças!
- Nada. Dou-lhe monte, como a outra gente.
Sorria. E lá continuava a educar os malatos com gestos e palavras que ninguém sabia fazer nem dizer. Nunca batia numa rés. O castigo era um simples olhar reprovativo, um assobio impaciente, uma interjeição mal humorada. Mas bastava. Ao fim de algum tempo, cada cabeça como que porfiava em não desagradar ao dono, em viver sintonizada com aquele governo sem cajado. E dava gosto ver a disciplina com que o rebanho deixava o redil e atravessava o povo.
- Não há dúvida! Nem o mestre na escola!
Continuava a rir-se por dentro. Espantavam-se com pouco. Com a pequenina amostra do muito que estava por detrás... Na verdade, toda aquela disciplina tinha um fim, e era muito mais apertada do que parecia. Como os pastos no verão escasseavam, só havia uma solução: aceivar os nabais de noite, pela calada. Ora, para Áfricas dessas, o Gabriel necessitava de gado mudo e lesto, cegamente obediente ao comando. Por isso, sem dizer porquê nem por que não, exigia sistematicamente dos patrões que vendessem os carneiros mancos ou rebeldes, e ninguém ouvia o balido de nenhum.
- O teu gado não berra?
- Pergunta-lhe. É o berras! Ou não se chamasse ele Gabriel e não capitaneasse um bando de salteadores.
No meio da escuridão, abria a porta do curral e punha-se a andar. O rebanho atrás, como um cão rafeiro. À entrada da melhor sementeira, parava, perscrutava os horizontes e arrombava o tapume. Depois, em silêncio., deixava entrar os famintos e esperava que cada boca se fartasse em silêncio. Se por acaso ouvia vozes ou passos de gente que se aproximava, subia acima da parede, descalçava os socos, batia com um no outro e largava a fugir com quantas pernas tinha. Não era preciso mais: quando chegava ao redil, já o rebanho lá estava.
- Não, tu hás-de ter qualquer segredo, qualquer mistério... - insinuava o Languna, a sondar. - Palavra de honra que não.
E realmente não tinha. A coisa vinha-lhe espontaneamente, duma maneira directa, rápida, infalível, de entender e de se fazer entender por todos os seres vivos. Via um coelho na cama, falava-lhe e punha-lhe a mão em cima. Acalmava um cão açulado-a sorrir-lhe.
Mas esta comunhão instintiva com a natureza dos bichos não tentava o Gabriel alargá-la à natureza dos homens. Desses arredava-se discretamente., sem querer passar, nas relações com eles, do plano amorfo da neutralidade. Alugava o suor. Enjeitado, sem vintém, servia este e aquele. A indústria de Ferrede era comprar gado magro, engordá-lo e vendê-lo. Portanto, quem tinha dinheiro tinha o poder, e não valia a pena discutir. Que lhe interessava a ele perder tempo com palavreado ou mendigar intimidades que sabia impossíveis de antemão? O que os donos de cada rebanho queriam já o sabia: era que lho entoirisse de qualquer maneira. Recebia, pois, o farnel pela manhã, e ala que se faz tarde. Cada qual para o que nasce.
No verão em que fez vinte e dois anos, não pôde, contudo, ficar indiferente a um apelo que, muito embora fosse de cordeira no cio, vinha duma criatura cristã, com quem, de resto, acabou por casar.
Foi assim: como a serra inteira ardia na fornalha do Agosto, certo dia, no pino do sol, resolveu assestar o gado na loja. Servia então o Silvano, o maior proprietário da terra. E enquanto o rebanho, sonolento, ruminava, estendeu-se também no catre, igualmente sonolento e a ruminar. Era a hora do jantar, e lá em cima os patrões comiam e bebiam à tripa-forra. Ele, coitado, teria uma malga de caldo no fim do banquete, e viva o velho!
Nisto, sente passos pela escada abaixo, abre-se a porta, e a filha da casa, bonitota, mas de pêlo na venta, que nunca dera conta que o olhasse como homem e nunca lhe consentira que a olhasse como mulher, aparece de cântara na mão, ao vinho. Em silêncio e sem se mexer, deixou-a passar para a adega, que era ao fundo, numa loja contígua Mas apenas sentiu desandar a torneira da pipa e a espuma do tinto a ferver dentro do barro lhe fez cócegas na garganta, pediu humildemente:
- Minha ama, dê-me uma pinga!
