PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
MINDE - ALCANENA
A frereguesia de Minde, Alcanena, com 3293 habitantes é a sgunda freguesia mais populosa do concelho. Tem de área: 21, 2 Km2
Atividade Económica: Em meados do século passado, a tradição têxtil da localidade evoluiu para a indústria de malhas exteriores, que ocupa hoje a maior parte da força ativa da localidade. Após a fase inicial, caracterizada por uma certa euforia e espírito de incentivo, as indústrias esforçam-se hoje por evoluir tecnicamente e se manterem na vanguarda das novas tecnologias, havendo algumas apetrechadas com os mais modernos equipamentos, pese embora a crise que afeta o sector têxtil.
O ramo de negócios mais expressivo da localidade situa-se na área dos transportes de mercadorias. Para além disso, tem ainda expressão a indústria da transformação e comercialização da pedra.
Festas, Feiras e Romarias: Festa anual do Divino Espírito Santo, no dia litúrgico que lhe é dedicado, organizada pelo grupo dos que fazem os quarenta anos; Festa da Padroeira, em 15 de agosto, organizada pelos que fazem cinquenta anos; Festa de Santo António e S. Sebastião, em janeiro, organizada pelos jovens que fazem os vinte anos.
Património Cultural e Edificado: Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção, Capelas de Santo António e de S. Sebastião, Casa Açores, Coreto, Cine Teatro Rogério Venâncio, Igreja de Covão do Coelho e Capela de Vale Alto.
Coletividades: Sociedade Musical Mindense; Vitória Futebol Clube Mindense; CAORG – Centro de Artes e Ofícios Roque Gameiro; Casa do Povo de Minde; Associação Cultural e Recreativa do Vale Alto; Centro Sócio-Cultural de Covão de Coelho; Rancho Folclórico de Covão de Coelho; Sociedade Portuguesa de Espeleologia – Delegação de Minde; Agrupamento de Escuteiros de Minde; Associação de Pais de Minde; APECCA – Associação de Pais e Encarregados de Educação de Covão do Coelho; Associação Cabaça Seca; CIDLeS – Centro Interdisciplinar de Documentação Linguística e Social.
A Coletividade mais antiga da freguesia de Minde é a Sociedade Musical Mindense, fundada em 1915, mas com raízes no século XIX. Assim, por volta de 1870, tentou-se, em Minde, a formação de uma Sociedade Filarmónica, que teve existência efémera. A sociedade acabou por desfazer-se pouco tempo depois da sua criação, mas ficou para sempre latente nos mindericos o gosto pela música. Em 1915, uma nova banda veio dar continuidade ao ideal que esteve na origem da criação da primeira filarmónica. O nome desta instituição cultural, que ainda hoje constitui uma grande referência para o povo de Minde e para o concelho de Alcanena, é Sociedade Musical Mindense, não tendo havido grande dificuldade na escolha do nome. No percurso da Sociedade Musical Mindense, houve muitos incidentes, sobretudo durante a primeira metade da existência da coletividade, com algumas paragens mais ou menos prolongadas, mais por desistência do que para descanso, como é natural acontecer nas coletividades de índole cultural ou recreativa.
Do curriculum da Sociedade Musical Mindense constam efemérides de grande relevância, não só na vida da coletividade, mas também na história das gentes de Minde, tais como a construção da sua própria sede, a atuação da Banda na TV, a sua deslocação a terras do sul de França a as suas atuações na Expo 98.
Minde compreende a vila e os lugares de Vale Alto e Covão do Coelho. Está situada muito próxima da Serra de Aire, no extremo norte do concelho. A região apresenta escassez de terras férteis para a agricultura, pelo que, desde cedo, terão surgido a pastorícia e o fabrico artesanal de lanifícios.
Uma das maiores riquezas desta freguesia é a sua etnografia, que apresenta grande variedade e complexidade, com forte expressão, e o calão minderico, ainda atual, o que é sinónimo de uma intensa e longa vida comunitária. Crê-se que a freguesia de Minde surgiu a partir de uma ermida de invocação de Nossa Senhora dos Cerejais, onde havia missa, sendo os funerais e os sacramentos feitos em Santa Maria. No entanto, em 1547, Minde tinha já por orago Nossa Senhora da Assunção.
Foi em ligação à atividade de produção e venda de mantas de terra em terra pelos frades ou por quaisquer outros indivíduos ligados à lã, à cardação, à tecelagem, ou à venda destes artefactos que surgiu o “calão minderico” ou “piação de charales”, que consiste em não mais do que “agarrar” em elementos vocabulares do português da região e deslocá-los dos seus significados comuns, no propósito de criar uma língua secreta que permitisse a autodefesa do grupo.
Entre as vilas de Minde e Mira de Aire (concelho de Porto de Mós) situa-se o Polje de Minde/Mira de Aire, mais vulgarmente conhecido pelo nome de Mata de Minde. Nos Invernos medianamente chuvosos, rios subterrâneos rebentam à superfície, constituindo, durante a Primavera, uma lagoa que, em alguns anos, atinge volume significativo, levando ao título sumptuoso de Mar de Minde. Acabadas as chuvas, a água escoa-se pelos algares e o espaço povoa-se de plantas e ervas bravias numa diversidade de cores e cheiros que não tem paralelo em ambientes citadinos.
Mas esta paisagem magnífica tem um outro ponto de observação mais soberbo ainda. Se entrou por este caminho não se esqueça, depois de atravessar a vila, e ao chegar às proximidades da Mata, volte à esquerda e suba a estrada que liga à Serra de Santo António. Encontrará, no alto da serra, uma das vistas mais empolgantes de todo o Ribatejo.
Em 1165, um quarto de século após a independência de Portugal, D. Afonso Henriques concedia isenção de impostos a D. David e mais catorze casais que aqui habitavam, a fim de manterem uma albergaria que desse abrigo aos viandantes. Este privilégio, confirmado ao longo dos séculos por nada menos que vinte e três cartas reais, durou até cerca de 1820, e constitui o elemento mais duradoiro na história local.
Desde o século XVII que pode documentar-se a atividade têxtil, que assumiu volume notável particularmente a partir de meados do século XVIII, para tal tendo influído, entre outros fatores, a presença de um hospício de frades arrábidos, que terminou pela Lei da Extinção das Ordens Religiosas, em 1834, e do qual restam ainda algumas paredes e a divisão da cerca.
A Igreja, de origem muito antiga foi, até meados do século XVII, dedicada a Nossa Senhora do Cerejal, depois passou a ter como orago Nossa Senhora da Assunção. A sua forma atual vem do final do século XVII, encontrando-se muito bem conservada, com uma riqueza de talha que alguém classificou como “ a melhor a sul de Coimbra “ e painéis de azulejos da época, sendo os da Capela-mor pintados de propósito para o local. As capelas de Santo António e S. Sebastião, uma a sul outra a norte da povoação, datam do século XV ou XVI, podendo a de Santo António ter origem na tradição sacra do lugar, por aqui ter existido, até ao século XVII, o túmulo de D. David, que o Rei Fundador citou no decreto sobre a albergaria.
As ruas sinuosas e apertadas, o aproveitamento das rochas para sobre elas levantar paredes, a pequenez das casas e o traçado consoante os relevos do terreno são os sinais da antiguidade ainda hoje bem visíveis.
Uma das expressões mais curiosas da cultura tradicional do povo de Minde encontra-se no Calão Minderico, que foi linguagem cifrada de feirantes, provavelmente desde o século XVIII até quase meados do século XX.
In CMA
venda na localidade um dicionário desta preciosidade linguística.
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MOITAS VENDA - ALCANENA
Moiitas Venda é a freguesia mais pequena do concelho de Alanwba com apenas 866 habitantes que vivem numa área de 7,1 Km2
As aividade económica desta freguesia, paa além da sua componente agrícola (oliveira e figueira), centra-se em algumas indústrias de curtumes, têxteis e oleados e pequeno comércio.
Entre festas, feiras e romarias destaca-se a Feira Anual em Moitas Venda, com mais de meio século. a festa de Nossa Senhora da Conceição (2.º domingo de agosto); Quinta-Feira de Ascensão, a Romaria de Santa Marta e ainda a feira anual (2.º domingo de janeiro)
Do Património Cultural e Edificado ressalta a Igreja Matriz de Nossa Senhora de Fátima, Capela de Santa Marta, Capela de Nossa Senhora da Conceição, Capela de Nossa Senhora da Guia (Casais Robustos) e o Monte de Santa Marta com um belíssimo miradouro natural. Na gastronomia de Moitas Venda tem lugar de destaque a Morcela, o Bacalhau e as Filhós.Também o artesanato é marcado pela indústria de peles: atualmente, são produzidos artesanalmente artigos vários em pele e marroquinaria.
No capítulo do associativismo, Moitas Venda conta com a União Recreativa e Desportiva de Moitas Venda, o Rancho Folclórico e Etnográfico de Santa Marta e o Centro Sócio-Cultural de Casais Robustos e a Associação Cultural e Recreativa de Moitas Venda - MAC.
A Freguesia de Moitas Venda, criada a 11 de Abril de 1925, está situada entre as Serras de Aire e Candeeiros, onde se encontra o Cabeço de Santa Marta. A freguesia engloba o lugar de Casais Robustos.
O Cabeço de Santa Marta, a norte do Concelho de Alcanena é dos mais belos miradouros do Ribatejo. Do alto de Santa Marta, Moitas Venda oferece um magnífico panorama. Estendem-se os olhos na paisagem e adivinha-se o Tejo num horizonte de encanto. Moitas Venda é, pois, uma terra privilegiada.
A última década do século XX parece ter sido positiva para a freguesia de Moitas Venda no que diz respeito à evolução demográfica, já que, segundo as estimativas dos autarcas, o número de moradores terá aumentado para cerca de 1500. Dado importante para completar esta análise é o que refere o surto migratório de parte da sua população, dirigido para terras da Europa e Canadá. Recentemente, este surto terá abrandado ou quase desaparecido, coincidindo, portanto, com o aumento demográfico da década de 90. Por último, acrescente-se que se verifica já o regresso de alguns desses emigrantes, sendo portadores de novas energias e poder económico, pelo que se dispõem a investir nas tradicionais indústrias de curtumes e construção civil.
Inserida num concelho produtor da maior parte dos curtumes de todo o País, Moitas Venda não poderia fugir ao seu destino, sendo a indústria de curtumes a atividade dominante e a que ocupa a maior parte da mão-de-obra da freguesia. Mas esta indústria não está sozinha. A ela se juntam outras unidades de outros sectores, como o fabrico de oleados encerados, os têxteis e a produção de mármores. Apesar deste dinamismo industrial, a freguesia não tem visto tantos investimentos, à parte aqueles que têm vindo das mãos de emigrantes regressados, apontando os autarcas como causa para este marasmo do investimento a falta de infraestruturas atrativas para a instalação de novas unidades industriais.
in CMA
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UNIÃO DAS FREGUESIAS DE MALHOU, LOURICEIRA E ESPINHEIRO - ALCANENA
A União das Freguesias de Malhou, Louriceira e Espinheiro é uma freguesia do concelho de Alcanena com uma população de 1909Habitantes que vivem numa área: 35,5 Km2
As principais atividades económicas são a agricultura, principalmente o azeite, indústria de curtumes, cerâmica, transformação de madeiras, moagem, metalomecânica, alguma indústria ligeira, serviços, comércio, pecuária, serrações de madeira, pinho e eucalipto.
Festas, Feiras e Romarias: Divino Espírito Santo (Malhou,15 de gosto) e Nossa Senhora das Candeias (Chã de Cima, 3 de fevereiro), Nossa Senhora da Conceição (Louriceira, 2.º domingo de agosto), S. Vicente (Louriceira, 22 de janeiro), Festas de Natal e de Nossa Senhora da Encarnação (Espinheiro, 24 de dezembro) e Romaria de S. Brás ao Prado (Espinheiro, fevereiro).
