PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A BRAVURA DE DOM PAIO
O fronteiro ou capitão de praça d’el rei, Dom Paio de Farroncóbias e o seu séquito ainda não tinham ultrapassado os umbrais da pequena fortaleza que rodeava Lubisonda e já alguns ricos-homens, à frente dos quais estava Pero Fogaça, vieram recebê-los. Foi o marido de Aldonça e pai do jovem Banaboião quem primeiro se aproximou de D. Paio e, ajoelhando-se a seus pés, com humilde espontaneidade, gritou:
- Meu senhor! Ilustre fronteiro do Rei de Portugal, sede bem-vindo a Lubisonda!
Os outros aclamaram de imediato:
- Viva o nosso rei! Viva D. Afonso Henriques, rei de Portugal. Viva D. Paio de Farroncóbias, seu ilustre guerreiro.
Ao ouvir pronunciar aquelas palavras de exaltação do seu amo e senhor, D. Paio de Farroncóbias encheu-se de regozijo e contentamento Era a primeira vez que, depois da brilhante e triunfal vitória em Ourique, aquelas palavras se repetiam como que por eco e magia. Até então, exceto os que estavam em Ourique, nenhum vassalo ou habitante do condado portucalense, tratara o príncipe de tal forma. E agora ali, aquele povo humilde fazia-o com tamanha espontaneidade e sinceridade como eles próprios o haviam feito em Ourique, que de ouvi-los o seu coração se enchia de regozijo. E D. Paio de Farroncóbias, manifestando a sua alegria, contava-lhes como depois daquela gloriosa batalha, na qual para além da força e do valor dos seus homens, o príncipe recebera a proteção e ajuda de Nosso Senhor Jesus Cristo, que lhe aparecera em sonhos, pregado na cruz, sangrando nas suas cinco divinas chagas. Foi tanta a emoção que o esposo da senhora de Cangas e de Freixomil sentiu que, dirigindo-se a Pero Fogaça, o abraçou fraternalmente, não permitindo que este permanecesse ajoelhado por mais tempo a seus pés. Depois fixando-o seriamente, disse-lhe:
- Honrado cidadão de Lubisonda. Foste o primeiro, depois de mim e dos outros valentes guerreiros que com o príncipe combateram em Ourique, que nestas terras portucalenses, tiveste a coragem e a honra de chamar rei, rei de Portugal, ao príncipe D. Afonso Henriques. E tendes razão. Como sabeis, desde há muito que ele deseja ser rei. Não é loucura. É bravura e dignidade. Agora, depois desta retumbante vitória sobre tão vis infiéis, até porque eram muito mais numerosos do que nós e comandados por cinco valorosos reis, posso de facto e com verdade, eu um humilde servo do príncipe meu senhor, orgulhar-me também de lhe chamar rei, rei de Portugal e louvar-vos-ei por isso, porque afinal, ele próprio assim já se intitula – D. Afonso Henriques - rei de Portugal. Na realidade só um verdadeiro rei poderia lutar contra cinco reis mouros e derrotá-los copiosamente. – e voltando-se para a plebe que não cessava de aclamar o novo rei - Tendes razão, honrados cidadãos de Lubisonda. A partir de agora todos devem reconhecer e aclamar o valoroso príncipe Afonso Henriques – rei. Seu primo D. Afonso VII, rei de Leão e Sua Santidade o Papa Celestino II, Sumo Pontífice da Santa Igreja Católica de Roma serão obrigados a reconhecê-lo como rei, em breve. – Depois para Pedro Fogaça - Peço-te, agora, que me conduzas à tua casa, e me dês guarida, se isso te apraz, a mim e ao meu servo e fiel escudeiro Gesismundo, durante uma noite. Peço-te que arranjes ainda abrigo para estes valorosos guerreiros da minha mesnada. Amanhã, ao romper do dia, retomaremos a nossa caminhada até Trancoso. O nosso destino, agora que a moirama está vencida e assustada e não voltará a atacar-nos tão cedo é o reino de Leão. Afonso VII vai ser forçado a reconhecer Afonso Henriques, rei de Portugal e a conceder-lhe a independência, transformando este condado num reino independente como já o são Aragão e Navarra – o Reino de Portugal. Se o não fizer de bom grado há-de fazê-lo por força desta espada
E tirando a espada da bainha, desenhava com ela no ar movimentos convulsivos e maquinais como se estivesse a lutar.