PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A TOALHA
Quando eu era criança,
na velha e esconsa cozinha
da casa onde morava,
havia um lava mãos de ferro
e, pendurada nele,
uma toalha de turco,
esbranquiçada,
mas muito encardida.
A toalha,
permanentemente,
estava de tal modo encharcada
que eu nunca conseguia
uma nesga que fosse,
seca e limpa,
onde pudesse limpar a cara,
depois de a passar por um pingo de água,
quer nas frescas manhãs de inverno,
quer nas mais solarengas tardes de verão.
É que…
havia sempre alguém que se antecipava…
Autoria e outros dados (tags, etc)
A SOPA DE FUNCHO DE SEXTA FEIRA SANTA
O funcho que proliferava e florescia nas bordas das canadas e em cima dos maroiços da Fajã, na Sexta-Feira Santa, era ou parecia ser mais doce do que habitualmente. O motivo desta suposta alteração do sabor daquela planta aromática era de carácter, eminentemente, religioso e estava relacionado com os mistérios da Paixão e Morte do Redentor, comemorados naquele dia. Segundo a tradição, muito provavelmente baseada nos Evangelhos Apócrifos, quando Nossa Senhora seguia a caminho do Calvário a acompanhar o sofrimento do seu Filho, como que para aliviar a sua dor, ia apanhando e mascando folhas de funcho. Em homenagem à dor e ao sofrimento da Virgem Maria, a planta passou, todos os anos, como que a tornar-se mais doce, naquele dia.
Ora, sendo a Sexta-Feira Santa um dia consagrado ao jejum e à abstinência, o cardápio habitual e tradicional desse dia, na Fajã Grande, resumia-se a uma sopa cujo ingrediente principal era o funcho. Era a tradicional Sopa de Funcho.
À tarde muitas pessoas seguiam em romaria até à Fajãzinha para assistir às endoenças, celebradas às três horas da tarde, na Igreja Matriz local. Para além de três padres, as cerimónias exigiam alfaias litúrgicas diversas e paramentos que a igreja da Fajã não possuía. Os celebrantes deviam paramentar-se de capa de asperges, casula e dalmáticas roxas que eram mudadas na quarta e última parte por iguais paramentos, mas de cor preta. Na Fajã as cerimónias resumiam-se, ao cair da noite, à procissão do Enterro ou do Senhor Morto. Era retirada a imagem de Cristo com os braços articulados, de um crucifixo muito grande que existia no altar da Senhora do Rosário e colocado dentro de um esquife debaixo do altar-mor, donde fora retirado o frontal. A imagem da Senhora da Soledade era vestida e colocada num andor. A procissão percorria a rua Direita com as duas imagens, finda a qual se seguia o sermão e o beija-pé do Senhor Morto. Era proibido o toque de sinos e campainhas, que eram substituídos pelo bater duma matraca, um pequeno instrumento construído com três tábuas de madeira a que estavam presas argolas de ferro e que, quando agitada, fazia um barulho estranho e esquisito.
A tradição da Sopa de Funcho, na Sexta-Feira Santa era, por todos, respeitada. Bastava apanhar aqui ou acolá, escolhendo-se as partes mais verdes e tenrinhas. Feito o caldo com água, cebola, alho, uma colher de banha de porco e uns pedacinhos de batata, juntava-se, simplesmente, o funcho finamente picado, como se de couve ou de outra hortaliça se tratasse.
Em muitas casas, porém, esta sopa era feita em muitos outros dias, na altura em que havia funcho fresco. Apesar de nesses dias se juntar à Sopa do Funcho uma talhadinha de toucinho, a que tinha o gosto mais saboroso e apetecível, era a feita em Sexta-Feira Santa.
Autoria e outros dados (tags, etc)
A SÉ DE LAMEGO
A Sé Catedral de Lamego data do século XII. Trata-se de um majestoso e imponente monumento sagrado em 1175, dedicado a S. Sebastião e a Santa Maria. A sua conclusão, no entanto, só terá acontecido em 1191. Com o passar dos anos e as respetivas obras de remodelação que viria a sofrer, alterou-se, significativamente, o seu original perfil românico.
É um monumento religioso de grande interesse. A entrada tem um amplo adro lajeado - datado do século XVIII, com a fachada marcada pela grandiosa torre. Das várias dependências que se prolongam a Norte da fachada principal, destaca-se o antigo Paço dos Bispos - uma construção do Barroco setecentista que á várias décadas vem sendo ocupado pelo Museu de Lamego. Aqui guardam-se algumas das melhores obras de arte da Sé e de outros templos da região.
O deslumbrante interior da catedral é separado em três naves divididas em três tramos e cobertas por abóbadas de aresta, assentando em arcos de volta perfeita e pilares generosos. Os tetos, majestosamente pintados no século XVIII pelo pintor-arquiteto italiano Nicolau Nasoni, revelam perspetivas do barroco triunfante e com temas bíblicos. Nas naves laterais há vários altares barrocos.
Na capela-mor, pode-se observar um retábulo combinando mármores e talha dourada, assim como um neoclássico cadeiral de alto espaldar. As portas, janelas, arcos e os seus órgãos são decorados por pomposas estruturas de talha dourada. No altar principal do Santíssimo Sacramento também se pode apreciar um trabalhoso frontal de prata – obra-prima de um ourives portuense do século XVIII. No coro alto, pode-se observar um esplendoroso cadeiral com pinturas do século XVIII.
O claustro cardinalício é uma construção do século XVI, estando este dividido em dois pisos e na planta inferior da crasta estão duas imponentes capelas, onde numa delas se faz notar a sepultura de D. Manuel de Noronha, um dos mais importantes bispos da diocese de Lamego.
A Sé abre-se para um amplo adro lajeado, obra do século XVIII, com a fachada marcada pela robusta torre remodelada em Setecentos.
A fachada principal do templo foi reconstruída no reinado de D. Manuel I, combinando as formas do gótico flamejante e o tímido eclodir de algumas formas da Renascença. Com efeito, esta renovação da Sé episcopal começa no século XV e prolonga-se pelo seguinte. A campanha de obras da fachada realizou-se entre 1508 e 1515, de acordo com os planos do arquiteto João Lopes.
No piso térreo rasgam-se três portais ogivais, com o central de maiores dimensões, constituídos por diversas arquivoltas assentes em colunelos, decorados com esculturas de motivos vegetalistas e zoomórficos. Acima destes abrem-se janelões góticos, com o central de dimensões monumentais e repartido por pétreas molduras curvas. Os três panos da fachada são divididos por quatro contrafortes e rematados superiormente por pináculos cogulhados.
O bispado de Lamego está documentado desde muito cedo na História do Cristianismo peninsular, datando a primeira referência de 572, ano em que o bispo Sardinário esteve presente no II Concílio de Braga, pelo que a catedral começou a ser construído nos meados do século XII, por patrocínio parcelar de D. Afonso Henriques, sobre uma antiga capela dedicada a São Sebastião, esta mandada edificar pela condessa D. Teresa algumas décadas antes.
Do período românico resta a monumental torre que flanqueia a fachada principal pelo lado Sul. Durante a Idade Média, o conjunto edificado nas primeiras décadas da monarquia foi enriquecido com numerosos elementos, entre os quais algumas capelas funerárias, particularmente de membros do episcopado - casos de D. Paio, que instituiu a capela de São Sebastião em 1246; D. Domingos Pais, a quem se ficou a dever a Capela de Santa Margarida, em 1284; Nicolau Peres, deão, que patrocinou a Capela de Santa Marinha em 1299; ou D. Vasco Martins, que decidiu edificar a Capela de Santa Maria do Tesouro em 1302, entre muitos outros exemplos que poderíamos citar.
Nos inícios do século XVI, a igreja foi objeto de uma importante reforma. O arranque dos trabalhos anda atribuído ao bispo D. João de Madureira, que entrou na cátedra em 1502 e o resultado foi a principal obra manuelina deste sector do reino, reservada à fachada principal, elemento primordial de cenografia e de impacto visual a todos quantos se aproximavam da catedral. Os três panos da frontaria, que denunciam o interior em três naves, passaram a conter uma tripla entrada harmónica, composta por portais de arco apontado (o axial inscrito em seis arquivoltas e os laterais em três), profusamente decorados com capitéis vegetalistas de secção oitavada e intercolúnio preenchido com motivos fitomórficos. Na Idade Moderna, o conjunto catedralício foi aumentado e enriquecido com outras obras, como o claustro (do período maneirista) e a nova capela-mor (barroca, bastante profunda e revestida por retábulo-mor, dois órgãos e tribunas, construída a partir de 1742). O transepto é igualmente barroco e foi realizado imediatamente após a conclusão da capela-mor, decorrendo os trabalhos até 1771. Por essa mesma altura dava-se corpo à sacristia e aos vários retábulos que ornamentam ainda a maioria das capelas devocionais do interior.
Hoje, quinta-feira Santa, na Sé de Lamego assim como em todas as outras, celebram-se duas missas. De manhã a Bênção dos Santos Óleos de à tardinha a do Lava-pés.