No que ao Património Cultural e Edificado diz respeito h+a a destacar: em Malhou a Igreja Matriz, do século XVII; o Cruzeiro, datado de 1714; a capela da Nossa Senhora das Candeias, no lugar da Chã de Cima, o seu Miradouro e os Moinhos de Vento, estando dois em bom estado de conservação, de grande importância para a etnografia e arqueologia industrial, assim como diversos fontanários por toda a freguesia; em Louriceira a Igreja Matriz, que se pensa ter sido edificada no século XII (1151), sendo assim umas das mais antigas da região; solar de Alviela; Arcada do Vale; Olhos de Água e Moinhos de Azenha; em Espinheiro: igreja Matriz, Museu Rural e Etnográfico de Espinheiro, Fonte dos Namorados e Monumento de Homenagem aos Fundadores da Freguesia.
Artesanato: Sacos de serapilheira, cestos em vime, ráfia, feno e bunho, artigos em madeira, tapetes tipo Arraiolos, bordados e pinturas em tela, latoaria.
Gastronomia: Cachola, Migas, Chouriço caseiro, Pão caseiro, Arroz doce, Bolos de noiva.
Coletividades: Centro Cultural, Desportivo e Recreativo da Chã de Cima, Centro Cultural e Recreativo Malhouense, Associação de Caça e Pesca da Freguesia de Malhou, Casa do Povo de Malhou, Paladinos do Futuro – Associação de Pais, Clube de Karaté e Desportos de Malhou, : Centro Recreativo e Desportivo Louriceirense, Associação de Caçadores da Louriceira, AIJIL – Associação de Apoio Integrado a Jovens e Idosos de Louriceira, Casa do Povo de Espinheiro, Associação Musical e Tradições do Espinheiro e Atlético Clube Espinheirense.
Histórico:
A União de Freguesias de Malhou, Louriceira e Espinheiro compõe-se das localidades de Malhou, Chã de Cima (localizadas o extremo sul do concelho), Louriceira e Carvalheiro (desde os limites de Malhou até ao maciço de Porto de Mós) e Espinheiro (extremo sudoeste do concelho).
Esta União de Freguesias foi constituída em outubro de 2013, em cumprimento da Lei nº 11-A/2013, que estabelece a reorganização do território das freguesias, sendo formada pelas ex freguesias de Malhou, Louriceira e Espinheiro.
A ex freguesia de Malhou pertenceu ao antigo Concelho de Pernes, que foi extinto no ano de 1885, tendo passado, então, para o de Santarém e, posteriormente, para o de Alcanena, em 1914, quando este foi criado.
Malhou é palco de manifestações religiosas, de entre as quais se destacam as festividades em honra de Nossa Senhora das Candeias, no lugar da Chã de Cima, no mês de fevereiro e a Festa do Divino Espírito Santo, em Malhou, no mês de agosto, que desempenham um importante papel na animação da freguesia e das suas gentes.
A ex freguesia de Louriceira é uma estreita, mas comprida, faixa do território, situada ao longo do Rio Alviela, desde os limites de Malhou e Vaqueiros até ao maciço de Porto de Mós, onde se localiza o lugar de Carvalheiro, com os seus cem habitantes.
No território desta ex freguesia, localizam-se os famosos Olhos de Água, onde nasce o Rio Alviela. Nesta nascente, durante mais de cem anos, foi captada água para o abastecimento de grande parte da cidade de Lisboa, sendo a água transportada através de uma conduta que começou a ser construída a 28 de dezembro de 1871 e foi concluída quase nove anos depois, a 3 de outubro de 1880. Durante a década em que decorreram os trabalhos de construção desta conduta, a Louriceira conheceu um grande desenvolvimento comercial, devido à presença de grande quantidade de trabalhadores, necessários à realização de tão grandiosa obra.
Os vários aquedutos existentes nesta localidade, verdadeiras obras de arte e que constituem um interessante património arquitetónico e de arqueologia industrial, de que se salienta a Arcada do Vale, são os ex-líbris da Louriceira, aldeia muito antiga, cujas origens remontam à Idade do Bronze ou talvez a período anterior.
Os seus primeiros habitantes terão sobrevivido da pastorícia, da pesca e da extração de areias do Rio Alviela para abastecer uma fundição de bronze localizada no Cabeço das Figueirinhas (Quinta da Galambra), onde o investigador Vítor Gonçalves fez, há cerca de trinta anos, uma prospeção arqueológica de resultados ainda desconhecidos. A origem do topónimo é o termo latino Latium – Lauritu, que significa terra dos loureiros. A sua Igreja Matriz terá sido edificada no século XII (1151), o que prova ser terra antiga. Do seu passado, infelizmente, pouco se sabe, atribuindo-se frequentemente à fuga dos jesuítas, que terão levado consigo o espólio da povoação, o que justifica essa falta de documentação. Este saque terá sido completado em 1811, aquando da presença das tropas francesas na localidade.
Esta ausência de documentos históricos é suprida, em parte, pelas lendas que se contam na Louriceira sobre os factos do seu passado. Assim, conta-se que Luís Camões aqui terá nascido, na Quinta de Alviela, ou de que aqui houve uma feira anual que se realizava no dia 8 de dezembro, dia da padroeira da Louriceira, Nossa Senhora da Conceição, que, curiosamente, se realiza, atualmente, em Pernes... Ao concelho de Pernes pertenceu a Louriceira até à sua extinção, por decreto de 24 de outubro de 1855, passando, então, para o de Santarém até à criação, em 8 de maio de 1914, do concelho de Alcanena.
No extremo sudoeste do Concelho de Alcanena situa-se a localidade de Espinheiro, ex freguesia criada a 23 de março de 1928. Se as suas primeiras notícias históricas datam do séc. XVIII, pela pena de Simão de Lemos, as suas lendas recuam até à fundação da Nacionalidade, pois, por estas florestas, teria D. Afonso Henriques recolhido a madeira que utilizou para as escadas de assalto ao Castelo de Santarém e, no sítio do Carrapato, teriam acampado as suas tropas.
É precisamente nas tradições de Espinheiro, mantidas e cultivadas pela sua população, que encontramos algumas das maiores riquezas culturais da aldeia. A existência, em tempos, de um rancho folclórico, agente de recolha e preservação das seculares tradições da etnografia local; um grupo de Jogo do Pau, centro das atenções na Romaria anual em louvor de S. Brás do Prado e preservador de um dos mais característicos jogos populares portugueses, com especificidades únicas e típicas no Espinheiro, são elementos fundamentais de identidade cultural e fator de orgulho e coesão da população.
O calendário anual dos festejos desta freguesia é enriquecido com várias manifestações populares, herdeiras também das antiquíssimas ocasiões de convivência social, de espírito pagão e religioso. Temos, nestes casos, o jogo de “Malhão do Gaio”, as Maias ou a lenda de Nossa Senhora da Encarnação e o vinho oferecido ao povo da freguesia durante as festas populares de Nossa Senhora da Encarnação, em dezembro. É neste contexto de dinamização popular e de extraordinária riqueza cultural, que o Espinheiro herdou da roda do tempo, que nos apercebemos da personalidade e da identidade da aldeia, na sua relação com o meio e no orgulho das suas gentes nas suas valiosas tradições.
in Site da CMA
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MONSANTO - ALCANENA
Outra das atuais freguesias que constituem o concelho de Alcanena é a freguesia de Monsanto, com uma população de 886 habitantes, numa área de 17,3 Km2, um pouco mais do que a ilha do Corvo.
O azeite e o figo são produções agrícolas com algum peso económico. No entanto, a indústria de curtumes está muito implantada na freguesia que, em 1970, contava com uma dezena de unidades. Conta também com uma indústria de vassouras e de velas, pequeno comércio e agricultura.
Na freguesia, que tem como orago o Divino Espírito Santo, realizam-se nesta as festas em honra de S. Sebastião. No coração do Covão do Feto, a tradicional festa da Espiga, junto à antiga Fonte do Pião. A festa do Divino Espírito Santo e Mártir S. Sebastião sempre no último fim-de-semana de julho. Existe também um Mercado Semanal que se realiza aos sábados.
Património Cultural e Edificado: Igreja Paroquial do Espírito Santo, Capela de Nossa Senhora dos Remédios, em Covão do Feto, Torre do Relógio, Edifício da Casa do Povo, Fonte do Pião, Fonte d’Além e Largo Arbirú.
Gastronomia: Broa caseira, Magusto, Cachola de Porco, Chouriço Caseiro, Coscorões, Arroz doce e Bolos de Noiva.
Artesanato: Vassouras e piaçabas em palmas e velas.
Coletividades: Grupo Desportivo e Recreativo de Monsanto, Centro Cultural e Recreativo do Covão do Feto, Clube Amador de Caça e Pesca de Monsanto, Casa do Povo de Monsanto e Espeleo Clube Lisboa, Estremadura e Ribatejo, Centro de Acolhimento “A Casinha”, Associação “A Torre”.
Conta-se em Monsanto uma curiosa lenda que explica a origem do nome desta freguesia. Reza assim: numa antiga apela situada no cimo de um cabeço onde existia uma corda comprida, presa ao sino, que era usada para dar o alarme aos habitantes em caso de perigo. Certo dia, um burro que por ali pastava puxou a corda, fazendo tocar o sino, acorrendo de imediato a população para saber o que tinha acontecido. Quando chegaram ao local, viram que tinha sido o burro quem puxara a corda, e viram ladrões a correr, logo começaram a chamar ao animal «burro santo» e ao local «monte santo». Daí a Monsanto foi um passo».
A freguesia já pertenceu ao antigo Concelho de Torres Novas tendo passado para o de Alcanena em 1914. Contudo, esta é uma terra medieval, uma vez que a sua confraria foi instituída em 1353. Toda a região pertenceu à Casa Ducal de Aveiro, que, em consequência da sentença de 1759, aquando da tentativa de assassinato de D. José, viu todos os seus bens confiscados.
Cândido Cardoso Calado, filho da freguesia, veio a ser Conde, “O Conde de Monsanto”, que muito contribuiu para a sua terra natal. Em 1872 recebeu a Ordem de Cristo, a Ordem de Isabel, a Católica, do rei de Espanha, e D. Luís I concedeu-lhe o título de Conde de Monsanto.
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BUGALHOS - ALCANENA
A freguesia de Bugalhos, pertencente ao Concelho de Alanena tem mais de mil habitantes w una área de 16,6 Km2, precisamente igual à ilha do Corvo.
Bugalos é uma freguesia tipicamente rural, onde a pecuária, o vinho e o azeite têm uma considerável importância no conjunto da sua economia. De referir também a pequena indústria e o pequeno comércio.
Festas, Feiras e Romarias: S. Amaro (Filhós - 15 de janeiro), e Nossa Senhora da Graça (último domingo de agosto).
Os Festejos realizados em Filhós, em honra de Santo Amaro, padroeiro da aldeia, realizavam-se ao ar livre, com as condições possíveis, e sujeitos à adversidade do tempo. Atravessaram-se períodos críticos de alguma turbulência. Todavia, a persistência de um grupo de jovens, pela continuidade dos festejos de Santo Amaro, torneios de futebol e bailes de divertimento, permitiu angariar fundos e fazer nascer o Salão Café – espaço de Convívio e Lazer. Louvável terá sido o empenho, esforço e dedicação de buscar sempre, juntamente com o auxílio da Câmara Municipal de Alcanena e Junta de Freguesia de Bugalhos, melhores condições para a prática Desportiva, que culminou com a construção do Pavilhão Desportivo.
Património Cultural e Edificado: Igreja Matriz, de Invocação a Nossa Senhora da Graça, Capela de Santo Amaro (Filhós) e algumas Azenhas no Rio Alviela.
Gastronomia: Migas de bacalhau, cachola, feijão com couve, broas de mel e filhós.
Artesanato: Objetos de ráfia, junco, bunho e couro.
Coletividades: Grupo Desportivo e Recreativo da Graça (Bugalhos), Centro Recreativo Cultural e Social de Filhós, Centro Social e Cultural de Pousados, Grupo Desportivo e Recreativo “Os Rápidos” (Casais Romeiros) e EFCA – Escola de Futebol do Concelho de Alcanena. CC5B – 3ª Idade, Núcleo da ARPICA em Bugalhos.
A fundação de Bugalhos data de 1219, o que faz desta freguesia uma das mais antigas da região. Está situada a sudoeste do Concelho e compreende ainda os lugares de Filhós, Pousados e Casais Romeiros. Em 1521 contava já com 78 vizinhos, cerca de 350 habitantes, sendo, nessa data, mais populosa do que Alcanena. A freguesia foi criada em 1712, anteriormente a esse data era vigararia anexa ao priorado de Santa Maria de Torres Novas, concelho a que ficou a pertencer mesmo após a sua separação, até à criação do concelho de Alcanena.
