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PÔR-DO-SOL

Sábado, 06.10.18

Era um velho marinheiro de longas barbas brancas salpicadas de sinuosidade, cabelos soltos e grisalhos a arfarem desejos entontecidos e um rosto petrificado de caligens e nostalgias. O peito, um deserto sulcado de penumbras e enigmas Sentava-se, sem hesitações e devaneios, todos os dias, à janela da sua velha casa, no cimo duma pequena colina, plantada entre a rocha e o mar, simplesmente para ver o Pôr-do-Sol. A janela ficava voltada para o oceano que calcorreara tantas vezes e a casa virada a Oeste. Sentado num enorme cadeiral de vimes, ali permanecia horas e horas à espera que o astro rei traçasse a sua trajetória sobre o pequeno povoado, sobranceiro à colina e se perdesse no horizonte.

Mas não era apenas o Pôr-do-Sol que cativava a estima, a admiração e a curiosidade do velho marinheiro. Alta madrugada, também se levantava para poder observar os primeiros raios de claridade que rompiam a noite e a iam transformando em madrugada. Mesmo sem ver o Sol, mas sentia a presença inequívoca dos seus raios que se espelhavam lá por trás dos montes e que davam à madrugada um ar clarificante, risonho e prazenteiro. Depois aguardava com um sorriso ostentoso e confiante o seu aparecimento e o milagre da transformação das madrugadas em manhãs. E à tardinha, o velho marinheiro, regressando à sua janela voltada para o mar, observando mais uma vez o ocaso do astro rei, sentia-se feliz e contente na certeza expectante de que ele viria a nascer no dia seguinte. Então as manhãs eram virtuais, límpidas, perfumadas e com sabor a madressilva e a rosmaninho.

E o velho marinheiro, deleitava-se em dolente nostalgia como que hibernando numa comunhão profunda com aquela suprema potência da natureza.

E, no dia seguinte, à tardinha lá estava ele, outra vez, com um fulvo brilho nos olhos, à espera de mais uma espera.

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publicado por picodavigia2 às 00:04





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