Adaptado Folheto Infornativo e de: IPPAR /IGESPAR
Autoria e outros dados (tags, etc)
ANTÓNIO DACOSTA
Antonio Dacosta nasceu Angra do Heroísmo, a 3 de Outubro de 1914 faleceu em Paris, a 2 de Dezembro de 1990. Foi pintor surrealista e colaborador de vários jornais e revistas, escrevendo artigos de crítica artística. Em 1935, deixou os Açores para estudar em Lisboa, matriculando-se no curso de Pintura na Escola Superior de Belas-Artes. Apesar de nunca ter acabado o curso por incompreensões várias, foi um dos primeiros mentores do surrealismo em Portugal, expondo pela primeira vez os seus quadros em Lisboa no ano de 1940. Dois anos depois, ganhou o Prémio Amadeo de Souza-Cardoso com o quadro A Festa, de forte influência açoriana e do culto do Espírito Santo. O escritor Vitorino Nemésio, igualmente terceirense e seu contemporâneo, caracterizou António Dacosta como um «Pintor Europeu das Ilhas» e, de facto, rompendo com o provinciano e subserviente meio intelectual lisboeta da altura, partiu para Paris, em 1947, com uma bolsa de estudo do governo francês e nunca mais voltou a viver em Portugal. Pela mesma altura, interrompeu a sua actividade como pintor, vivendo sobretudo da crítica da actividade artística de Paris com artigos que enviava regularmente para o jornal brasileiro O Estado de S. Paulo. Só duas décadas passadas, por volta de 1978, recomeçou a pintar com assiduidade, expondo regularmente, a partir de 1983, em Portugal e no estrangeiro. Foi a partir da década de 80 que a sua profícua actividade pictórica apresentou novamente o constante fascínio pelas ilhas, patente, por exemplo, nos quadros Memória e Açoriana, e, numa alusão directa ao culto do Espírito Santo, A Mulher e o Folião e A Menina da Bandeira. É de referir, ainda, a série de quatro pinturas Em Louvor de…, cuja representação de cabeças de touros alude também às touradas à corda, típicas da ilha Terceira. Em 1989, num dos seus últimos trabalhos, realizou e instalou 88 painéis em madeira, dos quais 36 são cabeças humanas em relevo de gesso pintado, no novo edifício da Assembleia Regional dos Açores na cidade da Horta. Em 1990, ano da sua morte, concebeu ainda o projecto de um monumento para a baía de Angra do Heroísmo, que designou de Altar Nave – Em Louvor de…, retomando novamente o culto do Espírito Santo, desta vez relacionado com o mar, as viagens e as descobertas/encontro de povos. Esta escultura, executada sob as directivas do escultor José Aurélio, foi inaugurada a 5 de Junho de 1995 – Dia do Espírito Santo.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
Autoria e outros dados (tags, etc)
ÉH SARGAÇO, ÉH SARGAÇO
Eram apenas duas ou três vezes por ano. Alta madrugada, pelas ruas ainda escuras e junto às casas de portas fechadas e janelas com as cortinas corridas, ouvia-se em alto e bom som: “Éh, sargaço! Éh, sargaço!”
Todos acordávamos espavoridos. Vestíamo-nos à pressa, passávamos pela cara um resto de água salobra que ficara da véspera na bacia do lava mãos da cozinha e “ala botes” para o Rolo, em louca correria, carregando cestos e garfos. Meu pai e muitos outros homens, os que com ele iam, diariamente, à erva para as “lagoas” das Covas e da Ribeira das Casas, já lá estavam a escarafunchar por entre as pedras e a demarcar terreno O espectáculo era impressionante e belo: o mar toldado como um manto acastanhado e muito escuro. Ondas gigantes e altivas, soltando rugidos roufenhos ao estatelarem-se nos laredos, despejavam para o enorme Rolo, desde o Calhau do Constantino à Ribeira das Casas, grande quantidade de algas marinhas que ali se iam amontoando, transformando a rusticidade cilíndrica do Rolo, num fofa e aveludada alfombra. No ar exalava um cheiro perfumado de salmoura, de iodo e de espuma. Cada homem, à medida que se aproximava do mar, guiado por leis consuetudinárias e pela consciência de que havia sempre que sobrar um espaço igual ao seu para os que ainda não tinham chegado, ia delimitando com estacas de cana, a área que passaria, por direito próprio, a pertencer-lhe e donde extrairia o estrume julgado necessário para os seus campos. Depois iniciava-se uma enorme lufa-lufa de baldeação do sargaço para o cimo do Rolo. Eram precisos braços fortes a fim garfá-lo para longe dali, não viesse, na próxima maré-alta, à socapa, alguma vaga mais atrevida, que o levasse por completo. Por volta do meio-dia chegavam as mulheres com o bule do café na mão e cestos à cabeça a abarrotar de torresmos, de linguiça, de peixe frito, de tortas, de batatas cozidas, de inhames e fatias de pão de milho ou quartos de bolo. De tarde iniciava-se a trasfega para os “lagos”. Estes ficavam já bem fora do alcance das ondas e resguardados da braveza do mar e dos rigores do Inverno. Os “lagos” eram espaços geométricos, quadrados ou rectangulares, divididos e separados uns dos outros por paredes muito baixas, formadas com pedras do Rolo, encravadas na terra e onde, aos poucos, se ia amontoando e calcando o sargaço extraído do mar e acartado em cestos bem acaculados. Assim como a forma, a sua disposição também era geometricamente perfeita e muito ordenada, formando, à entrada, uma espécie de avenida principal, entrecortada por ruas paralelas, por onde todos pudessem passar, quer agora, quando extraíam o precioso adubo marinho, quer mais tarde, no fim do Inverno, quando o sargaço já tivesse apodrecido e fermentado por completo e fosse levado em carros de bois, para os campos plantados de couves junto mar e que não beneficiavam das forrageiras.
A operação prolongava-se pela noite dentro e, então, o Rolo povoava-se de lanternas e lanternas suspensas em paus enfiados nos montes de sargaço já despejado nos "lagos" e que, apesar de bem acalcados, continuavam a crescer a olhos vistos, tornando-se semelhantes às habitações de um escuro e tenebroso aldeamento.
Autoria e outros dados (tags, etc)
CALIPOLENSES
Os habitantes de Vila Viçosa são chamados calipolenses. A razão de ser desta designação parece explicar-se pela helenização do topónimo Vila Viçosa em Kallipolis, de kallos, «formoso», e polis, «cidade».
Autoria e outros dados (tags, etc)
ESCALOS DE BAIXO E A LENDA DE S. SEBASTIÃO
Escalos de Baixo é uma freguesia portuguesa do concelho de Castelo Branco, na província da Beira Baixa, região do Centro (Região das Beiras) e sub-região da Beira Interior Sul. Possui uma área de 46,09 km² e 746 habitantes . A sua densidade populacional é de 16,2 hab/km².
A freguesia de Escalos de Baixo, no entanto, foi extinta em 2013, no âmbito da reforma administrativa nacional, tendo sido agregada à freguesia de Mata, para formar uma nova freguesia denominada União das Freguesias de Escalos de Baixo e Mata da qual é a sede.
A freguesia possui um rico património arquitetónico, com destaque para as Capelas de Nossa Senhora das Neves, de S. Sebastião e de Santo António e algumas casas senhoriais. Existem também na freguesia vestígios arqueológicos romanos e uma antiga ponte da Moinheca sobre o rio Ponsul
No aspeto cultural contam-se algumas interessantes lendas, entre as quais a de São Sebastião segundo a qual a população local durante as Guerras de Independência, Escalos de Baixo foi invadida pelos Castelhanos. Mais tarde, atingiram Castelo Branco as tropas. Chegou então aos ouvidos dos Escaleiros que essas tropas iam marchar até à fronteira e por isso passavam obrigatoriamente por Escalos e arredores. Com lembranças das anteriores destruições, o povo decidiu combater contra a poderosa tropa Franco-Espanhola começando a rezar a S. Sebastião “defensor da fome, pestes e guerras”. Curiosamente formou-se um denso nevoeiro quando as tropas se aproximavam, o que tornou a povoação despercebida aos seus olhos, passando ao lado. Para cumprir a promessa o povo construiu a capela, situada ao lado da ribeira e fazendo frente à via que dava acesso a Castelo Branco. Também todos os anos são feitos grandes festejos em honra do Santo Defensor.
Autoria e outros dados (tags, etc)
AMARRADAS À ESTACA
As vacas, na Fajã Grande, tinham um papel primordial na economia de cada família, dado que constituíam a sua principal fonte de sobrevivência. Cada agregado familiar, no entanto, possuía apenas uma ou duas vacas. Somente os lavradores mais abastados, e que eram poucos, possuíam três e, muito raramente, quatro. Para além de um excelente e precioso meio auxiliar do trabalho agrícola, as vacas forneciam o leite, elemento fundamental na alimentação quotidiana de então e fonte exclusiva de receita, uma vez que uma boa parte do mesmo era vendida na Cooperativa ou no Martins & Rebelo. Daí que as vacas gozassem de um estatuto especial e de um tratamento cuidadoso e peculiar, não apenas quanto à alimentação, mas até na forma de se apresentarem. Vaca que se prezasse havia de percorrer as ruas da freguesia de manhã e à tarde, limpa, asseada, gorda, de pelo luzidio, de campainha presa ao pescoço com “estrape” de couro ensebado e fivela de latão e com ponteiras de metal nas pontas dos chifres. Uma beleza! Além disso, no Inverno, as vacas eram guardadas cuidadosamente nos palheiros, a fim de serem protegidas dos rigores das noites frias e tormentosas sendo, pela manhã levadas aos pastos, onde ficavam soltas a pastar a erva fresca e tenrinha, até à noite, altura em que eram novamente recolhidas aos palheiros. No Verão invertia-se o esquema: as vacas passavam as noites ao fresco, a pastar nas relvas e durante dia ficavam nos palheiros, protegidas do calor excessivo, da calmaria insuportável e das moscas incomodativas.
Os meses de Março e Abril, porém, constituíam uma alternativa radical a esta rígida transumância. Durante estes meses, as vacas eram “amarradas à estaca” no “outono”.
Nas terras onde habitualmente se verificava o ciclo agrícola do milho, havia um tempo em que os campos ficavam livres daquele cereal. Antes e por entre os milheirais de folhas amareladas e secas, a abarrotar de espigas loirinhas, semeava-se o trevo ou a erva da casta que iam crescendo, crescendo até se tornarem forragens apetitosas, que depois da apanha do milho formavam, com as folhas verdes e as flores vermelhas, azuladas, amarelas e esbranquiçadas, uma variadíssima gama de tapetes multicolores, ondulados pelo vento, ornamentando a freguesia de lés-a-lés.
