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O CARNAVAL ANTIGAMENTE

Quinta-feira, 15.02.18

É desconhecida a época em que foram introduzidas as manifestações carnavalescas nas Flores, mas sabe-se que em meados do século XIX o Entrudo já se celebrava nesta ilha.

Antigamente as pessoas visitavam-se mascaradas, com indumentárias muito rudimentares (geralmente com roupas de outras pessoas amigas ou familiares) assim como as máscaras que cobriam as caras, confecionadas com materiais pobres, por vezes de bocados de cartão, serapilheira, folhas de plantas, etc.

Divertiam-se em receber as pessoas que faziam trejeitos espalhafatosos, emitiam sons diversos, alterando as suas características pessoais para aumentar o grau de dificuldade no adivinhar quem era o visitante mascarado, o que tornava alegres os serões a seguir ao domingo de reis, época a partir da qual eram oficialmente permitidas essas visitas, que eram contudo mais comuns nas duas semanas anteriores ao dia de Entrudo. Era sempre obrigatório o retirar da máscara antes de saírem da casa visitada, gesto esse que viria confirmar ou surpreender os de casa perante o verdadeiro visitante então identificado. Quando não era de surpresa o momento era sempre de riso e boa disposição.

Na vila de Santa Cruz, a partir das primeiras décadas do ano passado, passaram a fazer-se os chamados “assaltos” que se organizavam a partir de pessoas amigas que se juntavam e iam invadir a casa escolhida, que era anteriormente prevenida, mas que no momento da chegada à porta sempre fingia não saber da alegre visita, mostrando-se todos admirados, numa encenação que era tanto mais perfeita quanto a capacidade de representar dos cicerones. Era esse um ritual previamente intuído e que fazia parte desse faz de conta que essa época proporcionava também a esse nível.

Eram escolhidas as casas com salas maiores, para nelas se poderem dançar as músicas da época como os tangos, valsas, passo-dobles , one-steps e fox-trots, as quais eram arrumadas ou melhor desarrumadas para o efeito.

Os assaltantes geralmente contribuíam, levando consigo sanduiches e vinhos finos.

Nas tarde de Domingo-Magro, Domingo-Gordo e de Terça-feira de Carnaval passeavam-se pelas ruas e praças vários grupos de crianças dos dois sexos, vestindo trajes regionais do Continente e de outros lugares, e os rapazes mascarados imitando velhos, mendigos e marinheiros , não indo muito além disso o imaginação usada nas fantasias.

Nestas tardes apareciam em público as chamadas “danças”: que podiam ser de dança de arcos ou de fitas.

A primeira era composta de oito ou mais rapazes trajando à maruja, isto é calça branca, blusa da mesma cor com cabeção azul ou encarnado, meia preta e sapato branco; e de igual número trajando roupa feminina: saia curta, blusa de várias cores, sapato e meia brancos, cabeleira de trança ou corte à moda.

Cada um dos componentes da dança segurava nas mãos a extremidades de um arco de vime coberto de pasta de algodão entrelaçada com fitas de papel de seda de várias cores.

Comandava a mesma um personagem fingindo de almirante, com chapéu armado coberto de plumas brancas ou penachos de cor, casaca verde e calça vermelha ou vice-versa. Calçava meia preta e luvas brancas.

Numa das mãos empunhava uma comprida espada de folha e trazia na outra um apito por onde emitia sons agudos que substituíam as vozes de comando. Era acompanhado por um subalterno que o auxiliava na condução da dança, seguindo na retaguarda quando em marcha.

Caminhavam aos pares, percorrendo as ruas principais. Paravam para dançar nos lugares onde se encontrava maior número de espetadores e ainda em frente das casas de autoridades e pessoas de destaque. Essa dança era sempre acompanhada por um grupo de 5 ou 6 músicos que tocavam violino, viola, guitarra concertina ou gaita.

O bailado começava sempre por uma rasgada vénia aos espetadores, terminando sempre do mesmo modo.

Toda a coreografia constava de uma série de voltas e movimentos de vaivém de todo o grupo, mudança de pares, entrelaçamento de arcos e passeio por debaixo dos mesmos. Quase sempre a som da seguinte melodia:

A dança das fitas era composta por qualquer número de rapazes, segurando cada um a extremidade de uma fita de 4 a 5 metros de comprimento, presa à ponta de uma vara um pouco mais pequena, que um dos do grupo segurava verticalmente ao centro.

Por uma série de voltas e contravoltas, vão fazendo um entrançado em torno da vara, desfazendo-o depois pelo mesmo processo, a um sinal de apito dado pelo mestre da dança, geralmente vestido de grande personagem — casaca ou sobrecasaca, chapéu alto, luvas e bengala, ostentando ao peito condecorações espalhafatosas.

Acompanhava qualquer uma dessas danças um ou dois mascarados, ridiculamente vestidos, fazendo momices e pedindo aos presentes algum dinheiro (para elas), quase sempre empregado depois em bebidas.

Depois do jantar do meio dia da Terça-feira de Entrudo, que constava geralmente de galinha assada ou guisada com “debulho” ou arroz, algumas crianças e rapazes, junto aos chafarizes, jogavam ao carnaval arremessando baldes de água uns aos outros e ainda por vezes, nalgumas freguesias, ovos e limas de cera cheias de água, assim como pequenos embrulhos com mistura de farinha, areia e papel picado.

Durante algum tempo era também usada uma seringa de cana para os jatos de água mais assertivos. Na noite desse dia continuavam as visitas dos mascarados pelas casas, visitas essas que não podiam nunca ultrapassar a meia-noite, a partir da qual começava a Quaresma. Todos sabiam que no dia seguinte teriam de estar na igreja tristes, sérios compungidos, enfileirados perante o padre que lhes imporia na fronte cinzas escuras e lhes advertiria solenemente: “lembra-te ó homem que és pó e em pó te hás de tornar”.

 

Texto de António Maria

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publicado por picodavigia2 às 00:08





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