No lugar de Filhós, aproveitando o curso do Alviela, encontram-se algumas azenhas destinadas à moagem e uma fábrica de curtumes, que se encontram em estado de ruína, excetuando uma delas.
Estas azenhas possuem as obras de hidráulica necessárias para desviar o curso do rio (açudes, canais de derivação). A primeira das azenhas data de 1904, tem três bocas, a segunda tem duas bocas e ambas usavam uma roda grande como se comprova pelas marcas deixadas nas paredes.
Atualmente, é ainda possível apreciar as suas condições de produção, funcionamento e habitação e extrair importantes dados sobre a sua atividade, de grande significado para o conhecimento das atividades económicas da freguesia e da região, mas toda esta informação corre o risco de desaparecer a breve trecho, irremediavelmente perdidas estão já todas as suas componentes metálicas, devoradas pela poluição do Rio Alviela.
Ali perto, existe uma ponte militar que dá um ar pitoresco ao lugar. No Sórinho existem mais duas azenhas e uma antiga fábrica de curtumes com 16 açudes e correspondentes 4 condutas de despejo para o rio. Um pouco à frente, encontra-se o Mouseiro que é, hoje em dia, a única moagem em funcionamento, mas que se viu na necessidade de utilizar a energia elétrica, pois a poluição do rio destruiu-lhe a roda. A paisagem da freguesia é ainda enriquecida por vários aquedutos.
in site da CMA
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UNIÃO DAS FREGUESIAS DE ALCANENA E VILA MOREIRA - ALCANENA
A União das Freguesias de Alcanena e Vila Moreira resultou da junão de duas antigas freguesias com estes nomes; Alcanena e Vila Moreira, A freguesia, atualmente tem uma população: 5105 Habitantes.ocupando uma área muito próxima da da ilha do Corco: 15,4 Km2.
Atividade Económica: Indústria de curtumes, metalurgia, pequena agricultura e comércio.
Festas, Feiras e Romarias: Festas do 5 de Outubro (Alcanena), Nossa Senhora da Penha de França (Gouxaria – 3º fim de semana de julho), Festejos Cívicos do S. João (Vila Moreira, 24 de junho); S. João Baptista (Raposeira, 24 junho). Há mercado (quartas-feiras e sábado) – Alcanena
Quanto ao Património Cultural e Edificado: destaca-se, em Alcanena a Igreja de S. Pedro, Edifício dos Paços do Concelho, Casa Municipal da Cultura, Miradouros do Alto do Lavradio e Joaquim Ramos Vieira, Cine Teatro S. Pedro, Monumento ao Trabalhador, Jardim das Lagoas, Complexo Paroquial Jubileu 2000, Auditório Municipal, Biblioteca Municipal Dr. Carlos Nunes Ferreira, Vivenda Maria Nazareth, Fabrica de Curtumes Mota, Vivenda “Bella Portuguesa”, Capela de S. Lourenço, Capela de Nossa Senhora da Penha de França (Gouxaria) e Gruta da Marmota (Raposeira).
Vila Moreira
Igreja Matriz, Edifício Alves Ferreira, Jardim 25 de Julho, Fonte Moreira, Lapa da Galinha, Parque de Merendas “Olho da Maria Paula” e Depósito de Água.
Gastronomia: Migas, Cachola, Feijão com Couve, Morcela de Arroz, Iscas à Tia Violeta, Feijão com castanhas e Bolos Podres.
Artesanato: Louça pintada à mão e objetos em couro, pinturas variadas em vidro
A freguesia possui as seguintes coletividades: ARPICA – Associação de Reformados, Pensionistas e Idosos do Concelho de Alcanena; Agrupamento 867 do Corpo Nacional de Escutas; Atlético Clube Alcanenense; Casa do Povo de Alcanena; JAC – Juventude, Amizade e Convívio; Sociedade Columbófila de Alcanena; Centro Desportivo e Cultural “Os Marítimos de Alviela” (Raposeira); Clube Bio-Ecológico Amigos da Vila Selvagem; Associação Desenvolvimento Sócio-Educativo e Cultural ABC de Alcanena; Pedrinha Motor Clube; Núcleo de Cicloturismo de Alcanena; Associação Portuguesa dos Industriais de Curtumes (APIC); Rancho Folclórico de Gouxaria; Centro Sócio-Cultural de Gouxaria; Jubilare – Associação Cultural e Social de Alcanena; e Associação dos Dadores de Sangue do Concelho de Alcanena; Motoclube de Alcanena; Clube de Karaté Amicale de Alcanena; Elos Clube de Alcanena; APAL – Associação de Pais de Alcanena; Associação Cultural Vilamor, Centro Recreativo e Desportivo Moreirense, Associação de BTT “Galegos” de Vila Moreira e ASSIM – Associação de Solidariedade Social Interventiva Moreirense.
A União de Freguesias de Alcanena e Vila Moreira compreende a vila e a sede do Concelho, a localidade de Vila Moreira e os lugares de Gouxaria e Raposeira. Esta União de Freguesias foi constituída em outubro de 2013, em cumprimento da Lei nº 11-A/2013, que estabelece a reorganização administrativa do território das freguesias, sendo formada pelas Ex freguesias de Alcanena e Vila Moreira.
Na área onde se situa a Vila de Alcanena estiveram, durante cerca de 400 anos, os Árabes, que terão sido os seus fundadores e também os responsáveis pelo topónimo – Alcanena – que significa cabeça seca, própria para conter líquidos (Alcanina) segundo uns, ou lugares sombreados (al-Kinan) para outros autores.
A vila é, sem dúvida, um polo centralizador nos domínios económico, administrativo e sociocultural, ainda que a autarquia tenha empreendido ações de descentralização cultural, apoiando coletividades e fomentando o associativismo.
A vila de Alcanena é servida por modernas e funcionais infraestruturas de saúde, cultura, desporto e lazer.
D. Sancho atesta a presença portuguesa promovendo e desenvolvendo o povoamento de Alcanena. Em 1353, é fundada a Confraria de Alcanena.
A passagem dos exércitos napoleónicos deixou fortes marcas em Alcanena, bem como noutras freguesias próximas. Reflexos ficaram também das lutas liberais nesta vila, de onde saíram voluntários que combateram em dois movimentos de revolta contra o totalitário governo de Costa Cabral. A “Maria da Fonte”, que desde o norte vinha levantando o País, contou também com o apoio das gentes de Alcanena que se pôs à disposição da Junta Governativa, em Santarém.
Como não podia deixar de ser, dados os pergaminhos de terra defensora da liberdade e como atesta o seu slogan “Para o País a República, Para Alcanena o Concelho”, Alcanena festejou a Implantação da República, a 5 de Outubro de 1910, festejos cívicos que ainda hoje se realizam.
Em tempos, Alcanena foi servida pelo caminho-de-ferro que localmente era conhecido por “Comboio Menino” ou “Rata Cega”, que ligava a vila a Torres Novas.
Implantada no coração do Concelho, a localidade de Vila Moreira foi, até 2013, aquando da sua agregação à freguesia de Alcanena, a freguesia de mais pequena área do concelho, tendo sido criada em 26 de junho de 1920, a partir da então denominada povoação de Casais Galegos, pela Lei n.º 994, publicada no Diário do Governo n.º 135, que eleva a dita povoação à categoria administrativa de Freguesia, sob a denominação de Vila Moreira.
Cerca do ano de 1700, foi construída a primeira casa de Maria Moleira, que casou com um galego, Andrez Rapozo, curtidor de peles, encontrando nestas paragens boas condições para o desenvolvimento da sua atividade, nomeadamente a abundância de água. Por volta de 1780, outros patrícios terão vindo para este local e, como eram galegos, deram, provavelmente, o nome de Casais Galegos à povoação.
Os antepassados dos habitantes de Vila Moreira optaram por esta nomenclatura talvez por associação à fonte do mesmo nome – Fonte Moreira – hoje património e ex-líbris da localidade, que é, em área, a mais pequena freguesia do concelho de Alcanena.
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CASAIS ROBUSTOS - ALCANENA
O lugar de Casais Robustos é uma aldeia do distrito de Santarém localizada numa encosta da Serra de Aire, pertencente à freguesia de Moitas Venda,uma das fureguesias do Concelho de Alcanena. Tem uma população de 280 habitantes (Censos 2001) e é parte integrante do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros.
Sobre a história de Casais Robustos pouco há escrito, mas de geração em geração, as conversas entre as pessoas mais idosas, datam a origem desta terra de há cerca de quatrocentos anos.
Havia por essa altura, em Minde, um homem muito alto e forte, que constantemente armava confusão com a vizinhança. Cansados desta situação, juntaram-se e expulsaram-no de lá.
O homem não foi para muito longe, fixando-se a cerca de 1 km, num local na altura deserto. Construiu uma casa de pedra, juntou-se com uma mulher natural de Vale da Serra e constituiu família. Esta foi crescendo e construindo casas do mesmo estilo, mas muito separadas umas das outras, vivendo em cada uma um casal, o que levou os habitantes das outras localidades a chamar àquele lugar os “Casais”.
Como os habitantes dos “Casais” eram gentes fortes, destemidas e valentes, descendentes de um homem muito robusto, aquele lugar passou a ser conhecido como “Casais dos Robustos”, e, mais tarde, “Casais Robustos”, nome que ainda hoje tem e ao qual faz jus!
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SANTO ANTÓNIO DA SERRA - ALCANENA
A freguesia sw Santo Anónio da Serra, concelho de Alcanena tem P725 Habitantes e uma área de 14 km2, um poucmenos do que a ikha do Corvo
Atividade Económica: Indústria de lacticínios e de malhas, pequeno comércio, agricultura e pecuária. Atualmente, a economia da freguesia baseia-se na criação de gado bovino, na olivicultura, na produção de figos e forragens e na indústria têxtil (confeção de malhas).
Das atividades artesanais tradicionais na freguesia, destaca-se o fabrico de queijo, de mantas de retalhos e tapetes, que merecem cada vez mais interesse por parte da população.
Festas, Feiras e Romarias: Feira mensal no dia 15; Festa de Santo António no dia 12 de junho; S. Sebastião, no domingo Gordo; e Nossa Senhora da Conceição, no dia 15 de agosto.
Património Cultural e Edificado: Igreja Matriz e Escola dos Frades ou Seminário. Paisagem da Serra, casinas, marouços, campos de lapiaz, abrigos de pastores, moinhos de vento, parque de merendas e miradouro. A antiga capela que existia na Serra de Santo António foi demolida, tendo sido erguida, em 1907, a atual Igreja.
Gastronomia: Cachola, Tripas de borrego, Bacalhau à Lagareiro e queijos da serra.
Artesanato: Mantas de retalho, tapetes de trapo e queijo artesanal.
Coletividades: Grupo Recreativo “Os Unidos da Serra”, “Os Cov’altas” – Associação Cultural e Ambiental e Grupo Motard “Pedras Rolantes”.
A freguesia da Serra António destaca-se, claramente, pelas particularidades da sua paisagem. Situada num planalto que o homem compartimentou com muros de pedra solta, consequência da atividade de despedrega, indispensável à tentativa de conseguir solos aráveis, e que lhe dão, atualmente, um especto tão característico.
A grande riqueza geomorfológica da Serra de Santo António incluiu as “pias”, como são designados localmente os reservatórios de águas pluviais, resultantes da progressiva dissolução do calcário, de que o “barreiro” é um excelente exemplo, dada a sua dimensão, muito superior às que geralmente se encontram no Maciço Calcário Estremenho. Por oposição a esta riqueza geológica, está a extrema escassez de vegetação da Serra, apenas com algumas oliveiras e espécies rasteiras.
As origens do povoamento nesta área são antiquíssimas, como atestam os achados da estação paleolítica do Casal do Estácio. Situado à entrada da povoação de Santo António, nos contrafortes da Serra, junto ás ruínas de uma casa que a população local atribui aos “mouros”, aqui foram encontrados, na década de 40, peças em sílex que os estudiosos que se dedicaram ao seu estudo designam, com algum cuidado, devido ao estado de conservação e ao reduzido número dos materiais encontrados, do taiacense e mustieróide. A esta origem tão antiga da presença do homem na Serra não é estranha a existência de numerosas grutas e abrigos naturais.