Era por essa altura que as vacas eram para lá levadas, suspendendo assim o seu vaivém habitual pelas ruas da freguesia, entre palheiros e relvas e entre relvas e palheiros. Antes de lá as colocar, junto ao portal de entrada ou no sítio onde a forrageira era mais fraquita, ceifava-se uma boa parte, a fim de criar o “talho” ou seja o espaço adequado à colocação dos animais que ali ficariam alimentando-se não apenas das forragens verdejantes, mas também de erva e de incensos que para ali eram acarretados a fim de que a permanência dos animais durasse o tempo necessário e suficiente para “trilhar” bem o terreno, preparando-o assim para a próxima sementeira. Cada vaca era presa pela mão esquerda à ponta duma corrente, um pouco mais comprida do que o animal, dividida em duas partes, sendo uma, a da extremidade próxima da mão, mais delgada e curta e a outra mais grossa e presa por uma argola a uma estaca de ferro de tamanho variável, de acordo com a força do animal, para que este não a arrancasse e desse cabo do “outono”. As duas partes estavam ligadas por um “suevo” para evitar que a corrente se enrolasse devido ao esticar e encolher provocado pelo contínuo puxar do animal. Com um enorme maço de madeira as estacas eram enterradas em local que permitisse a cada vaca ter uma “cordada” ou seja, usufruir de um espaço de terreno individual que lhe proporcionasse alimento suficiente. A força da estaca por vezes tinha que ser reforçada com pedras retiradas das paredes circundantes, quer porque o animal fosse muito forte quer porque o terreno estivesse muito mole. No entanto, como o objectivo fundamental era estrumar bem o terreno, os homens passavam o dia a acartar para os campos onde tinham o gado molhos de erva e de incensos, acrescentando assim a cada “cordada” uma boa quantidade de outro alimento para que o animal estrumasse o campo da melhor forma. Junto ao portal a indispensável selha ou bidão com água, que era levada todos dias de manhã e à tarde, precisamente nas latas que depois da ordenha, haviam de vir carregadas aos ombros, suspensas em "caibos" e a transbordar de leite.
À tardinha, depois de terminar a faina agrícola nos outros campos e como as terras de “outono” eram próximas umas das outras, os homens, depois de dar a última “cordada” ao gado, enquanto esperavam a ordenha da noite, agrupavam-se em cima de paredes e marouços circundantes. Vinham os de perto, vinham os de longe e vinham até os que nem gado tinham e ali ficavam em amena cavaqueira, discutindo sementeiras, planeando ceifas ou passando em revista os acontecimentos mais recentes do povoado, enquanto nós os fedelhos, pedindo as navalhas aos pais, íamos escolher o garrancho mais adequado, que depois era preparado e alisado, preferivelmente com um pedaço de vidro, ao mesmo tempo que retirávamos o miolo a um toro de sabugueiro, um pouquinho mais comprido. Tudo preparado adequadamente, colocávamos-lhe em cada extremidade do tubo do sabugueiro uma espécie de rolha feita de raiz de cana roca. Com a ponta do garrancho carregávamos uma das rolhas que ia penetrando, lentamente no tubo, comprimindo o ar até ao expulsar com propulsão a da outra extremidade, atirando-a para bem longe, provocando um estalido semelhante ao de uma pistola. Depois viramo-nos aos tiros uns contra os outros, contra as paredes, contra as vacas e até contra os navios russos que passavam no mar alto.
Quando as vacas, terminavam a “cordada” era a hora da ordenha. Abdicávamos então da guerra simulada e íamo-nos posicionar ao lado do ordenhador a fim de beber uma boa tapa de leite que saía morninha, com sabor a trevo e a erva da casta e que nos sabia tão bem.
E quando regressávamos a casa, já lusco-fusco, os animais ficavam no campo, “amarrados à estaca” de mão bem estendida para chegar ao melhor do “eito”, fazendo tilintar as campainhas penduradas ao pescoço, provocando uma delirante e estranha sinfonia.
Autoria e outros dados (tags, etc)
EPITÁFIO PARA R. M. RILKE
quando as palavras
buscarem amparo
em teu secreto canto
serás ainda
o único pastor
do meu silêncio
Tolentino Mendonça
Autoria e outros dados (tags, etc)
ILHA DAS FLORES
A quarta ilha mais pequena e a mais ocidental dos Açores, Flores, deve o seu nome, plenamente justificado, à variedade de flores e plantas lá existentes – muitas sementes foram trazidas por pássaros migratórios, vindos de lugares distantes como a Florida – que fazem que esta ilha seja uma das mais coloridas e bonitas de todo o arquipélago. Geograficamente a ilha das Flores está situada na placa continental americana a cerca de 24 km da ilha do Corvo e por volta de 250 a 350 km (dependendo da localização) do grupo central e aproximadamente de 600 km da ilha mais a leste, Santa Maria. A sua localização tão mais a oeste no Atlântico provoca diferenças climáticas em relação às outras ilhas, sendo as suas temperaturas mais moderadas ao longo de todo o ano. Esta ilha também tem o dobro da pluviosidade e por isso é a mais ventosa. O lado bom de tanta chuva é que é também a ilha mais verde de todo o arquipélago e oferece, muitas vezes, magníficos arco-íris sobre toda a ilha.
Cobrindo uma área de cerca 143 Km quadrados (aproximadamente 17 Km de comprimento e 12 km de largura), a ilha atinge a sua altitude máxima (914 metros) no Morro Alto na parte norte. Um genuíno paraíso para os amantes da natureza e montanhismo, o selvagem, quase virgem e desabitado interior, oferece maravilhosas e calmas paisagens, marcadas por altas elevações – descendo ora suave, ora abruptamente até ao mar – e murmurantes riachos, que muitas vezes se transformam em espectaculares cascatas. Pitorescas lagoas de crateras e fontes sulfurosas – testemunhas da sua, já distante, origem vulcânica – e também os vales profundos são características da paisagem da ilha de Flores.
Com a vila da Fajã Grande na sua costa oeste, Flores orgulha-se do facto de ser um dos pontos mais a ocidente da Europa. Os cerca de 4000 habitantes da ilha vivem nas localidades que se estendem ao longo da sua muito recortada e extremamente escarpada costa, onde inúmeros ilhéus recortam a linha costeira a todo o redor da ilha. Flores está dividida por dois concelhos, Santa Cruz das Flores, a capital que está situada na parte central da costa este, e Lajes das Flores, na costa sul. A maioria da população vive nestas duas vilas.... melhor dizendo, povoações.
Supostamente descoberta em 1452 pelo navegador Diogo de Teive, quando regressava da Terranova, o povoamento das Flores só se desenvolveu em grande escala nos finais do século XV, iniciado por um nobre flamengo, que trouxe com ele plantas de cultivo e gado. No entanto, como também aconteceu noutras ilhas dos Açores, os colonos não estavam, inicialmente, interessados na agricultura tradicional, mas sim no cultivo do pastel, que era muito mais rentável. O único problema era a localização e isolamento da ilha e o facto dos barcos terem horários muitos irregulares fez com que a exportação do pastel fosse muito complicada, devido ao aumento dos custos. Tudo isto levou ao abandono do cultivo do pastel no início do século XVI. Pela mesma altura, novos colonos chegaram – desta feita vindos de Portugal – e começaram a trabalhar as terras extremamente férteis, cultivando cereais, trigo e vegetais. Mais uma vez, devido às dificuldades de exportar as suas ricas colheitas e pour que as condições de vida não melhoraram, muitos colonos decidiram abandonar a ilha e emigraram para a América à procura de mais sorte.
A falta de progresso e pouco desenvolvimento económico continuou até ao século XX, altura em que a indústria baleeira se desenvolveu. Esta actividade foi trazida pelos baleeiros americanos já em 1860, e atingiu o seu auge já em meados dos anos 1930. Embora os rendimentos da ilha tenham melhorado por um curto espaço de tempo, esta actividade não beneficiou a maioria da população que continuou a viver em grande pobreza e por causa disso o fluxo migratório proseguiu duma maneira constante.
Somente em meados do século XX, se começou a notar sinais dos tempos modernos na ilha das Flores. Em primeiro lugar, a Armada Portuguesa ergueu uma base no concelho de Lajes (a sul da ilha), depois os franceses construíram uma estação de rádio militar para controlo do tráfico da rádio internacional. Consequentemente, devido a estes desenvolvimentos, a rede eléctrica e de estradas foi estabelecida, e, em 1986, Flores teve finalmente o seu aeroporto. No entanto, o desenvolvimento da ilha seguiu a um ritmo muito lento e – impensável para muitos de nós – foi só em 1986, que pela primeira vez se viu televisão na Fajã Grande! Entretanto a ilha já tem um cinema. Todavia, a emigração continua e a ilha já perdeu mais de metade da sua população no decorrer dos vários séculos.
Aqueles que não desistiram, continuam a viver essencialmente da agricultura e criação de gado e baseiam as suas esperanças no crescimento do turismo, indústria esta que é apoiada pela União Europeia, que investiu em diversos projectos com a perspectiva de melhorar este sector, aproveitando o enorme potencial da ilha.
Texto retirado do blogue Go Live With Livestream
Autoria e outros dados (tags, etc)
A FAJÃ GRANDE VISTA POR GASPAR FRUTUOSO
Na parte final do Livro VI de “Saudades da Terra”, Gaspar Frutuoso descreve a Fajã Grande, no último quartel do século XVI:
“…Dali a meia légua de rocha, de pedra viva e por baixo penedia, estão dois ilhéus… Criam-se neles muitos pássaros de toda sorte e muito marisco, e algum mato; chamam-se os ilhéus de Maria Vaz.
Daqui, a um tiro de bombarda, vai fazendo a rocha uma enseada, onde moram sete ou oito vizinhos, que lavram pão e pastel e têm um moinho em uma ribeira, que sai ao mar, chamada do Moinho. Dali a um quarto de légua está uma fajã, chamada Grande, que dá pão e pastel, em terra rasa, com algumas engradas onde entram caravelas de até cinquenta moios de pão a tomar o pastel que nela se faz, onde também há marisco e pescado de toda a sorte, e no cabo dela está um areal, de meia légua de comprido, em que sempre anda o mar muito bravo; e dali por diante, a outra meia légua, é tudo rocha talhada, onde se apanha muita urzela, e de muita penedia por baixo, em que se cria infinidade de marisco e grandes cranguejos, e desta mesma maneira corre a rocha um tiro de bombarda até uma ponta, que sai ao mar um tiro de arcabuz, com um baixo de pedra, que tem lapas e búzios; e, logo adiante desta ponta, se faz uma baía, onde com ventos levantes ancoram navios de toda sorte e também naus da Índia. No meio deste ancoradouro cai da rocha no mar, a pique, uma grande ribeira…”
Gaspar Frutuiso “Saudades da Terra” (Livro VI)
Autoria e outros dados (tags, etc)
NIHIL
Há silencio
Nas pedras,
Nas árvores
No vento.