- Dou. Anda cá bebê-la...
Ergueu-se num pronto, saltou por cima do gado, entrou no armazém, recebeu a pichorra, levou-a à boca e começou a consolar a alma. De repente, sem mais nem para quê, a moça, calada, dá-lhe um empurrão à vasilha com a ponta do dedo. De respiração afogada e ainda engasgado, a tossir, relanceou-a toda. Ao machio, a senhora morgada! E nada mais simples: pousou a caneca e dobrou a rapariga sobre uma facha de palha.
Miguel Torga Contos da Montanha
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DE MÃOS A ABANAR
“Vir ou chegar de mãos a abanar.” Esta era uma expressão muito usada, antigamente, na Fajã Grande, sendo empregado sobretudo para designar alguém que quando visitava outro não trazia nada consigo para oferecer, sobretudo sendo sua obrigação fazê-lo, sobretudo como gesto agradecido ou como pagamento de um favor anteriormente concedido. Atualmente, esta expressão também é muito usada quando um convidado vai a uma festa de aniversário sem levar presentes.
Consta que a referida expressão teve a sua origem nos tempos da colonização brasileira. Foi sobretudo a época de exploração do café no Brasil que atraiu um grande número de imigrantes europeus para aquela colónia portuguesa, sobretudo os que fugiam da estagnação econômica e do desemprego que, na altura, grassava no velho continente.
Ao chegar ao Brasil, era comum que os imigrantes trouxessem suas próprias ferramentas, como foices ou facas. Isso era visto como um símbolo de sua profissão, uma forma de demonstrar disposição para o trabalho. Pelo contrário, o imigrante que chegava com as “mãos abanando” era visto como preguiçoso e desinteressado em exercer alguma espécie de atividade. Assim, quando um imigrante chegava ao Brasil ‘de mãos abanando’, era visto como preguiçoso e desinteressado no trabalho.
Consta pois que foi a partir daí que o termo surgiu, sendo empregado para designar alguém que não traz nada consigo, mas que deveria assim fazer.
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JOANITA
O que fazes aí oh António
Encostado à botica
Estou à espera da nossa Ana
E da prima Joanita.
Joanita namorada
Fresca e bela como a flor
Olha a sorte venturosa
Joanita meu amor.
Eu parti uma laranja
E deitei metade fora
Com a outra fiz um barco
Joanita vamos embora.
Joanita namorada
Fresca e bela como a flor.
Olha a sorte venturosa
Joanita meu amor.
Joanita e António
Estão namorando os dois
Vão-se unir em matrimónio
Serão felizes depois.
Joanita namorada
Fresca e bela como a flor
Olha a sorte venturosa
Joanita meu amor.
Joanita e António
Sentadinhos à janela.
Sonham, sonham com o mar
Viajando num barco à vela.
Joanita namorada
Fresca e bela como a flor
Olha a sorte venturosa
Joanita meu amor.
F. P (S. Caetano)
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MENINA DOS OLHOS TRISTES
Menina dos olhos tristes,
o que tanto a faz chorar?
O soldadinho não volta
do outro lado do mar.
Senhora de olhos cansados,
Por que a fatiga o tear?
O soldadinho não volta
do outro lado do mar.
Anda bem triste a menina
uma mágoa a fez chorar,
o soldadinho não volta
do outro lado do mar.
A lua que é viajante
é que nos pode informar
se o soldadinho já volta
do outro lado do mar.
Vem uma caixa de pinho
do outro lado do mar…
Desta vez o soldadinho
P’ra sempre se fez ao mar.
Z. A.
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LIRA
Morte que mataste Lira,
Morte que mataste Lira,
Morte que mataste Lira,
Mata-me a mim, que sou teu!
Morte que mataste lira
Mata-me a mim que sou teu
Mata-me com os mesmos ferros
Com que a lira morreu
A lira por ser ingrata
Tiranicamente morreu
A morte a mim não me mata
Firme e constante sou eu
Veio um pastor lá do monte,
À minha porta bateu
Veio me dar por notícia
Que a minha lira morreu.
A.C.O.