Quanto à documentação escrita, a mais antiga referência conhecida sobre esta freguesia da Serra de Santo António, é o documento que refere que em 1560 habitavam a Pia Carneira Lopo João e a sua mulher Águeda Maria, que aí mandaram construir uma capela em honra do Divino Mártir S. Sebastião, para agradecerem o refúgio ali encontrado quando andavam fugidos à justiça régia. A designação de Serra de Santo António não surge senão muito recentemente.
Anteriormente, o local era designado por Penedos Altos; a Corografia Portuguesa do Pe. António Carvalho da Costa designa-o como Santo António dos Casaes da Serra. A atual designação surge, pela primeira vez, na resposta do pároco de Minde aos Inquéritos de 1758, que refere o lugar, a sua ermida e uma população de cerca de 295 pessoas e 73 fogos.
No ano de 1903, a Serra de Santo António contava já com 600 habitantes e 150 fogos. A freguesia foi criada a 26 de Abril de 1918, por desanexação da freguesia de Minde. Quatro anos mais tarde, a 19 de Agosto de 1922, foi criada a paróquia de Serra de Santo António.
in Site da C.M de Alcanena
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A FEITICEIRA DO CORVO
Era uma vez um homem que regressava, sozinho, do mato, depois de um longo e cansativo dia de trabalho, já quase noite escura. Vinha cansado e carregando, às costas, um pesado molho de lenha. Vinha de longe, do Queiroal e atravessara veredas ingremes e sinuosas, saltando grotões e atravessando valados, até chegar ao Cimo da Rocha. Pensou descansar ali um pouco, mas cuidando que já era muito tarde, resolveu não parar, iniciando a descida. Degrau após degrau, volta atrás de volta, lá foi descendo com muita dificuldade. É que para além do cansaço e do peso que carregava, o caminho era muito íngreme e sinuoso. O escuro da noite ainda lhe dificultava mais a descida. Ao chegar à Furna do Peito, o cansaço já era tal que cuidava não poder continuar a descida e chegar a casa, por isso sentou-se à entrada da furna para descansar. Para entreter o tempo começou a falquejar um pau com a navalha. Era a única forma de se distrair e passar o tempo.
Estava ele entretido no falquejo, quando vinda não se sabe de onde apareceu uma galinha que, saltando por cima dele, entrou na furna e começou a andar de um lado para o outro e a ciscar na terra, esgravatando tudo ao redor do homem, que começou a ficar incomodado com a poeira que se levantado e muito admirado por ver uma galinha naqueles descampados. Passava por ali quase todos os dias, entrava frequentemente na furna e nunca vira uma galinha naquele local. Ela, porém, continuava a esgravatar o chão e a cacarejar sem parar e com insistência. Apesar de o homem a enxotar, ela não saía do pé dele. Já farto, de a ver e de a ouvir, tentou afasta-la, espetando-lhe a navalha.
De repente e para espanto do homem, ao ser picada, a galinha transformou-se imediatamente numa mulher nova e bonita mulher, que se apresentou na sua frente, completamente nua. Apanhado de surpresa, o homem ficou muitíssimo espantado e sem saber o que fazer. Quando recuperou a calma, o homem despiu o casaco que tinha vestido e colocou-o por cima da mulher, como forma de lhe tapar a nudez. A mulher, então, agradeceu-lhe e disse-lhe que era uma feiticeira e que precisava que ele a levasse com urgência até à sua ilha, o Corvo.
O agricultor tentou esquivar-se, dizendo-lhe que a não podia levar, pois tinha a família em casa, à sua espera e que além disso não tinha barco nem era homem do mar. Mas a feiticeira tanto insistiu e tanto lhe suplicou que o homem, compadecido, acedeu. Do mar e do barco havia ela de tratar. Ela pediu, então, que ele lhe pegasse ao colo e desse um passo para trás, mas sem olhar para nenhum lado. Apesar de estar cheio de medo e muito apreensivo, o homem queria ver-se livre da mulher e, por isso, fez o que ela lhe pediu.
Mal deu o passo para trás, olhando à sua volta, percebeu que já estava no Corvo. Aterrorizado e sem saber o que fazer, apenas perguntou:
- E agora? Como volto para as Flores?
Agradecida com o que lhe tinha feito e por a ter salvado, a feiticeira foi buscar um bocado de pano da loja de sua casa e disse que ele o segurasse e desse, novamente, um passo para trás, mas com os olhos fechados. Ele assim fez. Logo se encontrou nas Flores, junto à furna do Peito, onde se sentara para descansar. Era como se esta viagem de ir e vir ao Corvo tivesse acontecido num tempo que não correspondia ao tempo real, fosse uma espécie de sonho.
Assim que recuperou do acontecido, pôs-se logo a caminho de casa, esquecendo-se de deitar fora o pano que a feiticeira lhe tinha dado. Quando chegou a casa, a mulher começou a perguntar onde ele tinha buscar aquele pano com cheiro de mulher e quem lho tinha oferecido. Com medo de falar da feiticeira, o homem não quis contar o que tinha acontecido à mulher. Isto levou a grandes desconfianças e ciúmes por parte dela, que começou a dizer que ele tinha uma amante, levando ao divórcio algum tempo depois.
Esta estória correu pela freguesia e, para que nada de semelhante, voltasse a acontecer foi colocada uma cruz de madeira no interior da Furna do Peito, para afastar as feiticeiras e proteger do perigo os que ali se sentavam a descansar, nas suas idas e vindas para o mato.
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A BORBOLETA AZUL
Ela era rainha. O seu mundo era um jardim, o seu país um canteiro e o seu palácio uma flor de que se assenhoreara, transformando uma das suas pétalas em aposento real. Vivia sobre a esperança e conquistara a força de lutar contra o destino.
As suas asas eram de tule transparente e azul. Mas era um azul tão azul que lembrava o céu, o mar, o anil e as safiras. O seu corpo era deliciosamente opaco e espesso e os olhitos, muito atentos e enigmáticos, eram dois pontinhos castanhos, brilhantes, afáveis e meigos, reveladores da ternura que lhe transbordava do peito.
A flor-palácio era uma violeta roxa, muito aromática, mas modestíssima e simples. Pertencia ao canteiro dum jardim e, por caprichos do jardineiro, vivia rodeada de dálias, petúnias, robínias e tulipas. Era um canteiro maravilhosamente belo.
No entanto, habitavam-no também muitos outros animaisitos: cigarras, formigas, abelhas, gafanhotos, joaninhas, lagartas e até um sapo e duas rãs. Mas nenhum possuía a beleza, a bondade e a ternura da borboleta azul. Por isso todos a invejavam e, por vezes, até recriminavam a própria violeta por lhe dar abrigo e guarida.
- Olha a arrogante! - exclamava a cigarra, altiva e invejosa - Pensa que é mais do que nós. Chegando as festas, a violeta será levada aos altares. Veremos como se arranjará a vaidosa...
- Hum!... Nem demora tanto - retorquia o sapo, habituado a meter o nariz onde não era chamado - Rapazinho estouvado que passe por aqui e ela há-de arranjar-se, há-de...
Os comentários e as críticas dos circundantes redobravam. A borboleta, porém, continuava indiferente a todos. Se lhe apetecia, poisava calma e serena no seu valhacouto, encontrando sempre o acolhimento e a protecção da violeta. Se, pelo contrário, o seu desejo era voar, lá ia ela, elegante e indiferente aos vitupérios execráveis e aos comentários pródigos e improfícuos da maioria dos que a rodeavam.
Certa manhã enevoada e cinzenta, a borboleta azul levantou-se indecisa e confusa. Deitou os olhitos ao relento hesitou e resolveu voltar a deitar-se, ou seja, a poisar de novo na pétala aromática e roxa da violeta que lhe servia de abrigo e protecção.
A manhã mantinha-se enevoada e tardava a clarificar. O Sol teimava em manter-se escondido. Mas a azáfama no reino era enorme e desusada: é que o jardineiro, aproveitando a bruma matinal, decidira revolver toda a terra, mondar ervas daninhas e, regando o canteiro com uma forte mangueirada, colocava em polvorosa toda a bicharada.
A própria borboleta azul foi forçada a levantar-se. Voou, voou, até poisar casualmente junto dum lago não muito distante dali. Era um lago pequeno, azul e trasbordante de água e de frescura. Um peixinho vermelho transformara-o no seu mítico falanstério. Comungando simultaneamente a indiferença, o peixe e a borboleta esperavam que o Sol clarificasse o dia e rompesse a penumbra enigmática e paradoxal que se espelhava nas águas límpidas e transparentes do lago.
Uma suave melodia trespassava leve e contagiante. Uma nuvem corria apressada e deixava transparecer um raio de sol súbito e inopinado. O peixe vermelho, nadando descansadamente no lago, rodeado dos seus congéneres, nem reparou na borboleta. Passado algum tempo porém, deitou a cabecita fora da água e, num ápice, pode ver um inconfundível e maravilhoso arquétipo de beleza suma, como até então, nunca observara nas frias águas do lago.
Mas, assim como o raio de sol, a visão desvaneceu-se. Voltou a sombra e o peixe vermelho ficou só, mas confuso e perplexo: - “Seria real tanta beleza?!”
- Era - concluía o peixe, alguns dias depois, quando já se tinham tornado grandes amigos - Era tão real a sua beleza como era a sua ternura, o seu carinho e a sua bondade.
E a borboleta voltava ao lago todas as tardes, comungando alegrias, partilhando desventuras, contando histórias de flores, de jardins, de claridade e de esperança.
- Gostava tanto de ver uma flor - suplicava o peixe vermelho constantemente.
Confusa, a borboleta azul não sabia o que lhe responder.
Certa tarde, ao regressar do lago, a borboleta voltou ao palácio, mas já não o encontrou. Momentos antes, passara por ali um casal de namorados. Pararam junto ao canteiro. Querendo demonstrar o amor que lhe transbordava do peito, o rapaz apanhou a violeta e ofereceu-a à apaixonada, como prova indelével do seu amor. A rapariga cheirou-a, apertou-a ao peito e, comungando o seu perfume, beijou apaixonadamente o rapaz
A cigarra, ao ver a borboleta desalojada, regozijava-se eufórica:
- Eu bem dizia... A colheita não ia demorar... Vamos ver como ela se arranja agora que foi destronada.
- Venha rastejar como nós - propunha a lagarta.
A borboleta, no entanto, mantinha-se à distância, confusa mas serena, esperando que o amanhecer regressasse. E regressou, mas sem perfume e sem esperança.
Decidiu então voltar ao lago, onde o peixe vermelho ansiosamente a esperava. A mágoa e a dor dominavam-na. Dos seus olhitos rolaram duas lágrimas de desespero que, caindo no lago, se diluíram na água cristalina e se esvaneceram com a reconfortante compreensão do peixe:
- Não te preocupes, boa amiga! O teu destino é voar. Voarás sempre sobre as flores e sobre a esperança. Conquistarás o perfume das madrugadas e o calor do Sol. Mas não deixes nunca que se evapore o enigma azul e transparente das tuas asas.
A partir de então a borboleta azul fixou-se junto ao lago, conquistando o coração do peixe vermelho. Eram sombras desfeitas em manhãs de Sol. Eram nuvens escuras, clarificadas. Era a indecisão diluída na esperança. E a água do lago tornou-se tão azul e transparente como as asas de tule da borboleta.
Passaram-se dias, meses...
Numa tarde, a borboleta terrificada anunciou:
- Dentro em breve, terei que partir. O Verão aproxima-se do fim. Vêm aí os negros e chuvosos dias do Outono e do Inverno. Eu não posso continuar aqui.
O peixe, mergulhando no fundo do lago, emudeceu enquanto a borboleta voava, entontecida e trôpega e a água do lago se tornava mais fria.
- A água do teu lago continuará azul e cristalina - prometia timidamente a borboleta - As nuvens negras do Inverno vão desfazer-se e tornar-se em água tão azul como esta. Virei visitar-te, de vez em quando, trazendo-te o perfume das flores e a claridade das tardes de sol.
A incredulidade do peixe, porém, confundia-se com a indecisão da borboleta.
Finalmente ela partiu e o peixe ficou só, mazombo e sorumbático, no lago azul esperando que a borboleta regressasse e lhe trouxesse de novo o calor do Sol e o perfume das flores.