Há caminhos desertos,
Ribeiras sem água,
Beira-mar sem ganhoas.
A terra cobriu-se de um manto escuro,
E as andorinhas tardam em regressar.
A esperança é um mito,
A certeza uma dúvida
E a alegria uma mágoa.
Até as nuvens correm sem destino.
Autoria e outros dados (tags, etc)
MAR
Quando se vive numa ilha ou, sobretudo, quando nela estagiamos apenas alguns dias, temos a agradável sensação de ter uma companhia permanente e protetora: o mar. Aqui, acolá, além, ele está sempre a nosso lado. Ainda noite escura abre-se uma porta, espreita-se por uma nesga da janela e lá está ele. Em qualquer vereda, caminho ou estrada em que se transite ele acompanha-nos. Espraiamo-nos sobre um miradouro, sentamo-nos no banco de um jardim ou debruçamo-nos sobre o peitoril duma janela e ele lá esta, à nossa espera. Umas vezes calmo, tranquilo, meigo e sossegado. Outras, roufenho, revoltado, malino, como se tivesse o diabo no corpo. Umas vezes faz-se acompanhar duma beleza ímpar, espelhando uma claridade, serena, silenciosa e acolhedora. Outras vezes, com o silêncio da noite, traz a Lua como companheira, a transformá-lo, nas noites mais claras, num imenso lençol brilhante e prateado, nas mais sombrias num enorme tapete azulado e fofo.
Hoje o mar esteve muito calmo e sereno. Por vezes parecia-me ouvir o seu silêncio. De manhã, apesar de ainda lusco-fusco me entrar pela vidraça, desprezei-o. Simplesmente fiz de conta que não existia, pese embora, ao acordar, olhasse para ele durante alguns momentos. Abraçado à intimidade do amanhecer, teimava em fazer que eu sentisse, que o ouvisse, pelo que se fazia presente através de uma ou outra pequena onda que, rolando lentamente, se vinha desfazer, num leve e suave murmúrio, junto ao negro baixio, espalhando-se, de seguida sobre os laredos. Uma irrequieta tranquilidade atraente que eu desprezei! Um murmúrio de silêncio enternecedor que eu não quis ouvir!
Enlevava-me com outras tarefas. O mundo é feito de bons e maus. Assim como os homens também os vegetais. Na terra semeia-se e planta-se os que nos vão alimentar. Cava-se, alisa-se a terra, semeia-se, planta-se, rega-se e aduba-se. Logo se aproveitam as mondas, as ervas daninhas a florescerem, como danadas, no meio deles, a atrofiá-los, a destruí-los – os feijoais, os tomateiros, as cebolas, os pimentos, as nabiças… É imperioso arranca-las, destruí-las, deixando aos bons a possibilidade de se desenvolverem, crescendo com mais fulgor, com mais sucesso. Melhor produtividade. O mar lá ao longe, entristecido, morno, pensativo. A natureza, porém, é mãe, protetora, auxiliadora. E durante a tradicional sesta no santuário do vinho, uma chuva miudinha, conciliadora, caritativa. Uma dádiva divina.
Foi esta chuva, benevolente e protetora, a escoar-se pelos contrafortes da montanha que, obstruindo a continuidade do trabalho agrícola, me fez regressar ao omnipresente mar que, apesar de toda a minha indiferença, continuava à minha espera. Não hesitei e caminhei como um louco na sua procura, com uma vontade enorme de o abraçar. Atirei-me a ele como São Tiago aos mouros! Agarrei-o, abracei-o, beijei-o, nadei e mergulhei, envolvi-me com ele numa doce, morna e suave banhoca.
Regresso aos campos mas a persistência da chuva obstrói qualquer atividade. O mar continua ao meu lado, sempre presente. Teima em não querer abandonar-me. O Sol há muito que se perdeu. Depressa chegará noite, serena, silenciosa e acolhedora. Mas a montanha cobriu-se de um nevoeiro, denso, aborrecido a afastar as cagarras dos seus cânticos e bailados. Acendem-se luzes, mas tão enfurecida é esta bruma e tão ávida de tudo dominar e obstruir, que se atirou à bruta, sobre o mar tirando-lhe o brilho, a quietude e o silêncio. Este mar que me perseguiu durante todo o dia, agora, envergonhado e tímido, vai-se perdendo aos poucos como se simplesmente fosse o restolho duma sombra entontecida. Não contente com me levar o mar, esta bruma carunchosa e opaca ainda me engoliu, num ápice, o meu terceiro dia de férias.
Autoria e outros dados (tags, etc)
MOINHOS DE MÃO
Os antigos moinhos de mão açorianos, muito comuns nas Flores e mais concretamente na Fajã Grande eram feitos de pedra basáltica e constituídos por duas peças talhadas manualmente na própria pedra. Uma era mó, de forma redonda e com um olho ou buraco, no meio, sobre o eixo central por onde se deixava cair o grão de cereal que se pretendia moer. Esta mó, sob a forma de tampa gigante, tinha encastoado, próximo do bordo exterior, um manípulo de maneira, destinado a ser manipulado, imprimindo, assim, o movimento, mais ou menos rápido, à própria mó. A segunda peça, sobre a qual assentava a mó, era uma espécie de base fixa e, obviamente também redonda, com um rebordo ligeiramente mais alto do que a mó. A base sobre a qual rodava a mó, tinha uma pequena falha ou rebordo num dos lados, sob a forma duma pequenina rampa e através da qual a farinha, depois de moída saía. Uma terceira peça que não fazia parte da estrutura do moinho era a destinada a recolher a farinha, sendo que muitas vezes se usava um saco ou, simplesmente um pano.
Estes moinhos comuns em muitas casas, dado que a farinha que moíam ficava bastante grossa, na Fajã Grande eram usados geralmente para moer o milho quando ele ainda não estava bem amadurecido ou seco. Era com esta farinha que se faziam as chamadas papas grossas que comidas quentes com o leite, ou simplesmente frias e às talhadas eram saborosíssimas. Havia também quem, quando frias as comesse cobertas com o leite a ferver ou até fritas. Era sobretudo nos dias anteriores à apanha do milho que se recorria a este apetitoso manjar.
Moer no moinho de mão era tarefa das mulheres que, muitas vezes pediam ajuda às crianças, a fim de irem lentamente deitando o milho no buraco da mó, enquanto a mãe ou a irmã ou outra mulher ia rodando a mó, por vezes um pouco pesada.
Consta que no início do povoamento das ilhas, antes dos moinhos de água estes equipamentos domésticos terão sido de grande importância. Uma vez que ainda não existiam os moinhos de água ou de vento, era a eles que se recorria para moer os cereais, nomeadamente o trigo, muito utilizado nos primórdios do povoamento açoriano. Mesmo mais tarde, já com o funcionamento daqueles moinhos, as famílias mais pobres recorriam ao seu uso, obtendo, assim obter a farinha sem o encargo de pagar a maquia ao moleiro ou outos impostos.
Autoria e outros dados (tags, etc)
OS MUROS DO SILÊNCIO
Estes muros de pedras de basalto negro
- soltas e esburacadas -
erguidas ao redor do meu silêncio,
em forma de currais amedrontados,
são restolho de marés sublevadas,
são rilheiras de lava enraivecida…
Passam ventos em corrida estonteante,
sem o olhar,
sem o ouvir
ou nem sequer parar para o colher…
… é como se estivessemos num deserto
onde apenas a poeira da renúncia,
subsistisse à fúria das miragens.
Autoria e outros dados (tags, etc)
SALMO DO UNIVERSO
O céu, o mar e a terra exultaram de alegria
Porque viram e contemplaram o universo!
Viram a mais inaudita beleza da natureza;
Contemplaram o mais sublime dom do criador.
Viram-no e ficaram maravilhados;
Contemplaram-no e ficaram assombrados.
Os montes estavam cobertos de estrelas;
Pelos rios corria um suco doce e cristalino.
As nuvens bailavam em cachões doirados;
O silêncio das cavernas entontecia os corações.
As árvores escondiam-se envergonhadas
Mas os pássaros cantavam hinos à liberdade.
O universo revelou-se como obra admirável,
Como dádiva generosa, cerceada pelo destino.
Autoria e outros dados (tags, etc)
CORSÕES DE MILHEIROS E BOIS DE SABUGO
Na Fajã, no início dos anos cinquenta, não se compravam brinquedos, por duas razões muito simples: primeiro porque não havia dinheiro e, em segundo lugar, nem sequer havia brinquedos para comprar.
Assim, exceptuando um ou outro automóvel de baquelite ou alguma boneca de loiça que vinham da América muito bem embrulhados nas roupas que traziam as encomendas, éramos nós próprios, crianças de então, que construíamos, por vezes de maneira tosca e rudimentar, todos, mas mesmo todos, os nosso brinquedos, a maioria dos quais se baseava ou imitava objectos e utensílios utilizados pelos adultos na sua principal faina quotidiana – a agricultura.
Ora um dos objectos mais imitado na elaboração dos nossos brinquedos era o corsão com que brincávamos em cada dia, em cada hora e em cada minuto. Fazíamos corções minúsculos com uma rapidez, uma competência e uma agilidade fantásticas. Por vezes fazíamo-los de madeira mas, como esta era rara e mais difícil de trabalhar, utilizávamos habitualmente e como alternativa, as canas do milho. Pegávamos num milheiro ou em dois e cortávamo-los em dois pedacinhos do mesmo tamanho. Depois aguçávamos em forma de proa de navio uma das extremidades de cada um dos pequenos e delgados troncos do milho e arranjávamos cinco ou seis “fochos” a fazer de travessas que cravejávamos nos milheiros, formando assim um verdadeiro corsão em miniatura. Faltavam apenas os fueiros, tarefa também muito fácil de concretizar pois bastava apenas fixar mais uns pauzinhos na parte de cima dos milheiros e lá estava o corsão completo. Depois era só carregá-lo com lenha, incensos, ervas, casca de milho, produtos que eram sempre bem presos e amarrados com cabos de espadana e apertados com arrochos, como se de um corção de verdade se tratasse.
E o cabeçalho? Bem o cabeçalho era feito com um fio de espadana bem grosso que se prendia a uma canga, também de espadana com duas laças nas pontas onde se enfiavam dois sabugos a fazer de bois que assim ficavam verdadeiramente “encangados”. E então se conseguíssemos um sabugo vermelho!...
E assim nos entretínhamos horas e horas a brincar, tão felizes e alegres, com estes brinquedos tão simples, apesar da pouca durabilidade de que eram dotados, pois o corção desfazia por completo assim que os milheiros secavam.
Autoria e outros dados (tags, etc)
TOQUE DE MIDAS
A velha chávena
Pousada num canto da prateleira,
Envolta no eco do silêncio
Imersa na escuridão do abandono,
Sem interesse,
Sem emoção,
Quase se desencantava.
Agora que, à semelhança de Midas, recebeu um toque divinal,
permanece exposta
como troféu
vivo
imortal
que nem a mais amarga nicotina
destruirá.
Autoria e outros dados (tags, etc)
A LENDA DA ERMIDA DE SANTA CATARINA DAS LAJES DO PICO
Antes de ser freguesia, grande parte do território pertencente, actualmente, a São Caetano do Pico pertencia à freguesia de São Mateus e nele se situava o lugar da Prainha do Galeão, assim como o do Caminho de Cima. Por sua vez, o lugar da Terra do Pão, por sua vez, pertencia à freguesia de São João e, consequentemente, ao concelho das Lajes.
Nesses tempos, o lugar da Prainha, alojado no regaço de uma enorme baía, onde assentava um pequeno e rústico porto, era um lugar pobre, onde viviam algumas dezenas de famílias, alimentando-se do que a terra lhes dava, do leite e da carne das ovelhas e cabras que criavam e, sobretudo, do peixe que apanhavam e que era abundante naquelas redondezas. Os primeiros colonos que ali se fixaram, fundaram, junto ao mar, uma pequena povoação, hoje, denominada por Prainha do Galeão, por ter sido ali que um dos seus habitantes fez construir um galeão, como forma de pagamento de dívidas ao rei. Junto ao mar edificaram, também, uma pequena ermida, escolhendo São Caetano, como seu padroeiro.
Conta-se que em tempos muito recuados, certo dia, um grupo de homens daquela localidade decidiu ir pescar, ao largo da baía. Servindo-se de um pequeno e tosco batel lançaram a rede por fora da ponta dos Coxos. Passado algum tempo puxaram-na e, como a sentissem muito pesada, alegraram-se, por quanto cuidaram que tinham apanhado grande quantidade de peixe. Qual não foi o seu espanto, quando ao despejar, por completo, a rede dentro do batel, se aperceberam de que, afinal, em vez de peixe, haviam encontrado uma linda imagem que lhes pareceu ser uma Santa, cujo nome nenhum foi capaz de identificar e que, muito provavelmente, havia sido trazida, milagrosamente, pelo mar.
Quando chegaram a terra com o precioso achado, os familiares e outras pessoas que os aguardavam no porto, manifestaram-se em grande alarido, mas ninguém foi capaz de identificar o nome da santa. Foi então que um dos pescadores sugeriu que a trouxessem para as Lajes, para a igreja mais imponente da ilha, a igreja do Convento dos Franciscanos. Decerto que algum dos frades daquele convento havia de identifica-la.
Foi fácil para os frades franciscanos residentes no convento identificar a imagem como sendo de Santa Catarina. Além disso, empolgados com a sua beleza e porque naqueles tempos rareavam nas igrejas imagens de santos, os frades logo decidiram que a imagem havia de ser colocada num dos altares da igreja que pertencia ao seu convento e que acabara de ser construída, havia pouco tempo.
Mas no dia seguinte, quando os frades se aproximaram do altar para, mais atentamente, contemplarem a santa e prestar-lhe veneração, já não a viram ali. Cuidando que os pescadores da Prainha do Galeão, durante a noite, a tivessem vindo buscar, mandaram emissários àquele pequeno povoado. Ficaram, então, a saber que a imagem de Santa Catarina, sem que ninguém lhe tivesse tocado, tinha ido outra vez parar à Ponta dos Coxos, em frente à Prainha do Galeão. Os pescadores voltaram a levar Santa Catarina de volta para as Lajes, para junto dos frades, que de novo a colocaram sobre o altar da sua igreja.
Mas, no dia seguinte, sem que ninguém lhe tocasse, a Santa voltou, novamente, para a Prainha, repetindo-se este vaivém durante vários dias. As pessoas impressionadas com o facto, cuidaram que fosse um milagre e começaram a dizer que Santa Catarina queria ficar perto de S. Caetano, padroeiro da pequenina ermida, construída na Prainha do Galeão. Mas os frades e o povo das Lajes não querendo separar-se da imagem de Santa Catarina, decidiram construir uma pequena ermida, num sítio bem alto, donde se avistasse a Prainha do Galeão e onde a santa pudesse, ao menos, ver aquela pequenina localidade da ilha do Pico onde tinha sido encontrada.
Assim se fez. Num terreno mais alto, sobranceiro ao centro da vila das Lajes, mesmo por cima da lindíssima costa com o nome de Lajedo, os frades e o povo ergueram uma pequena ermida que dedicaram a Santa Catarina. Do adro desta ermida, pode-se desfrutar uma bela paisagem: as Lajes, a montanha do Pico, alguns promontórios e várias freguesias da parte sul da ilha, inclusive a freguesia de S. Caetano ou Prainha do Sul, onde Santa Catarina desejava estar.
Mas o altar ficava no interior, sem qualquer vista para a rua e, reza ainda a lenda, que a santa não estava satisfeita e, por isso, continuou a fugir para a Prainha do Galeão.
Os frades e o povo das Lajes não sabiam mais o que fazer para que Santa Catarina aceitasse a morada que lhe tinham construído. Foi então que um dos frades, o mais velho e experiente, lembrou que se abrissem uma janelinha voltada para os lados da Prainha Galeão, através da qual Santa Catarina visse a sua localidade predilecta, talvez se aquietasse e ali permanecesse descansada.
Puseram logo a ideia em prática e abriram uma pequena janela. Consta que assim Santa Catarina ficou, finalmente, satisfeita, permanecendo no seu altar, olhando através da pequena janela, com saudade, para a Prainha do Galeão, onde viviam os pescadores que a haviam encontrado e em cuja pequenina e tosca capela estava o seu amigo S. Caetano.
Fonte de Inspiração – Texto de Ângela Furtado-Brum, com o mesmo título.
Autoria e outros dados (tags, etc)
SOZINHA
Decidi não me levantar hoje. Estou sozinha e nem sequer me apetece partilhar a minha vida, nem muito menos o meu corpo com quem quer que seja. Enrolar-me nos lençóis e nos cobertores, sentir o cheiro das vidraças fechadas, estirar-me de bruços sobre a almofada e sentir o enlevo dos sonhos perdidos. Permanecer sozinha, neste silêncio dulcificado é entranhar-se no sublime, retocar as agruras que o quotidiano comporta, e abonar-se nas transparências fulgurantes da madrugada.
O silêncio é uma espécie de troféu que se conquista com a solidão, sem, no entanto se permanecer nela. A decisão de viver em silêncio, libertando-se do sufoco da solidão geralmente, é difícil e nada fácil de se conquistar, mas é sublime e transcendente. Pelo contrário viver mergulhada na solidão de um silêncio atrofiado é um fracasso semelhante ao divórcio.
Decidi permanecer na cama, sozinha, hoje, não por não ter alternativas mas por uma opção, sã, racional e desejada. A opção foi muito fácil porque fui eu e só eu a escolher. Dormir e sonhar sete horas seguidas como se estivesse uma noite inteira num hotel de cinco estrelas.
E aqui estou prisioneira dos lençóis e dos meus desejos. São Carlos é uma linda freguesia banhada pelo Atlântico, localizada na mais bela e encantadora ilha do munso, aquela ilha que apenas se descobre nos sonhos. Geograficamente, São Carlos estende-se ao longo do litoral e, por isso, é um destino turístico de excelência, um dos mais procurados à escala mundial. Conta com uma variada oferta de hotéis e restaurantes. É um local admirável, onde predomina à prática de mergulho. Conta ainda com uma marina privada, um jardim botânico, um pequeno jardim zoológico de crocodilos e grutas cheias de água.
Finalmente duas da tarde. Levantei-me! Foram dez longas horas de sono e de sonho, durante as quais permaneci praticamente deitada de bruços e agarrada ao travesseiro. Uma vez levantada, banhada, penteada e arruma instalei-me no meu quarto. Um sossego, uma calma e uma tranquilidade marcantes. Ao lado o murmurar das figueiras e das vides, o sibilar dos pássaros, o ladrar dos cães e cacarejar das galinhas. A montanha imponente e sublime tudo domina, mas também tudo encobre, porque o tempo está dominado por uma chuva enervante e muito pouco simpática.
Autoria e outros dados (tags, etc)
AMIGO
"Amigo é sempre amigo, não importa onde esteja. Se está a teu lado, ou a quilômetros..."
C.R.