Mas a borboleta azul nunca mais voltou. Apenas, de vez em quando, misturada com nuvens escuras e ameaçadoras, sobrevoava o lago acenando ao peixinho vermelho e deixando atrás de si um raio de Sol e um perfume de violeta.
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O MONCHIQUE
Lá longe…
O Monchique!
Negro, abrupto e a pique.
Um rochedo
Que arrepia,
Encravado na maresia.
Ao redor,
Rolos de espuma,
Fantasiam-no de bruma.
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DIMAS E JESUS
Era por alturas do Natal que a minha avó, nos serões das longas e frias noites de inverno, depois de rezado o terço e outras orações, contava um conto adequado à época, no qual se desvendavam alguns lendários acontecimentos, subsequentes ao nascimento do Menino Jesus, na noite de Natal e que rezava mais ou menos assim:
Numa das noites depois do nascimento do Menino Jesus, o seu pai, São José teve um sonho, durante o qual viu um anjo que lhe disse:
- Levanta-te, toma o Menino e Sua Mãe e foge para o Egito. Fica lá até que eu te avise, porque o rei Herodes quer matar o Menino.
São José, muito assustado, levantou-se logo. Ainda era muito cedo mas ele acordou a Virgem Maria, Mãe do Menino Jesus e resolveram partir de imediato, ainda durante a noite. São José pegou no burrinho que estava na gruta onde o Menino nascera, sentou sobre ele Nossa Senhora e colocou-lhe o Menino no colo. De imediato e sem que ninguém soubesse puseram-se a caminho do Egito. Mas a viagem era muito longa e a caminhada muito demorada e cansativa pelo que, durante o caminho, tiveram que parar várias vezes.
Numa dessas paragens, numa localidade muito pobre, Nossa Senhora quis dar banho ao Menino Jesus, mas tão tinha nem selha, nem balde, nem toalha, nem outros preparos quaisquer para aquecer a água. Então São José foi bater à porta duma casa e explicou que estava de viagem com uma criança e que precisava de lhe dar banho mas não tinha com quê. Que por favor o ajudasse.
A dona da casa logo lhe abriu a porta e prontificou-se para ajudar. São José foi chamar Nossa Senhora e entraram na casa com o Menino.
Nossa Senhora lavou o Menino Jesus numa bacia, renovando a água por duas vezes, mas não despejou a última. A mulher, ao lado tentava ajudar e observava atentamente Nossa Senhora e o grande cuidado que Ela tinha com o seu filho. Depois do banho enxugou o Menino numa toalha que a mulher lhe emprestou. Esta, no entanto, fazia muitas perguntas: de onde eram, quem eram, de onde vinham, para onde iam, por que andavam a viajar, se não tinham mais filhos… Nossa Senhora explicava tudo e falava de Deus, do céu, das coisas santas e de Nosso Senhor, o salvador do mundo. Embora não compreendendo muitas coisas do que Nossa Senhora lhe explicava a mulher estava extasiada. Como Nossa Senhora também lhe fizesse algumas perguntas a mulher, muito triste e chorosa, a mulher acabou confessando que o seu marido era um ladrão e moravam ali na mais extrema pobreza. Também lhe disse que tinha um filho um pouco mais velhinho do que o dela, que se chamava Dimas, mas que estava doente desde há alguns dias e não havia meio de ser curado.
Nossa Senhora preparou-se para sair e continuar a viagem. Mas antes de se irem embora, Ela e São José agradeceram à mulher. Quando já ia a sair Nossa Senhora disse à mulher:
- Dá banho ao teu filho na mesma água em que eu lavei o Meu e ele ficará curado.
A mulher, logo a seguir, fez o que Nossa Senhora lhe disse e, para espanto seu, o seu filho ficou curado imediatamente. Louca de contentamento, saiu logo para a rua, a correr, a ver se encontrava aquela família para lhe agradecer. Correu por todos os lados, mas já era tarde, São José, Nossa Senhora e o Menino já iam longe, pelo que a mulher não os conseguiu encontrar nem lhes agradecer.
A notícia, no entanto, espalhou-se naquela terra mas ninguém sabia onde Nossa Senhora e a sua família estavam, nem para onde tinham ido.
Passaram-se muitos anos e o filho daquela mulher cresceu, mas devido ao mau exemplo do pai, acabou por também se tornar num ladrão que anos mais tarde, foi preso e condenado à morte.
Como era costume naquele tempo, o ladrão condenado à morte foi mandado crucificar juntamente com dois outros condenados. Ele não sabia era que um deles era Aquele que, quando menino, lhe salvara a vida, pois a mãe dera-lhe banho na água em que ele se lavara. Era Dimas que, muito arrependido dos seus pecados e dos roubos que fizera disse a Jesus:
- Senhor, lembra-te de mim quando entrares em seu Reino.
No entanto o outro cruxificado blasfemava contra Jesus, dizendo:
- Se és o Cristo, desce da cruz e salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós!
Mas Dimas repreendeu-o:
- Nem sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício? Para nós isto é justo, pois recebemos o castigo que merecemos pelos nossos crimes, mas Ele não fez mal algum. - E acrescentou - Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino!
Jesus respondeu-lhe:
- Em verdade te digo: ainda hoje estarás comigo no paraíso.
E foi assim que um ladrão se tornou em São Dimas, o bom ladrão arrependido.
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A MINHA GUEIXA (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)
Sexta-feira, 17 de Maio de1946
“Hoje estou muito contente. A minha gueixa alfeira apanhou boi, já está coberta e vai dar cria lá para Fevereiro. Eu andava muito triste com esta gueixa. Já tinha pensado até embarca-la para Lisboa. Só não o fiz porque ela ajuda-me muito nas lavouras, trabalha muito bem, quer de junta quer de canguinha. Não a quis matar quando ela nasceu, como muitas vezes se faz aqui aos bezerros logo que nascem. Matam-nos porque, para os criar, eles têm que beber o leite das vacas que o pariram, o que para nós, lavradores é um grande prejuízo. Além disso ninguém os quer comprar porque aqui não se come a carne dos vitelos, como na Califórnia. Mas esta bezerra, eu quis criá-la, embora me tenha dado muito trabalho e muito prejuízo. Deu-me muito trabalho a alimentá-la e a ensiná-la a trabalhar, mas valeu a pena. Ela ajuda-me muito a lavrar e gradear os campos, a semear o milho e ainda a puxar o corsão. Mas há uma outra razão porque a criei e ainda não a embarquei: foi por ela ser filha da minha Benfeita, a melhor vaca que tive até hoje, e uma das melhores de toda a Fajã. Mansa, trabalhadeira, boa de leite e de cria e ainda de boa boca. Come de tudo. Mas agora, que está velha tenho que embarcar aquece cramelhano. Sei que me vai custar muito, mas tem que ser e o que tem que ser tem muita força. Agora que a filha se vai fazer vaca, já não vou ter tanta pena de me separar da minha Benfeita. Vou ficar com uma filha dela, que, de certeza, fará com que nunca a esqueça. Oxalá a filha seja em tudo como a mãe. Mas lá que vou ter um desgosto muito grande, lá isso vou.
Eu já andava desconfiado que a maldita da gueixa, mais dia menos dia, ia querer boi. Por isso andava muito atento, sempre de olho nela. Hoje quando a fui levar, a ela e às duas vacas, às Águas, mal chegou à relva, a atrevida atirou-se para cima da outra vaca, da Toucada, Depois corria, saltava e pulava que até parecia doida. Já nem a deixei na relva que ela ia saltar as paredes de tão maluca que estava. Amarrei-a, para ela não me fazer asneiras e lá a levei ao palheiro do Cardoso, ao boi da Junta. Aquilo foi logo, pegou que nem tinha. Tenho a certeza que ficou coberta e há-de dar cria lá para Fevereiro. Assim vou ter que mandar a Benfeita ver os Senhores de Bengala quanto antes. Sei que me vai custar muito… mas lá terá que ser. Eu não tenho erva suficiente nas minhas relvas para três rezes. Por isso assim que vier o arrolador de Santa Cruz arrolar gado para embarcar, a minha Benfeita vai logo. Espero que me dê ainda algum dinheiro.”
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TERRA MALDITA TERRA BENDITA
Não havia dia que o Luís do José Bento não fosse às Águas, mais do que uma vez. Era levar a Moirata à relva, onde florescia a erva já gasta e amarelada, era apanhar os inhames, na parte superior, junto à rocha, era subir a própria rocha, no corte de lenha para o lume.
Juntamente com a belga do Pico do Areal, as Águas eram o que os pais lhe haviam dado, quando casara e abandonara definitivamente o lar paterno. Era um terra fraquita, junto à rocha, dividida em três partes. A parte mais baixa, que dava para a canada de serventia por um portal de pedra, era a erva, mas uma erva pouco tenra, onde a Moirata passava as noites frescas de verão e os dias chuvosos do inverno, muitas vezes a adivinhar a moita que iria pastar. Mais acima, separada por uma parede baixa e alguns pequenos arbustos, a terra dos inhames, por entre os quais corriam alguns fios de água vindos das grotas. Na parte superior, e já pelas encostas da rocha, a terra de lenha, onde floresciam faias, incensos, alguns álamos e queirós.
Terra pobre e perigosa! Vezes sem conta, pela rocha rolavam enormes calhaus e ribanceiras que punham em risco as vidas do Luís e da Moirata. Ele, porém, já se habituara:
- É preciso é estar sempre atento. Quando elas caem um home tem que fugir é p’ra cima, p’ra junto da rocha. Se forem pedras não nos apanham... Se for ribanceira, tanto nos apanha longe como perto da rocha.
E lá ia, dia após dia, lamentando a sua sorte e o pouco que os pais lhe haviam dado relativamente ao que possuíam. Fora por isso, por lhe darem somente aquelas duas nicas, sem valerem quase nada e uma delas debaixo da rocha, que o Luís, a pouco e pouco, deixara de entrar em casa dos pais e já quase nem falava aos irmãos. Não fosse o cerrado do Porto, junto à casa, que a Amparo herdara da mãe e não teria milho, couves e batatas para o seu sustento e dos pequerruchos, que nasciam em catadupa. Vinha aí o quarto!
Casara com a Maria do Amparo. Órfã de mãe desde que nascera, sem conhecer o pai, fora criada em casa dos Fragarias. Os pais torceram o nariz a tal casamento... É que a Maria nada tinha de seu, a não ser o cerrado do Porto com a casa a cair e, além disso, era a filha da Genoveva, uma bendita que, pelos vistos, nem sabia quem era o pai da filha. A paixão, no entanto, não sem alguns amargos de boca, sobrepusera-se e ultrapassara os interesseiros caprichos paternais. O Luís, antes de casar, restaurara a casa. A mão de obra era sua e de um ou dois amigos. Mas para comprar a madeira, o cimento e o restante material, teve que vender uma grande parte do cerrado, que muita falta lhe fez
Com a chegada dos filhos a vida tornou-se muito mais difícil e a casa pequena. O leite da Moirata, que a Amparo vinha, todos os dias, levar ao Martins & Rebelo, agora era quase todo para eles. O milho não chegava... E depois, ainda havia que comprar o açúcar, o café, o sabão, o petróleo... Apenas a roupa dos pequenos chegava da América...
Da América!... A América!... Como será a América? – perguntava o Luís, certo dia, ao Gancho, que há alguns anos para lá partira e agora regressara para vir casar. Sentados no descansadouro do Batel, observavam um enorme e esbranquiçado paquete, que surgira da rocha da Ponta e se encaminhava para trás do Monchique.
- Aquele vai direitinho para a América! Aquilo é que é uma terra..– dizia o Gancho e, num discurso imponente e convicto, descrevia-lhe, não sem alguma mentira, a terra do Tio Sam.
O Luís ouvia-o mudo e pensativo.
Desde desse dia, porém, que a América não lhe saía da cabeça. O Gancho tinha razão.Alí, na ilha, na Fajã, debaixo daquelas rochas, naquela terra maldita, era trabalhar, trabalhar, trabalhar, para não ter nada e ver os filhos a chorar de fome. A América sim! Aquilo é uma terra, uma terra para se viver à farta.. É verdade que não se juntam dólares na rua, mas quem trabalha ganha o que quer. O tanso do José do Outeiro, que aqui nem sabia conduzir um carro de bois, já comprou um automóvel; o Augusto Amorim anda a varrer lixo, já comprou duas casa e manda montes de dinheiro aos pais. Ele próprio estava riquíssimo e para lá tinha partido há quatro anos.. e a trabalhar num rancho...