Autoria e outros dados (tags, etc)
FAJÃ GRANDE
A freguesia da Fajã Grande ocupava, (e ainda hoje ocupa) juntamente com a Fajãzinha, uma ampla fajã delineada a Oeste pelo mar e a Norte, a Leste e a Sul por uma altíssima rocha que a separava do resto da ilha, isolando-a das restantes freguesias e das duas vilas – Santa Cruz e Lajes. O isolamento era tal que até as deslocações à freguesia mais próxima, a Fajãzinha, sobretudo no Inverno, tornavam-se bastante difíceis e por vezes impossíveis. Era necessário atravessar a Ribeira Grande, muito larga, apenas com uma ponte pedonal e por vezes levada pela correnteza e com um caudal fortíssimo. As margens ligavam-se por uma fila de enormes calhaus, mais ou menos alinhados, alguns ali colocados pela natureza outros pelos homens e relativamente próximos uns dos outros. Chamavam-se “passadeiras”. Quem se aventurasse a atravessar a ribeira, teria que o fazer saltando de calhau em calhau, o que, por vezes e para os menos afoitos, provocava escorregadelas que, para além de assustadoras, encharcavam uma boa parte da roupa. Os animais atravessavam-na a pé ou a nado. A ribeira, no entanto, não dificultava apenas as deslocações à Fajãzinha. Era por ali também que se ia às vilas ou às outras freguesias. Apenas para Ponta Delgada se virava a Norte, subindo a rocha da Ponta, percorrendo um sem número de atalhos e veredas, saltando tapumes, pulando grotões e atravessando relvas para encurtar caminho.
Todas estas deslocações para além de muito difíceis eram também demoradíssimas. As ligações por mar não existiam.
Assim, o isolamento em que vivia a freguesia era total, absoluto e permanente.
No meio deste isolamento a beleza pura, original e sublime. Do cimo do Pico da Vigia podia desfrutar-se de uma vista aprazível, deslumbrante e encantadora sobre a Fajã. Talvez mesmo uma das mais belas vistas de toda a ilha das Flores.
Logo à direita de quem subia, divisava-se, ao longe o Oceano, ora manso e azulado, ora revolto e esbranquiçado de espuma, ornamentado pelo Monchique e pela Baixa Rasa, como que envolvendo e abraçando sem disfarce e sem vergonha, em semicírculo, a extensa fajã, delimitada a Norte pelo alto do Portal e a Sul pela Rocha dos Bredos. Depois, mais perto, a mancha negra, basáltica e rendilhada do baixio, com os seus caneiros e enseadas, onde se destacavam o Redondo, a Retorta, o Caneiro das Furnas, a Baia de Água e o Poceirão com o Calhau da Barra a fiscalizar passagem para o Atlântico. Mais além, espraiava-se a enorme Baía, debruada pelo Rolo, um amontoado inaudito de pedras polidas e arredondadas, estendendo-se ao longo da Ribeira das Casas e das Covas, desde o Pesqueiro de Terra ao Ilhéu do Cão, metamorfoseando-se de novo em baixio, lá ao fundo, junto à rocha da Ponta. Já mais perto, a igreja rodeada pelas casas ordenadas em arruamentos simétricos, umas brancas, outras cinzentas, com os seus telhados avermelhados, aglomerando-se e misturando-se com cerrados, belgas e courelas onde florescia milho, batatas e couves. Mais perto ainda, já como que a prolongar-se pela encosta acima, pequenas pastagens e algumas terras de mato galvanizadas de um verde onde se misturavam incensos, faias, canas, fetos e cana-roca. Finalmente, mas muito distante, a Norte, já para além da ribeira do Cão, a Ponta, onde as casas se postavam em fila, muito bem arruadas na direcção da ermida da Senhora do Carmo, encravada nos contrafortes da rocha. Contrastando com o Oceano e do lado oposto, um semicírculo pétreo e altivo, formado pelas rochas da Ponta, das Covas, das Águas, dos Paus Brancos, dos Lavadouros e do Curralinho, povoadas de ribeiras e de cascatas onde a água se desprendia em fluxos ritmados e refulgentes sob o verde dos socalcos e andurriais e o negro das fragas, ravinas e penhascos.
Do outro lado e a Sul, a segunda parte do semícirculo. Muito ao longe as Rochas da Figueira e dos Bredos a protegerem a Fajãzinha, onde as casas, tão distantes e tão pequeninas, se assemelhavam a minúsculos salpicos esbranquiçados, como que confundidos com a enorme mancha verde das terras de mato, dos campos e das pastagens. Depois a Cuada com a velhinha Casa do Espírito Santo e pouco mais de meia dúzia de casas perdidas entre hortas e pomares, consubstanciando-se, mais adiante, na Eira-da-Quada, com o Oceano extenso, resplendoroso e sempre predisposto a receber o volumoso caudal da Ribeira Grande. Finalmente a rocha da Alagoinha povoado de um número quase infinito de grotas e cascatas, muitas delas dia e noite a escorrer, fazendo transbordar o Poço da Pata, semiencoberto pelo arvoredo do Vale Fundo, do Pocestinho e da Cabaceira.
No cimo daquele pico existia uma pequena casota branca, destinada a vigia de baleia, com uma enorme fresta no mural voltado para o Oceano, que permanecia sempre aberta sobre o mar para que o vigia ali sentado horas a fio, avistasse as baleias e, de imediato, lançando um foguete lá do alto, avisasse os baleeiros, entretidos cá em baixo nas suas courelas, em pequenas fainas agrícolas, de tão gratificante descoberta. Daí a razão do seu epíteto – Pico da Vigia.
Autoria e outros dados (tags, etc)
MANUEL DE ARRIAGA
Manuel de Arriaga Brum da Silveira, primeiro presidente da República Portuguesa terá nascido na Horta em 8 de Julho de 1840 e faleceu em Lisboa, a 5 de Março de 1917. Foi advogado, professor, político e escritor. O local certo do nascimento de Manuel de Arriaga continua por desvendar. O facto de ter sido baptizado na Horta levou os biógrafos a registar o seu nascimento nesta cidade, mas há testemunhos da época que referem ter nascido na ilha do Pico, na localidade do Guindaste, na casa de veraneio da família. Viveu a infância e a juventude no seio de uma família aristocrática e legitimista, mas o seu espírito romântico e liberal foi-se formando com as leituras orientadas por uma educadora americana. Na Universidade de Coimbra, onde se formou em Direito, em 1865, distinguiu-se como estudante de elevada craveira e, desde logo, propagandeou os ideais republicanos. Dificuldades económicas e desavenças políticas com o pai levaram-no a recorrer ao ensino para angariar os meios necessários ao seu sustento. Exerceu com prestígio a actividade de advogado em Lisboa, conjuntamente com a de professor de Inglês, no Liceu, depois de ter sido preterido nos concursos que fez para ingressar no magistério superior. Como pedagogo, fez parte da comissão encarregada da reforma da instrução secundária, em 1876. Reconhecido pelas suas qualidades, chegou a ser convidado por D. Luís para perceptor dos príncipes, mas recusou o convite por razões ideológicas. Empenhado, desde cedo, na vida política, andou ligado, em Coimbra, aos grupos de Antero de Quental e Teófilo Braga e, em Lisboa, continuou a sua militância destacando-se como orador brilhante. Participou na criação dos primeiros centros republicanos; foi um dos signatários do programa das Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, em 1871; foi deputado pelo círculo do Funchal, nas legislaturas de 1882-84 e 1890-92; fez parte do Directório do Partido Republicano em 1891-94 e 1897-99. Em 5.10.1910, Manuel de Arriaga contava 70 anos de idade e não tomou parte activa no movimento que derrubou o regime monárquico. Foi incluído nas listas de deputados para a Constituinte, tendo sido eleito pelo Funchal, e exerceu os cargos de reitor da Universidade de Coimbra e de procurador-geral da República. Nas eleições para a Presidência da República não tomou a iniciativa de apresentar candidatura, mas também não recusou a proposta feita pelos seus apoiantes. Acabou por ser eleito, por escassa maioria, com os votos do Bloco Conservador, em 24.8.1911. Exercendo o mandato num período agitado da vida nacional e internacional, foi obrigado a renunciar ao cargo de presidente em 26 de Maio de 1915, na sequência de um movimento revolucionário. A atitude conciliadora que manifestou ao longo do mandato nem sempre foi bem sucedida, num período de forte luta política pela conquista do poder, em que se sucederam golpes, contragolpes e governos de várias tendências políticas. A situação agravou-se quando nomeou Pimenta de Castro para chefe do governo e este iniciou uma ditadura. A revolta contra Pimenta de Castro, acabou por atingir o presidente da República, que foi obrigado a demitir-se. No relatório/memória sobre a sua passagem pela Presidência procurou justificar as atitudes tomadas, mostrando-se bastante desgostoso com a vida política portuguesa. Revelou-se, também, como escritor e poeta, desde a sua juventude. Nas obras de poesia e prosa estão patentes as marcas da insularidade, a influência positivista, romântica e o seu espírito religioso e idealista. Obras principais: Sobre a Unidade da Família Humana debaixo do Ponto de Vista Económico, Renovações Históricas, Canto ao Pico, Cantos Sagrados, Irradiações, Na Primeira Presidência da Republica Portugueza, Literatos dos Açores, Grande Dicionário da Literatura Portuguesa e de Teoria Literária, A Ordem Pública, História de Portugal, etc.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
Autoria e outros dados (tags, etc)
ANTIGOS PESQUEIROS DA FAJÃ GRANDE
Eram os seguintes os antigos pesqueiros da Fajã Grande, desde o Canto do Areal aos Fenais ou Fanais, muitos deles ainda hoje existentes:
Calhau da Ponta, Coelheira, Pesqueiro da Canela, Poça das Salemas, Sete Toros, Corredouras, Penedos, Redondo, Retorta, Frades, Mouros, Piostra, Poça Larga, Cabeço, Carolo, Baía das Furnas, Frechada, Respingadouro, Os Tufos, Rolinho das Ovelhas, Corvelo, Pesqueiro das Lesmas, Lajinha, Pesqueiro das Pipas, Boca da Barra, Poceirão, Lombinha, Baía da Mocinha, O Verde, Ponta dos Pargos, Ponta do Cais, Pontinhas, Pesquero da Terra, Castelhana, Queirós, Passinho, Carregadouro, Combradas de Manuel Cardosinho e Fanais.
Autoria e outros dados (tags, etc)
O MANUEL MANQUINHO
No início da década de cinquenta chegavam, habitualmente, à Fajã Grande muitos baleeiros vindos do Pico e um ou outro do Faial. Geralmente traziam as famílias, fixavam-se na freguesia, alugavam casas e ali permaneciam durante o verão, apenas regressando às suas terras quando a safra baleeira terminava. Alguns voltavam no ano seguinte e um ou outro fixou-se por ali durante anos e anos.