- Num rancho. Isto é que eu queria! – cismava o Luís - Trabalhar num rancho, na Califórnia, com dezenas, talvez centenas de vacas, tirar o leite com mechins, criar bezerros, ter uma vida farta , viver naquela terra bendita – pensava em voz alta.
Certo dia, depois de tanto matutar naquilo, terminando a ceia – um caldo de couves com uma talhada de toucinho e um quarto de bolo que a Amparo cozera à pressa, - atirou-lhe decididamente:
- Maria vamos para a América!
- Credo, home! Parece que não estás bom do juízo!
O Luís expôs-lhe, então, com clareza, todo o plano que, durante algum tempo, arquitectara, ultrapassando, decidida e convictamente, todas as dificuldades e obstáculos que a Amparo contrapunha, inclusivamente o da falta de dinheiro para a passagem.
- Já falei com meu padrinho. Ele descansou-me e disse-me que tudo se há-de arranjar. Depois temos a Moirata e o bezerro que darão algum, mais a casa e este bocado do cerrado...
A Amparo não se continha:
- A casa?!... Vais vender a casa!?...E depois, se chegamos a S. Miguel e não arranjamos os papéis e temos que voltar para trás?!...
Naquela noite não dormiram, mas, de madrugada, a decisão estava tomada.
O Carvalho chegou às Lajes já noite escura. Demorara muito no Corvo, pois, trazia um Senhor Secretário de Estado de Salazar, acompanhado de numerosa comitiva, que vinha inaugurar o novo edifício dos Paços do Concelho. De certo que iria demorar em Santa Cruz e, sobretudo nas Lajes, onde ficaria à espera de Sua Ex.cia, que jantava nas Flores. Os passageiros, no entanto, embarcaram imediatamente. Na última lancha, seguiu o Luís com a Glória num braço e o José Luís noutro, enquanto a Amparo sentava a seu lado a mais velhita, a Ana e apertava no colo o Augusto, que nascera poucos meses antes. Ao aproximarem-se do velho paquete, a carita de espanto dos miúdos contracenava com as lágrimas da mãe. O vulto negro do Carvalho, onde entraram temerosos e inseguros, estava ali, flutuando sobre as águas calmas do oceano, como um monstro tenebroso e temível, que os engolia sem piedade. No convés e nas torres dezenas de luzes projectavam-se na noite escura e reflectiam-se nas águas mansas e límpidas da baía das Lajes. Do outro lado, a vila e a ilha, distanciando-se cada vez mais...
O navio levantou ferro de madrugada. Viajando em terceira classe, apenas a Amparo e os pequenos tiveram direito a beliche, por condescendência especial do senhor Imediato. O Luís tinha que pernoitar no convés, numa cadeira que apanhasse livre. Como não encontrasse nenhuma, dirigiu-se para a borda do vapor, que, iniciava uma marcha lenta, enquanto, cada vez mais longe, a mancha escura da ilha, delineada pelos reflexos dos faróis das Lajes e do Albarnaz, se ia perdendo no infinito, até desaparecer
Agora só o roncar turbulento das máquinas, o marejar sincronizada do oceano, a incerteza escura da noite. O Luís perdera o sono. Debruçado sobre a borda do navio, observava a ilha cada vez mais longe, mais pequenina e mais perdida na escuridão.
Em Ponta Delgada fixaram-se na Rua do Arquinho. Um quarto pequeno, com duas camas. Era caro mas a Amparo podia utilizar a cozinha, o que tornaria a estadia em São Miguel, não se sabia por quanto tempo, mais barata, embora agora tivesse que comprar tudo, até o leite, as batatas e o pão. Além disso o Consulado da América era perto, poderia deslocar-se a pé, sempre que necessitasse.
Os dias, porém, teimavam em passar sem nada se decidir. No Consulado eram horas e horas de espera para no fim ouvir: - “Volte amanhã. Ainda não chegou nada.” Ao chegar a casa eram os pequenos irrequietos, pegados uns com os outros, era a Amparo aflita, sem pão, sem leite, sem açúcar e, pior do que tudo, sem esperança... Não raras vezes atirava-lhe à cara a precipitação em vender a Moirata, a casa e as terras:
- Eu devia ter ficado com os pequenos na Fajã e tu vinhas sozinho! Se conseguisses vínhamos ter contigo. Assim o que vai ser de nós? Vamos voltar para trás sem nada, desgraçados!...Lágrimas amargas corriam-lhe pelos olhos, enquanto apertava ao peito o mais pequeno, que se desfazia em acentuado berreiro.
O Luís, já nem a ouvia! Permanecia mudo, apático e indiferente.
Os dias eram passados no pequeno cubículo. A maioria das refeições eram pão e leite, porque esses não podiam faltar aos pequenos. O Luís saía de manhã, ia ao Consulado, trazia o pão e ali ficavam a tarde inteira, pensativos, tristes, misturados no reboliço dos filhos, Numa tarde, em que os três mais novos dormiam e Ana saíra a convite duma filha da dona da casa, a Amparo resvalando dum passageiro e agora pouco vulgar rescaldo amoroso, timidamente, adiantou:
- Tenho, desde há muito, uma coisa para te dizer e não tenho coragem...
O Luís, assustado e estupefacto levou as mãos à cabeça:
- Vem aí outro?! Não faltava mais nada!
- Credo home! Vira-me a boca para o lado. Não é nada disso. É que antes de sair da Fajã, fiz uma grande promessa.
- Ora! Todos fazem! Qual foi?
- Um jantar ao Senhor Espírito Santo... do Portal ao Risco!
- Fajazinha, Quada, Fajã e Ponta!?
- Sim, carne e pão em todas as casas.
O Luís emudeceu. Sabes por quanto fica isso Maria? Só a carne é uma fortuna! São precisos quatro bois!.. E temos que o vir dar? E as passagens?
A Amparo não pensara em nada disso. Apenas prometera, quando o vira vender a Moirata, a casa e o cerrado. Só o Senhor Espírito Santo os poderia salvar. Se tudo lhes corresse bem não teriam problemas. Não havia ninguém que fosse para a América sem promessa e não viesse pagá-la.
- Pois – concluía o Luís – mas do Portal ao Risco, não é qualquer um.
E o milagre aconteceu. Finalmente chegou a tão almejada notícia! O Luís entrou no quarto efusivamente, saltando, abraçando a Amparo e esquecendo os filhos que, apáticos, não entendiam a razão de tão grande contentamento. O Luís, aos soluços, num misto de alegria e sofrimento, exclamava:
- Eu sabia! Eu sabia que iríamos conseguir!
- Louvado seja o Senhor Espírito Santo. Assim que pudermos voltamos para pagar a promessa.
A Agência “Melo & Cabral” tratou das viagens e dos passaportes. O dinheiro que sobrou quase nem deu para o taxi que os levou ao Aeroporto. Assim como o Carvalho, fundeado na baía das Lajes os engolira naquela noite em que partiram das Flores, agora era a Sata que os transportava até Santa Maria, para então tomarem o Boing da TAP com destino a Boston. Voando sobre o Atlântico, enquanto os pequenos dormiam, a Amparo constrangida e amedrontada voltava-se, novamente, para o Divino Espírito Santo. O Comandante anunciava:
- Senhores passageiros, muito boa tarde. O nosso voo até Boston demorará quatro horas. Neste momento estamos a sobrevoar a ilha das Flores.
A Amparo de olhos fechados, fingindo dormir, nem o ouviu. O coração do Luís, porém, deu um enorme baque. Olhou pela pequena janela. O avião sobrevoava a parte sudoeste da ilha: as Lajes, a seguir a Rocha Alta, uma enorme alcantil escarpado, sobranceiro ao mar. Depois umas casitas isoladas, devia ser a Costa. Logo a seguir o Lajedo, o Mosteiro e lá ao fundo a ponta negra do baixio, estendida pela ilha fora, com as casinhas brancas, muito alinhadas e agrupadas, entre as quais sobressaía a torre da igreja. Por trás, como que a protegê-las, as escarpas do Outeiro e, finalmente, a rocha – era a Fajã!
Os olhos do Luís encheram-se de lágrimas, lágrimas de dor e lágrimas de raiva. Se não via podia ao menos imaginar os caminhos que percorrera carregando molhos de erva, de incensos, de lenha, cestos de inhames, de milho e de esterco. Quanto sofrera, debaixo daquelas rochas, calcorreando aqueles atalhos, sem horas de descanso! Quanto trabalhara de enxada ou sacho na mão naquelas terras, semeando batatas, mondando o milho e plantando couves! Nunca tivera um tostão! Saíra de lá mas endividado! É verdade que era a sua terra, era a terra onde nascera, que lhe estava no corpo, mas era a terra maldita, que não lhe dera, nem nunca lhe daria aquilo com que tanto sonhava – fartura, não tanto para si, mas sobretudo para os filhos.
A Ampara, agarrando-se a ele, apenas perguntou:
- Vês a nossa casa?
- Não vejo nem quero ver – respondeu o Luís baixando o cortinado da janela.
No aeroporto de Boston a confusão estava institucionalizada. Dezenas de portugueses ali desembarcaram, nas condições do Luís. À maior parte, ou seja os que ali faziam escala para San Francisco, com destino à Califórnia, foram dadas ordens para não sair do avião. Um dos mais espevitados, com ar de espertalhote, experimentado em tais andanças, explicou, com ar de sabichão:
- Temos que sair. A TAP não voa para San Francisco, temos que mudar para a “Amaricana Arlaite”.
Nada, porém, se resolvia e os insultos começaram a chover:
- Tratam-nos como animais!
- Só lhes interessa o dinheiro!
- Depois de terem a massa não ligam a ninguém.
Algum tempo depois, uma senhora, de meia idade, esquelética, cabelo louro, vestindo uma farda azulada, com um lenço ao pescoço, entrou no avião e gritou com voz americanizada:
- Can va parra San Francisco siga-me porr favorr. Van semprre atrraz de mi.
Os portugueses, nos quais se incluía o Luís, a Amparo e os filhos, formaram uma fila compacta, amontoando-se e atropelando-se uns aos outros. Saindo do avião, percorreram corredores infindáveis por onde deslizavam funcionários fardados, passageiros em trânsito, de raças e nacionalidades diversas, carregando malas e sacos, num atropelar-se contínuo. A senhora da pronúncia americanizada, ao chegar à sala de embarque, avisou-os de que esperassem alí até ser feita a chamada para o voo da TWA, com destino a San Francisco.
Este porém tardou. A noite já se aproximava. Na sala reinava a impaciência. As crianças choravam com fome e os adultos protestavam sem que ninguém os atendesse. Finalmente outra funcionária, falando português pior do que a primeira, entrou na sala e conduziu-os ao avião. Quatro horas mais tarde aterravam aeroporto de San Francisco.
Depois de alguns dias em Vallejo, em casa da irmã Alice, o Luís, a Amparo e os pequenos rumaram para Fresno, no Vale de S. Joaquim. Fora um primo do cunhado Heriberto que arranjara o emprego, precisamente o que o Luís queria. O ranho pertencia a um italiano, que passava mais tempo no seu país do que nos Estados Unidos. Assim era-lhe atribuída toda a responsabilidade e guarda do mesmo. Para além duma casa enorme, tinha direito ao leite que precisasse, poderia criar os bezerros que entendesse e cultivar o que lhe interessasse. O patrão passaria por ali, apenas, de ano a ano.
Um sonho! Uma maravilha! A América, mais concretamente a Califórnia, era, realmente, a terra bendita com que tanto sonhara.
O acentuado interesse pela terra e pela criação de gado que o Luís sempre revelara concretizava-se agora de forma objectiva. Além disso conjugava o trabalho de que gostava com o ganho e a fortuna com que sonhava. Em casa não faltava nada! Pão, leite, batatas couves e carne sobretudo carne!... E no fim do mês os dólares. A Amparo tratava da casa e da horta. Ele ordenhava centenas de vacas, carregava o leite, tratava de todas como da Moirata. Tudo ali, perto de casa, sem grande esforço, com máquinas de todas as espécies e com automóvel para passeios e compras. Os filhos cresciam, iam para a escola e já falavam melhor inglês do que português. Aos quatro levados dos Açores juntaram-se mais quatro. As dívidas estavam pagas e já havia muitos dólares no banco. A Ana casou e veio o primeiro neto.