Entre estes experientes baleeiros picoenses que demandavam a freguesia mais ocidental da Europa, geralmente oficiais e trancadores, chegou um vigia. Chamava-se Manuel Caetano da Silva e vinha da Calheta de Nesquim, de onde era natural. Ali nascera em 1924, sendo mais tarde funcionário das Finanças nas Lajes do Pico, onde viveu durante alguns anos. Fixou-se na Fajã Grande, na companhia da família, alugando a casa na rua Direita, junto à Praça que pertencia o José Tomé, quando este, nessa altura ainda morava no Porto, precisamente na última casa da Via d’Água.
Na Fajã Grande, Manuel Caetano da Silva, coadjuvado durante muitos anos pelo António Machado, dedicou-se à vigia da baleia, de que era um exímio praticante. Tanto na Fajã, como noutros lugares das Flores e até no Corvo, onde também foi vigia de baleia durante alguns anos, assim como no Pico, Manuel Caetano da Silva era conhecido por “Manuel Manquinho”. A razão de ser deste epíteto devia-se a facto de desde de nascença ser dotado de um grande defeito físico, uma vez que não tinha a parte inferior da sua perna esquerda, a partir do joelho, nem o antebraço do mesmo lado.
Esta deficiência obrigava este homem a que, quando na posição de pé, parecesse que estava de joelhos, uma vez que fixando o coto da perna esquerda no chão, sempre protegido por uma bota adequada, era forçado a ter a perna direita flectida. Esta distorção, pouco funcional quando o homem se deslocava em terreno plano, era-lhe, no entanto, muito útil e prática quando ascendia escadas, degraus ou escaleiras. É que, ao subir, projectava a perna pequena sempre à frente, impulsionando-a com a direita, como se fosse uma mola. Assim subia os degraus da canada do Pico da Vigia com uma destreza e agilidade impressionantes.
Outra característica interessante deste homem que era bastante culto, lia muito, falava inglês correctamente e sabia música, era a agilidade que demonstrava a tocar trompete. Como tinha uma só mão, a direita, era com esta que segurava o instrumento, ao mesmo tempo que com uma agilidade notável dos dedos, accionava os pitões, para emitir os sons. Mesmo só com um braço e metade do outro, colocando o membro inferior diminuído em cima de um banco, o Mestre Manuel Manquinho conseguia reger a filarmónica Senhora da Saúde com mestria e excelência.
Manuel Manquinho, um bom homem, simpático, atencioso, educado, amigo de todos, bom conversador, um grande músico e, sobretudo, um excelente vigia de baleia, apesar da grande deficiência física com que nascera mas que ele sublimara de forma excepcional, transcendente e sublime, conferindo à sua vida, uma alegria contagiante e uma felicidade permanente.
Um grande exemplo de vida, de força, de coragem e de capacidade de ultrapassar os problemas e as deficiências, o deste grande pequeno homem!
Autoria e outros dados (tags, etc)
A GROTA DE TAÍCA
Uma das mais pequeninas, insignificantes e desconhecidas grotas, de quantas caíam em catadupa pelos andurriais escabrosos da rocha, despejando as suas águas frescas e cristalinas sobre as relvas e campos circundantes àquele alcantil escarpado e abrupto, tingindo-os de verde, de galantaria e de abundância, era a grota de Taíca.
A origem deste topónimo, segundo a opinião mais comum e mais generalizada, deverá, naturalmente, procurar-se na sua nomenclatura primitiva, o que, provavelmente, muito terá a ver com o nome “Tia Anica”, personagem mítica e lendária que naquele recanto terá vivido ou, pelo menos, com ele terá estado intimamente relacionada, tal qual como uma outra Ti’Anica, a de Loulé. O povo, no entanto, com a sua original e espontânea capacidade de simplificar e abreviar os nomes, depressa transformou a grota de “Tia Anica” em grota de “Tanica”. Daí a grota de “Taíca”, foi um ápice. Uma evolução fonética popular e simples que não desdiz em nada a essência, não belisca a beleza, nem contraria as virtualidades da referida grota.
A grota de Taíca, apesar de pequena, encoberta e pouco conhecida, era de uma beleza rara, duma excelência assinalável e duma singularidade sem par. As suas águas eram límpidas e transparentes, o seu deslizar suave e ameno e o seu percurso sombrio e enigmático, porque envolto nas copas dos arvoredos e nos mistérios dos rochedos que a rodeavam. Ao longo do seu exíguo trajecto, havia lagos pequenos, mas claros e brilhantes, a reflectirem o espectro das encostas sobranceiras, o verde das folhas das árvores e, por vezes, a bifurcarem-se em minúsculos regatos, cujas águas se perdiam por entre veredas e atalhos. Nas suas margens floresciam arvoredos a abarrotar de copas e folhas, verdes, amarelas, lilases, carregados de murmúrios e de perfumes de outonos, que conferiam à sua água uma frescura leve e adocicada, uma transparência simples e acolhedora. Mas também havia rochedos negros, caiados de musgos, frios, húmidos e latejantes, a abarrotar de silêncios e mistérios.
A meio do seu percurso, porém, a grota de Taíca, alterava o seu deslizar, embrenhando-se entre penhascos, altivos e grotescos que confundiam as suas águas, alienavam a suavidade do seu percurso e lhe transmitiam um desassossego desconfortante e uma ingenuidade desabrida. Mas logo a seguir serenava e, voltava ao seu deslizar de sonho e de magia, serpenteando por entre as sombras das árvores e murmúrios do silêncio, até desfazer-se, junto à foz, em estranhas e múltiplas ramificações que irrigavam campos, alimentavam pequenos arroios, regavam florestas, acabando por perder-se, despejando as suas águas numa enorme ribeira de que a grota de Taíca era um dos mais importantes afluentes.
A grota de Taíca, um fascínio de singularidade a emergir da rocha, um pedaço de transcendências a reflectir o céu, um cordão cristalino e prateado a ornar a terra. A grota da Taíca, um raio aureolado, um fio ténue e cristalino, a irradiar um espontâneo deslizar de águas puras, frescas, inconfundíveis e singulares. A grota da Taíca, um fiozinho de água tímido, hesitante e inibido, a perder-se no ritmo apressado e tempestuoso dos rochedos e matagais, que agitados por ventos, tempestades e intempéries borboletavam ao seu redor, agitando as suas águas puras e cristalinas, desfazendo os seus murmúrios e os seus silêncios, numa persistente tentativa de aniquilar o doce azulado das suas águas e o silêncio sombrio das suas margens.
Autoria e outros dados (tags, etc)
A FESTA DO SENHOR DOS PASSOS, NA FAJÃ GRANDE, NAS DÉCADAS DE QUARENTA E CINQUENTA
Durante os domingos da Quaresma a ilha das Flores recordava, em solenes festividades e em litúrgicas celebrações, as principais cenas da Paixão e Morte do Redentor, privilégio concedido desde tempos imemoriais apenas às duas vilas e às três freguesias maiores e, talvez, mais importantes da ilha.
As celebrações começavam na vila Lajes, no primeiro domingo, com “Caminho do Calvário” e terminavam na de Santa Cruz, no domingo da Paixão, com o “Triunfo” realizando-se, então, uma majestosa procissão em que se incorporavam nove andores. No segundo domingo, em Ponta Delgada, celebrava-se a “Flagelação”, no terceiro na Fajã Grande a “Coroação de Espinhos” e no domingo seguinte, na Fajãzinha, celebrava-se o “Encontro”.
Na Fajã, a festa de Passos era uma das maiores festividades religiosas da freguesia.
Nos dias que a antecediam preparava-se a igreja de modo muito peculiar: não havia flores nos altares, eram retiradas as cortinas e sanefas das janelas, sendo as mesmas tapadas de alto abaixo com cortinados pretos, a fim de que, à boa maneira das igrejas românicas medievais, o templo ficasse totalmente escurecido, numa espécie de penumbra, criando-se assim um ambiente propício e adequado a uma mais profunda reflexão sobre os mistérios que se celebravam. No arco do transepto, entre a capela-mor e o cruzeiro, era preso à madeira um arame com argolas donde estava suspenso um enorme cortinado preto, que abria e fechava à maneira de um pano de palco e que tapava a imagem do Senhor dos Passos até à hora do sermão que antecedia a procissão. Os sinos não repicavam, apenas dobravam. A imagem do Senhor dos Passos, todo ano escondida atrás do altar-mor, naquele dia era posta, bem no meio da capela-mor em lugar de realce e colocada em cima de um andor muito tosco e sem flores, representando Jesus Cristo num dos mais dolentes momentos de tortura e sofrimento da Sua Paixão. Sentado numa pedra, quase nu, com uma capa roxa sobre os ombros, as mãos atadas por um cordão amarelado, segurando uma cana a fazer de ceptro e com uma enorme coroa de espinhos cravada na cabeça. Do crânio perfurado pelos espinhos saíam-Lhe gotas e gotas de sangue que corriam pelo rosto e se perdiam nas barbas ou Lhe salpicavam o tronco e os joelhos. Os ombros avermelhados e o tronco despedaçado faziam entender que havia sido fortemente chicoteado nas costas.