Era altura de voltar às Flores para pagar a promessa ao Senhor Espírito Santo. Isso não podia falhar!
Na véspera da partida, porém, a tragédia sobrepôs-se à continuada concretização do sonho de sempre, agora tornado realidade. O Luís sucumbia, vítima de um ataque cardíaco! Ali, naquela terra bendita, mas que, apesar de tudo, fora incapaz de lhe segurar a vida.
Passaram-se os anos. Numa manhã cálida e cinzenta de Outono, em todas as casas da Ponta, da Fajã, da Quada e da Fajazinha fumegava, quer em velhos caldeirões ou em modernas panelas de pressão, carne guisada e sobre a mesa, um, dois ou três pães.
Era o jantar dado pela viúva do Luís de José Bento.
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CASA COM JANELA SOBRE O MAR
Tia Jerónima sentou-se à janela da sala, apoiando-se com o braço direito, debruçado sobre o peitoril. O Sol há muito que se havia perdido no horizonte mas reinava, ainda, uma claridade, serena, silenciosa e acolhedora. A janela, encravada na empena oeste do minúsculo casebre, abria-se e despejava-se sobre um pequeno e estreito atalho, feito de pedregulhos toscos, emaranhados entre cascalho, desenhado sobre uma rocha a arfar de silvados e vinhedos, ali mesmo em frente e encavalitada sobre o mar. Descaído sobre o oceano, que se estendia como um enorme tapete azulado e fofo, aquele alcantil que, para além de uns canaviais e uma ou outra figueira ressequida, apenas carregava sobre si a casa de Tia Jerónima, assemelhava-se a uma espécie de trincheira natural, contra a qual, sobretudo em dias de vendavais e tempestades, o mar se atirava em laivos de raiva e uivos de ganância.
Naquela noite, porém, o mar estava calmo e sereno. Abraçado à intimidade do anoitecer, apenas fazia sentir a sua presença através de uma ou outra pequena onda que, rolando lentamente, se vinha desfazer, num leve e suave murmúrio, junto ao negro areal que o separava do aclive. Uma irrequieta tranquilidade atraente! Um murmúrio de silêncio enternecedor!
Tia Jerónima permanecia, absorta e alheada, sentada à sua janela com vista sobre o mar, com a mão direita sobreposta ao olhar, como que a tapar-lhe as incandescências que o espectro do astro-rei, no seu ocaso, deixara desenhadas no horizonte em traços amarelos, alaranjados, vermelhos e violetas. Mais além, mas muito longe, um crepúsculo emaranhado crescia muito lentamente e parecia tornar-se madrugada, cobrindo uma enorme cidade, de casas altíssimas, comboios, “mexins”, vapores e soldados, atravessada por rios da cor da esperança.
Sentada à janela, com o braço esquerdo debruçado sobre o peitoril e com a mão direita sobre o olhar, a aclarar-lhe incandescências ofuscadas, tia Jerónima via as casas a erguerem-se ao céu, o burburinho das ruas atafulhadas de pessoas, o fumo que se elevava das fábricas, os comboios que passavam a correr, os rios a deslizarem com suavidade, os barcos a perderem-se no horizonte, os homens a arfarem cansaço e os soldados a partirem para a guerra. No ar surgiam pássaros de espuma e nos rios navegavam barcos de papel, cor de laranja, carregados de lágrimas e soluços. Depois a cidade adormecia, as casas fechavam as janelas, forravam-nas de madeira, vestiam-se de escuro e dos telhados saíam rolos de fumo, negro e estilizado. A cidade adormecida era como se fosse uma grande fábrica, uma espécie de fóssil industrial que homens, sonolentos e com bonés de veludo, enfiados até às orelhas, nas manhãs escuras e friorentas, procuravam com avidez, engolindo-o como se fosse um chocolate gigante. Depois transformava-se numa labareda de fumo aguerrida e devoradora e a cidade regressava à florescência do casario que, agora, sobressaía mais tenazmente, tornando o universo esverdeado e salpicado de manchas brancas. E os homens, transformados em pastores, agarravam, com uma ganância desusada, aquelas manchas, enchendo-as dentro de sacos, carregando-os às costas como se fossem rolos de lã ou de linho. E a tia Jerónima, sentada à janela da sua casa, também deslizava naquele universo como se fosse uma nuvem de papel, caminhava como se fosse a sombra de uma árvore desfolhada, voava como se fosse um pássaro perdido e sem rumo.
E lá, em frente à casa com janela sobre o mar, a noite crescia desalmadamente, tornava-se completamente escura, sem Lua e com as estrelas muito tímidas e hesitantes. Mas a tia Jerónima permanecia sentada à sua janela, com o braço esquerdo debruçado sobre o peitoril e com a mão direita a anafar o silêncio da noite, a açular-lhe sonolências perdidas, a acariciar os sabores do escuro, emaranhada em sonhos ora de encanto e alegria ora de dor e sofrimento. Depois, quebrando um silêncio torturador, tia Jerónima soluçava e estremecia, imaginando o suplicar dos braços agonizantes de alguém que desaparecera, com o Sol, lá no outro lado do Mundo.
E lá pela noite dentro, já quase madrugada, tia Jerónima acordou estrebuchada. Fechou a janela que ficava sobre mar e, na claridade tímida duma vela colocada à cabeceira da sua cama, rezou uma oração crente e purificadora, por alma do seu António que a “Calafónia”, fatalmente, nunca lhe devolvera.
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A CRUZ DO OUTEIRO
Um das mais emblemáticas construções edificadas na Fajã Grande foi, inequivocamente a Cruz. Construída bem lá no alto do Outeiro, precisamente no local em que este se debruça mais sobre o povoado, como que a separar a Assomada da Fontinha, a Cruz impunha-se e debruçava-se sobre as casas campos, num abraço gigantesco, a abençoar, pessoas, animais, lares, terras, maroiços, ruas, vielas e até o mar. Branca, ingente, altiva e gigantesca a Cruz como que se assemelhava ao Cristo Redentor do Corcovado, apresentando-se como verdadeiro símbolo do cristianismo e da fé do povo da mais ocidental freguesia açoriana, apresentando-se de forma semelhante à da gigantesca estátua brasileira, como um ícone da Fajã Grande e até das Flores, postando-se ainda como marco abençoado de dezenas e dezenas de embarcações que, emergindo no horizonte, aproavam à ilha, na demanda das rotas marítimas entre a América, a Europa e a África.
Não se sabe ao certo quando surgiu a ideia de construir uma grande cruz no alto do Outeiro, nem sequer altura em que foi construída, uma vez que o monumento não revela a data de construção. Sabe-se, no entanto que ela é um verdadeiro símbolo da fé e da crença dos nossos antepassados que assim desejavam ver a sua terra permanentemente abençoada pelos braços da cruz redentora.
Durante muitos anos e até à década de cinquenta do século passado realizava-se, anualmente junto à Cruz, uma festa com missa campal precedida de romaria que tinha lugar no dia 14 de setembro, dia em que a Igreja Católica, liturgicamente, celebra e comemora a Exaltação da Santa Cruz ou seja o madeiro em que Cristo foi crucificado. Era também junto a esta Cruz que nas terças e sextas-feiras quaresmais, um grupo de homens, quer chovesse quer ventasse, ajoelhava entoando cânticos e orações diversas e prolongadas. As suas vozes, ecoando nas encostas dos montes, ressoavam e repercutiam-se sobre os velhos telhados dos casebres. Simultaneamente, em todos os lares, famílias inteiras ajoelhavam também e, em convicta e comunitária oração, uniam-se às preces dos cantores, suplicando perdão para os delituosos e pecadores e beneficência para os infelizes e sofredores.
O Outeiro e mais concretamente o lugar da Cruz era também um enigmático local para passeios, uma vez que sobranceiro à freguesia, a que se tinha acesso por uma ingreme e sinuosa vereda, de lá se desfrutava duma vista fantástica e deslumbrantemente bela. Ao perto, os telhados e frontispícios do casario, mais ao longe os campos verdes e amarelados de couves e milho e, além, separado pela mancha negra do baixio, o oceano azulado e infinito, contrastando com a tímida pequenez da ilha. Era, inclusivamente um lugar de visitas turísticas, dada a sua rara e invulgar beleza. Ao iniciar-se a subida, o espetáculo excedia-se em pulcritude, em cores, em luzes e em sons. Mas era sobretudo no dia da festa, durante a romaria, em que o povo subia em fila empunhando as velas, entoando cânticos, ao mesmo tempo que as luzes se iam alongando na subida, formando um cordão luminoso e colorido, uma espécie de colar que se ia prolongando pela encosta até se enroscar ao redor da cruz. Visto de longe, o espetáculo era magnífico.
Emblemática e mítica era ainda a Cruz do Outeiro, por quanto na imaginação da pequenada, era lá que na passagem do ano, à meia-noite, o Ano Velho e o Ano Novo travavam uma árdua luta, com o objetivo de decidirem entre si quem ficaria a mandar no próximo ano: se o Ano Velho se o Ano Novo. Nessa noite mágica todas as crianças da freguesia adormeciam nas suas camas ou berços de palha e casca de milho, uns agarrados aos outros, muito bem cobertos e caladinhos, com os olhitos muito arregalados por fora dos cobertores, com os ouvidos à escuta, a tentar descortinar algum ruído ou barulho indicador da luta e a desejar que fosse o Ano Novo a vencer. Mas só no dia seguinte de manhã, ao indagar junto dos adultos quem teria sido o vencedor, ficavam a saber que tinha sido o Ano Novo a vencer a contenda
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O CAVALO DE SERRAR LENHA
Na Fajã Grande a lenha era fundamental na via e nos costumes da população, como que fazia parte do seu quotidiano. Quer o acender do lume, duas ou três vezes por dia, quer o dia semanal, geralmente a sexta-feira, em que se acendia o forno para cozer pão, quer por altura da matança, das festas e de outras ocasiões especiais, usava-se muitíssima lenha, de faia, de incenso, de pau branco, loureiro, sanguinho ou até de cedro ou de queiró. Por vezes até os garranchos de incenso retirados da manjedoura, após as vacas lhe comerem as folhas, bem como os milheiros e os sabugos eram utilizados como lenha.
Uma boa parte da lenha, trazida para junto de casa e armazenada em local próprio, era delgada, pelo que era, facilmente, partida à mão, se seca, ou, simplesmente picada com o machado. No entanto, muita lenha era resultante dos troncos e ramos de grossas árvores, cortadas para o efeito ou abatidas por já serem velhas, pelo que tinha que ser serrada e depois aberta, isto é, feita em lascas, a fim de que coubesse nas grelhas dos lares e, também, para que ardesse melhor.
Antes de ser picada com o machado os grossos troncos tinham que ser serrados em pequenos toros, para o que era necessário, para além da serra, um suporte especial, chamado cavalo de serrar lenha.
O cavalo de serrar lenha era uma estrutura de madeira, simples e primitiva mas muito funcional. Com quatro paus grossos, com cerca de um metro de cumprimento, formavam-se dois xis, sendo que o cruzamento deveria ficar numa das extremidades. Era esta parte que ficava para cima, enquanto as pontas mais compridas faziam de pés. Os xis eram ligados um ao outro, com tiras laterais de modo que tivessem grande resistência. Uma vez colocado em pé, o cavalo, o tronco que se pretendia serrar era colocado sobre os vês voltados para cima e resultantes dos dois xis, de forma a permitir que saísse uma num dos lados, ou seja, o pedaço do pau que se pretendia serrar e cujo tamanho se podia regular.
Na Fajã quase todas as casas tinham o seu cavalo de serrar lenha, construído, geralmente, pelo próprio proprietário. Quem o não tinha, quando precisava, pedia-o emprestado a um vizinho que nunca negava o empréstimo.
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SÃO JOSÉ VELHINHO
Há uns tempos recebi da parte da senhora Katharine Baker, residente na Califórnia mas descendente de açorianos naturais do lugar da Ponta, na Fajã Grande e tradutora, entre outras obras, do livro de Álamo Oliveira “Já não Gosto de Chocolates”, uma estampa curiosíssima.
A estampa que me foi enviada por email pela senhora Baker data de um de Janeiro de 1893. Para além de um pequeno texto no verso, onde se pode ler o seguinte “José Frederico Henriques. Lembrança de sua mãe Mariana Apolónia Gonsalves - 1º de Janeiro de 1893”, a estampa apresenta, no frontispício uma foto da antiga imagem de São José, também conhecido por “São José Velhinho”. Trata-se da imagem de S. José que existia na igreja da Fajã Grande, de que é padroeiro, até à compra da actual, nos inícios dos anos cinquenta. Por baixo da foto pode ler-se o seguinte: Verdadeiro retrato da imagem de S. José Que se venera na Igreja da Fajã Grande (Ilha das Flores).
Trata-se realmente da primitiva imagem de São José – São José Velhinho como carinhosamente lhe chamava o povo - que antigamente estava colocada no centro do altar-mor, em frente ao camarim, mas que com a chegada da nova imagem foi guardada na sacristia, em cima do mesão, onde muito possivelmente ainda se encontrará, que remonta aos primórdios da criação da paróquia Fajã Grande e que, muito provavelmente, terá pertencido à primitiva ermida que antecedeu a actual igreja paroquial, inaugurada em 1 de Agosto de 1850.
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BOLA MATOU PAULA
(CONTO POPULAR)
Era uma vez um rei que tinha uma filha bela e formosa. Como não tinha filho varão que lhe sucedesse no trono, seria a princesa a herdar-lhe o reino. Por isso, entendia o velho e sábio monarca que a futura rainha deveria casar-se com um jovem que fosse muito sábio, inteligente, astuto e capaz de o substituir, sabiamente, na governação do reino. Assim, o rei, que se considerava a sua filha, a pessoa mais inteligente e sábia do reino, mandou avisar todos os seus súbditos que a princesa se casaria com o jovem que tivesse a arte e o engenho de lhe propor uma adivinha cuja solução ela não fosse capaz de desvendar. Determinava, ainda, o monarca que todos aqueles que se apresentassem no palácio com uma adivinha cuja solução a princesa deslindasse seriam, imediatamente, enforcados.
Apresentaram-se no palácio real muitos jovens, doutos e inteligentes, com as adivinhas mais diversas e de difícil solução. Porém a todas, a sabedoria da princesa dava resposta pronta e imediata. Assim, dezenas e dezenas de jovens foram enforcadas. É que nenhum conseguia apresentar uma adivinha cuja solução, a princesa não descortinasse.
Ora numa aldeia, muito pobre e humilde, vivia um rapaz que era muito estúpido e insensato. Logo que teve conhecimento do anúncio, decidiu também tentar a sua sorte. Os irmãos, porém, sabendo como ele era tolo, tentaram convencê-lo a não se apresentar no palácio real, pois decerto que iria lá envergonhá-los a eles e à sua família. De nada serviram os pedidos dos irmãos. É que o rapaz, para além de tolo, era muito teimoso e os irmãos, por mais que insistissem, não encontraram maneira de o impedir de sair de casa e de se apresentar no palácio.
Então, para terem a certeza de que ele, apesar da sua teimosia, não chegaria ao palácio real, resolveram deitar-lhe veneno numa bola que ele levava para se alimentar durante a viagem.
No dia seguinte, sem saber o que os irmãos haviam feito, lá partiu o rapaz com a bola dentro de um saco, montado numa mula que se chamava Pala, a caminho do palácio do rei.
A viagem, no entanto, era bastante longa e demorava mais do que um dia. Quando anoiteceu o rapaz deitou-se junto a um castanheiro, ao qual amarrou a mula. Porém, enquanto dormia, a mula que estava muito esfomeada, sem que ele se apercebesse, comeu a bola que os irmãos haviam envenenado.
Quando o rapaz acordou, na manhã seguinte, a mula estava morta. De repente, ao levantar-se, viu aproximarem-se três lobos. Cheio de medo, subiu para o castanheiro, junto ao qual tinha dormido, ao mesmo tempo que os lobos se aproximavam e comiam a mula. De cima da árvore, o rapaz tentou afugentar os lobos, disparando um tiro mas, como tinha fraca pontaria, não acertou em nenhum dos lobos. A bala foi parar lá longe e, por mero acaso, acertou numa lebre, matando-a. Os lobos, no entanto, morreram, imediatamente, após comer a mula. Então o rapaz desceu da árvore e pegou na lebre com a intenção de comê-la, caso encontrasse lume e lenha ou qualquer outra coisa com que fizesse uma fogueira para a assar, pois já estava cheio de fome. Como não encontrasse nada que pudesse queimar, entrou numa igreja, arrancou as folhas de um missal e fez com elas uma fogueira onde assou a lebre. De seguida comeu-a, assim como duas crias que ela tinha na barriga Como ficasse com muita sede foi à pia da água benta e bebeu toda a água que lá havia. Ao sair da igreja chovia torrencialmente. A enxurrada era tanta que arrastou os lobos para um rio que por ali deslizava. Quando parou de chover o rapaz pôs-se, novamente, a caminho e atravessou uma ponte. Olhando para o rio, viu os três lobos arrastados pela correnteza das águas, enquanto apareciam a voar sobre eles, sete corvos muito esfomeados que se atiraram aos lobos e os devoraram.
Finalmente, o rapaz chegou ao palácio do rei. Todos se riram do seu aspecto pacóvio, simplório e apalermado. Mas como pensassem que não haveria problemas, pois um abantesma daqueles nem sequer seria capaz de contar a adivinha mais simples do mundo à princesa, deixaram-no entrar. Decerto que, dentro de momentos, o esperava a forca.
O rapaz chegou junto da princesa e do rei e este pediu-lhe que contasse uma adivinha. Como não sabia mais nada, o rapaz contou, tudo o que lhe acontecera durante a viagem, dizendo:
- Bola matou Pala, Pala, depois de morta, matou três. Atirei ao que vi e matei o que não vi, comi o nascido e o por nascer e com as palavras de Deus minha fome matei. Bebi água que não era do céu nem da terra, passei por cima do duro que estava sobre o mole e vi sobre três mortos sete vivos cantando?
A princesa não foi capaz de descobrir nada do que o rapaz lhe contou. Foi ele que lhe explicou, tim-tim por tim-tim, tudo o que tinha visto e o que lhe acontecera durante a sua viagem até ao palácio real.
E, como palavra de rei não volta atrás, o rapaz casou com a princesa e herdou o trono do velho e sábio monarca.
Conto popular, contado (antigamente) na Fajã Grande.
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CAPITÃO FRANCISCO AUGUSTO
Capitão Francisco Augusto,meio americano,meio
do Reino de Portugal ; açoriano
de berço ;de sua raiz flamengo ;
comandante de navios ,
bom trancador de baleias,
com fama de beber bem:
brabo no soco,perdido
se lhe cheira a mulher…
Mas porquê lembra-me agora deste primo,
mais que morto,que afogado,
ausente do meu sentido?
Assim mesmo.Exactamente:
guerras da Índia..ou não era ?
Isso mesmo:levar tropas .
E El-Rei que ia a bordo
despedir-se do Infante,
general das ditas tropas.
E veio então um senhor…
Senhor não ;um senhorito,
lá dos palácios de El.Rei,
a ensinar ao comandante
do África ,ou com seria
o nome deste vapor
que a El.Rei se beijava a mão
quando El_Rei a estendia.
Capitão Francisco Augusto,meio americano, meio
do Reino de Portugal;açoriano
de berço;de sua raiz flamengo ;
comandante de navios,
que outra coisa não era
senão bicho do mar- alto,
rude por fora,por dentro
coração de cera-bela:
mar whisky e mulheres…
famoso de costa a costa,
querido dos armadores,
estimado da maruja,
comandante de primeira
entra todos os melhores!
Rosa de limos do mar,pedra de musgo
e candura,meu puro primo-terceiro,
por que me lembro de ti ?
… Ora bem, vamos ao conto
Foi-se embora o senhorito
lá dos palácios d’ El-Rei.
« Beijar a mão ...»---e andava
capitão Francisco Augusto
de lado a lado da ponte,
ali era o seu reino
de céu a céu no mar-alto,
bem longe desta Lisboa
onde os machos se desmancham
nos cheiros e nas zumbaias ,
falando tal qual madamas,
rabeando pelas ruas.
« Beijar a mão..Go’the hell !
Beijar a mão...»---e andava,
como touro encurralado
renegando a castração,
de lado a lado da ponte
---«...ao pai que me fez e à mãe
que me cá botou,beijava.
Fora disso...» --- e não parava,
roído de cisma e espanto,
de raiva e pena de si,
de lado a lado da ponte
---« nem sequer ao padre-santo ! »
Ora quando a Majestade subiu a bordo do África ,
ou lá o nome que tina
o tal transporte de guerra ,
Capitão Francisco Augusto,
seis pés d’alto,louro,homem
mais valente que as marés
e um vozão de temporal,
pegou-lhe na mão rosada,
fofa que de mulher.
( « Beijar a mão...Go’the hell !
Sun of a gun ! ´´é o beijas ! »).
Lá estava o tal senhorito,
mandalete do palácio,
e a corte toda a olhar:
mão d’El Rei na sua mão,
não era mão…
E era o Mar
crescendo na sua frente ---
… não era mão,não senhor !
E apertou-lha até que o outro
franziu a cara de dor.
Um «Good-Bye,Majestade ! »
e foi-se enorme e direito
por mando na sua gente.
Lembranças que desterro das poeiras do esquecido,
por que me vêm , como um laço,
ao de cima da memória ?
Capitão Francisco Augusto,meio americano meio
do Reino de Porugal;açoriano
de berço;de sua raiz flamengo;
comandante de navios ,
bom trancador de baleias…
--- lá foi e lá se tornou
até Goa e p’ra Lisboa.
Das guerras não soube nada,
que de guerras não cuidava;
a sua gerra era o mar,
e a guerra sempre amanhada.
Levou a tropa e voltou.
E adeus Lisboa,adeus África ,
foi-se de proa a Bastão
num vapor da White Star,
ser outra vez capitão
d’um três mastros baleeiro;
ali já podia estar ,
sem corte nem beija-mão:
ali era ela por ela,
ali era homem inteiro !
Mas porquê estar a acordar de raízes afundadas,
esta abalar do silêncio
dos pegos d’Além-Mar ?
Capitão Francisco Augusto (e basta ! Nada mais digo )
morto na volta do Cabo
Horna ou Corno (tanto faz ),
comandante de Good Hope,
com ela se foi ao fundo,.
Lá está no fundo do mar !
Ora isto foi...isto foi …?
--É tudo quanto guardei,e um retrato em corpo inteiro.
De resto mais nada sei
deste meu primo-terceiro.
Nem me importa quando foi.
In Sinais de Oeste – Pedro da Silveira - 1952
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CHAMARRITA
Na sala pequena a música rompe,
Caixeiro manda a roda.
Choma Rita,choma Rita …
Ó mei amor de tan longe…
Saudades herdadas de pais e avós,
Trazidas da Flandres
E de Portugal.
Sinhor capitão da barca
Espere,faça favor..
Ao ritmo da música da viola
Homens e mulheres parecem sonâmbulos
Bailando.
A viola está tocando
Frank acompanha ao córiano.
Mateuzinho canta.
Mas o canto é triste.
Dir-se-ia mágua.
Dir-se-ia choro.
A viola está tocando.
Parece a voz de um afogado.
Choro de destinos não cumpridos,
Lembraças de alguém que partiu
E não voltou.
A roda segue .
Mas quase nem se ouve o ruído cadenciado dos passos.
Só o canto triste
E a música triste ,
Saudosa,magoada,
Do córiano e da viola.
A Ilha e o Mundo – Pedro da Silveira - 1953
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ÚLTIMO OESTE
A terra acaba aqui.
Além é só o mar – e vento.
A terra acaba aqui…
Com ela tudo o que eu intento.
Às vezes imagino-me embalando:
Um porto, onde começa o meu destino.
Mas isso é só um desatino.
Até quando?
……………………
Lenha verde no lume,
Em sonho cada sonho se resume.
Pedro da Silveira, In “Primeira Voz”, Julho de 1942