De manhã havia missa solene como nas grandes festas. No entanto, como a capela-mor estava tapada, a celebração realizava-se num dos altares laterais, no da Senhora do Rosário. Os cânticos, eram substituídos por antífonas e salmos cantados em latim e impropérios, alguns até cantados em grego, como o Hagios athanathos, eleison hymas (Santo Imortal tem piedade de nós) tudo em canto gregoriano, pelo pároco e mais dois homens. Geralmente vinham padres de fora, o padre António da Fajãzinha e o padre Mota do Lajedo, que nestes dias celebravam missa nas suas igrejas de madrugada, a fim de se poderem deslocar a pé ou a cavalo, para a Fajã. De tarde as cerimónias iniciavam-se com um sermão, findo o qual e no momento em que o pregador proferia as palavras “Ecce Homo”, o pano preto colocado no transepto abria-se e, finalmente, a imagem do Senhor dos Passos surgia à vista de todos os fiéis. Seguia-se a procissão que percorria as ruas principais da freguesia. À frente a cruz, ladeada por lanternas e seguida do enorme guião roxo, encimado pelas quatro letras garrafais e amarelas, SPQR, acrónimo da célebre frase latina da Roma antiga “Senatus Populusque Romanus” e que os cristãos, ao longo dos séculos, haviam adaptado e traduzido por “Salvai o Povo Que Remiste”. A seguir os anjinhos, os meninos da Cruzada Eucarística cobertos com a cruz de Malta, desenhada a vermelho numa faixa branca atravessada sobre o peito. Depois os homens vestidos de opas vermelhas e roxas, transportando as lanternas ou levando o pálio sob o qual caminhava lentamente o pároco, revestido de capa de asperges roxa e véu de ombros da mesma cor, barrete preto de três bicos, segurando bem erguida com ambas as mãos, a cruzinha do Santo Lenho. Finalmente o andor com a imagem do Senhor dos Passos. Uma parte do povo que não se incorporava na procissão, postava-se nas beiras dos caminhos e, compungido, genuflectia ao passar a minúscula relíquia que supostamente havia tocado na verdadeira cruz de Cristo. Atrás dois homens entoavam o “Miserere”em cantochão.
Depois de recolher a imagem era de novo colocada na capela-mor para que todos os fiéis, formando uma fila ordenada, prestassem a sua adoração, osculando um dos pés de Redentor.
Autoria e outros dados (tags, etc)
EMBETUMO
Não havia professor da turma que não tivesse percebido que o Jorge não gostava rigorosamente nada da escola. Revelava-o não só por atitudes mas também e sobretudo com palavras. Nas minhas aulas, apesar de tudo aquelas que aparentemente menos detestava, muitas vezes afirmara que não queria saber daquilo para nada e que quando fizesse dezasseis anos ou quando o deixassem… “Ó pernas!...” “Fugia dali a sete pés!...” A aula de Inglês era uma tragédia, a de Música um castigo e a de Matemática um inferno. Chegou ao extremo de afirmar em plena aula, que Ciências era uma merda, o que, obviamente, lhe valeu uma expulsão. A única disciplina, para além de Português, de que não se queixava, na sua persistente e continua objecção de consciência a todo e qualquer tipo de aprendizagem, era a de Trabalhos Manuais. De resto uma razia completa. Esta pertinaz obstinação à escola, aliada às fraquíssimas capacidades de aprendizagem de que era dotado, trouxe-lhe sucessivas reprovações que ainda mais açularam a sua aversão por aulas, disciplinas e professores.
Certo dia, ao passar num dos pátios da escola, encontrei o Jorge sozinho, acabrunhado e macambúzio, sentado num banco. Para gáudio seu a professora de Matemática tinha faltado e estava ali à espera da cantina abrir. Aproximei-me, pedi-lhe licença para me sentar ao seu lado. Passei-lhe, ao de leve, a mão pelo ombro e atirei de rompante:
- Olha lá, Jorge. Afinal porque é que não gostas de andar aqui, na escola? Porque não gostas nem das aulas, nem dos professores?
Resposta imediata e sucinta mas pouco racional:
- Porque não gosto.
- Mas isso não é razão - insisti. - Tens que te explicar melhor…
- Não quero. Não gosto da escola e pronto.
Era óbvio que por ali não ia a lado nenhum. Mudei de tema:
- E fora da escola? O que fazes quando não estás na escola?
- Vou para casa.
- E o que fazes quando sais da escola e vais a casa?
- Faço muita coisa.
Achei que tinha escolhido o caminho mais certo para manter o diálogo aceso e, por isso, insisti:
- E que coisas são essas que fazes em casa?
Resposta pronta, com um misto de alegria e um olhar de soslaio:
- Vou ajudar o meu tio, ele tem uma oficina de marceneiro.
Tentei então encorajá-lo para que a conversa não terminasse por ali:
- Ah! Bravo! Muito bem! - E prossegui. - E na oficina do teu tio, o que fazes?
- Muita coisa.
- E o que é “muita coisa”?
- Limpo as máquinas e o pó dos móveis, ajudo a carregá-los na carrinha e embetumo.
- O quê?!
- Embetumo as gavetas e as portas.
- O que é isso de embetumar?
- Embetumar é fazer assim uma coisa como por pasta de dentes para tapar os buracos e as rachas da madeira das gavetas e das portas dos móveis.
- Ah! Então embetumar é por betume nos móveis para lhe tapar os buracos e os alisar. Confesso que não conhecia essa palavra.
- Mas é “fixe”.
- É “fixe” o quê?
- Embetumar. É compor uma coisa de madeira que está furada ou rachada. Até há cinzento, castanho e doutras cores.
- E gostas de fazer esse trabalho e ajudar o teu tio?
- Gosto. Claro que gosto. É onde eu vou trabalhar quando me deixarem sair daqui. Quero ser marceneiro. É mais “fixe” do que andar na escola.
- E tu queres ser marceneiro, quando fores grande?
- Quero, claro que quero. – O seu rosto manifestava agora um enorme regozijo. Confesso que vi o Jorge sorrir de alegria pela primeira vez. Depois de uma pausa e de um respirar de alívio, continuou:
- Gostava era de poder estar lá todo o dia, em vez de andar aqui sem fazer nada. Mas o meu tio é que não me deixa. Quer que eu venha para a escola todos os dias… e eu não gosto de vir. Obriga-me a vir todos os dias só para chatear os professores.
- E o teu tio ensina-te a arte de marceneiro? Sim, porque aquilo é como uma arte, é assim como uma disciplina, não é? Para ser um bom marceneiro é preciso aprender.
- Ensina, claro que ensina. No sábado estive lá a trabalhar até à noite. Aquilo é “fixe”. Trabalha-se até estar pronto.
- E depois de pronto, o que se faz ao móvel?
- Carrega-se na carrinha e leva-se ao polidor.
- E gostas de estar na oficina, mesmo aos sábados?
- Eu gosto. Ficava lá todo o dia. Eu quero é aprender a ser marceneiro. Quando fizer dezasseis anos saio da escola de vez e vou para a oficina aprender. Aos dezasseis já vou trabalhar de marceneiro.
- Quando fazes dezasseis?
- No dia vinte de Julho.
- Então para o ano já não vens para a escola?
- Era o que faltava. Claro que não venho. Já fico todo o dia na oficina a aprender de marceneiro.
- E estás contente por isso?
- Claro que estou. Eu gosto é daquilo. Agora até vou fazer uma cadeira pequenina. Vou pedir madeira ao meu tio e vou fazê-la sozinho. Meu tio só me vai dizendo como é. Eu é que vou fazer tudo sozinho. É “fixe”, não é professor?
- É! Claro que é! E quando não trabalhas, o que fazes?
-Trabalho.
- Mas nos tempos livres, naqueles em que não tens que fazer?
- Eu vou para a oficina na mesma. Vou ver o meu tio trabalhar. Ainda no domingo estive lá toda a tarde.
- E não vês Televisão?
- Vejo, de vez em quando.
- E brincar? Já não brincas?
- Eu brincava antes. Agora já não. Quero é aprender a ser um bom marceneiro.
A cantina abriu e o Jorge pisgou-se. Queria ser o primeiro a almoçar.
Mas aquela conversa perseguiu-me durante dias e dias E não é que, algum tempo depois, dei comigo em plena reunião do Conselho Pedagógico, a propor que o Currículo da Escola fosse enriquecido com uma nova disciplina, Marcenaria, e que o professor até era fácil de arranjar: podia muito bem ser o tio do Jorge.
Autoria e outros dados (tags, etc)
LOCAL MAIS BELO DO MUNDO
A National Geographic da Holanda e Bélgica considerou os Açores o local mais belo do Mundo.
A edição belga e holandesa da revista «National Geographic» considerou os Açores como o local mais belo do Mundo numa lista de 20 locais para realizar férias ou viagens de negócios em 2016.
A prestigiada revista salientou a existência de um turismo sustentável que permite aos visitantes manterem um contacto com a natureza em plena harmonia.
“Além de observação de baleias nos Açores pode também nadar com golfinhos selvagens, realizar caminhadas, ciclismo e andar quilómetros de comprimento ao longo dos vinhedos, protegidos por pedras de lava. O sabor salgado da ilha também é capturado muito bem no queijo”, descreve a National Geographic.
O segundo lugar foi conquistado pelo Butão e o terceiro por Bermuda. Este top 20 inclui ainda destinos de referência como a Côte d’Or, em Franca (6.º lugar), Rio Grande do Norte, no Brasil (7.º lugar), Glasgow, na Escócia (11.º lugar), Nova Iorque, nos EUA (15.º lugar) e ilhas Seychelles (18.º lugar).
Mas nem só a National Geographic tem reparado nos Açores. A edição online britânica da Business Insider dedicou, no passado sábado, um artigo ao arquipélago. Da autoria de Sarah Schmalbruch, o artigo refere logo no seu título que pode não conhecer os Açores mas que os deve visitar e aponta os motivos.
As ilhas dos Açores são apontadas como um paraíso para os amantes da natureza, oferecendo uma abundância de maravilhas naturais.
Mathieu Stern passou duas semanas nos Açores com a sua namorada e capturou algumas imagens fantásticas que podem ser vista no vídeo incluído no artigo. O casal visitou três ilhas: São Miguel, Pico e São Jorge.
Stern descreve as ilhas como “mágicas” e diz que vai voltar.
Texto de Miguel Marote Henriques, in Excelência Portugal
Autoria e outros dados (tags, etc)
GUERRA
Gravaste sulcos dolorosos,
Estigmas,
Com fumos de pólvora cinzenta.
Os ruídos, aparentemente adocicados, das madrugadas
Eram o eco dos canhões,
O ribombar dos morteiros,
O ronco dos obuses
Que, nas noites anteriores,
Escuras, solitárias e aterradoras,
Esvoaçavam,
Sem cessar.
Por vezes,
Explodiam minas e rebentavam granadas!
Tiros de metralhadoras estouravam em cachão,
Quase perfuravam os ouvidos!
Corpos decepados
- Velas desfeitas de barcos naufragados.
Corpos ensanguentados
- Cachos de uva, espremidos em prensa.
E…
Um medo, enorme, do dia seguinte.