PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A ANTIGA FREGUESIA DAS FAJÃS DESCRITA PELO PADRE CAMÕES
Continuando a percorrer a ilha de Ponta Delgada para Oeste, segue-se à distância, dizem, de 4 léguas, pouco mais ou menos, a freguesia das Fajãs, de que é orago Nossa Senhora dos Remédios. Te vigário, com o ordenado de 7 moios, 4 alqueires 1/4 8 de trigo e 11$666 reis em dinheiro; cura com 4 moios, 57 alqueires de trigo e 8$000 reis em dinheiro; e tesoureiro, com 1 moio de trigo e 6$000 reis em dinheiro; paga El-Rei à fábrica (da Igreja) 3$000 reis.
Esta freguesia é dividida em 6 povoações que, começando do Norte para o Sul são:
A Ponta da Fajã é a primeira a que se chega de Ponta Delgada, tem "juíz pedoneo" ou da "vintena", com seu escrivão, porteiro, "rendeiro do verde" e jurado, sujeitos à jurisdição de Santa Cruz; os soldados da Ordenança que nela existem são subordinados ao capitão da primeira companhia de Ponta Delgada; há nela 30 fogos onde residem 165 almas, a saber 81 homens e 84 mulheres; tem 50 cabeças de gado bovino, 160 de gado ovino, 40 de gado caprino e 80 porcos; nela existe 1 carpinteiro e 1 fragueiro. Não tem monte algum, pois é situada numa breve planície onde fica eminente uma disforme e altíssima rocha, que excede o dobro da largura da povoação. Dão à dita rocha 300 barças de altura. Esta mesma rocha continua e cerca toda a freguesia e suas povoações, à exceção da Caldeira do Mosteiro, que ficam fora, e para a parte Sul, e finda a dita rocha numa ponta a que chamam o Pontal, para cá da Ponta dos Bredos, bem conhecida nos mapas. Há na localidade 2 casas de telha e nenhum homem calçado. Existe nela um fortezinho muito antigo com uma casinha da guarda e outro chamado "a Mesquita", com uma casinha de guarda.
A Fajã Grande, passada a Ribeira das Casas, onde começa a jurisdição da Vila das Lajes, segue a povoação da Fajã Grande onde há uma ermida da invocação de S. José, na qual, havendo-o sempre os moradores desse lugar e os da Ponta, têm capelão, que lhes diga a missa, aos Domingos e dias de preceito, a quem pagam à sua custa. Isto por não lhes ser possível chegarem à paróquia (da Fajãzinha), principalmente nos meses de inverno, por impedimento da caudalosa Ribeira Grande - que separa aquelas localidades - e que certamente é a mais "brava e furiosa" de todas as ribeiras desta ilha. Desta grande consternação e urgente necessidade, têm feito várias súplicas a Sua Majestade, para lhes dar para lá um cura pároco, mas até aqui não houve decisão sobre este assunto, e a razão, ao que se conjetura, é por não terem chegado aos reais ouvidos de Sua Alteza os seus justíssimos clamores, por falta de agentes. Tem esta povoação da Fajã Grande 136 fogos, onde residem 495 almas, 240 homens e 255 mulheres. Tem "juíz vintenário" com seu escrivão, porteiro, "rendeiro do verde" e jurado, sujeitos à jurisdição da Vila das Lajes.
Tem 25 casas de telha, entre elas a melhor e mais bem edificada de toda a ilha e 12 homens calçados.
A Cuada segue-se sobre uma eminência a terceira povoação da freguesia, quase sobranceira ao mar, na qual há 122 almas - 61 homens e 61 mulheres - 2 casas de telha e nenhum homem calçado.
A Fajãzinha, passada aquela povoação encontra-se logo a Ribeira Grande, que divide a freguesia, como já se disse, e se registou a sua força e impetuosidade que certamente é grande.
Cai a referida ribeira de uma formidável cascata, eminente à freguesia da Fajãzinha, a que dão de altura 200 braças; a ela vêm sucessivamente incorporar-se e ajuntar-se todas as águas da rocha, que serve de demarcação à freguesia, desde Leste a Sudoeste - que vem a ser a Ribeira dos Ferreiros, 4 grotas, sem nome, provenientes da Rocha do Velho, a grota do Enchente, a grota da Santinha, a grota da Laje Negra e a grota da Picada, a engrossam e "enfurecem" tanto que no Inverno, e ainda mesmo, havendo chuvas, de Verão, a fazem inultrapassável. Basta dizer-se que tendo-se feito quase ao fim dela, perto do mar, por dirção do já referido Juíz de fora, Doutor José Gonçalves da Silva, em 1789, uma ponte de pedra - que para a ilha foi uma construção formidável, uma vez que continha 80 palmos de vão, 50 palmos de altura e 30 palmos de largura; era uma ponte muito bem feita, ao uso do Reino. Todavia, houve tal inundação e enchente, no dia 9 de Setembro de 1794, que não só derrubou a dita ponte, como nem sequer ao menos dela ficou o menor vestígio, nem rasto. A referida ribeira, saindo do seu leito natural ao desembocar no mar, deixou um largo areal com mais de 30 braças, uma perda para inestimável para os pobre lavradores que possuíam terras a ela contíguas, que foram todos arrastadas para o mar. Logo além da Ribeira Grande, a uma curta distância, sobre uma pequena eminência, fica a povoação da Fajãzinha, lugar assente da igreja paroquial de toda a freguesia, onde residem vigário e cura, que no princípio já se falou. Tem "juíz vintenário", escrivão, porteiro, "rendeiro do verde" e jurados sujeitos à jurisdição da Vila das Lajes. Há nela 142 fogos, onde residem 505 almas, 250 homens e 255 mulheres.
Há nesta freguesia duas lagoas que produzem belíssimas "eirozes" (ou enguias) e patos bravos ou marrecos. À primeira chamam Poço da Alagoinha e fica ao pé da rocha a Sul-sudoeste; tem uma pedra ao meio, é rasa com a terra e há-de ter 150 braças e a largura 100 braças, pouco mais ou menos. A segunda, a que chamam o Poço da Ribeira do Ferreiro, situa-se ao pé da rocha, onde cai a mesma ribeira a Leste; é também rasa com a terra, e há-de ter pouco mais ou menos 50 braças de comprimento e 30 de largura. Está formada nas três povoações - Fajãzinha, Fajã Grande e Cuada - uma companhia de ordenanças, com 1 capitão, 1 alferes, 5 tenentes, 3 sargentos e 218 soldados.
Já se disse que estas 4 povoações - Ponta, Fajãzinha, Fajã Grande e Cuada - são rodeadas por uma formidável rocha. Esta começa ao Norte e finda ao Lés-Sudoeste, ficando as ditas povoações numa grande profundidade, que configura uma caldeira quebrada, como se faltasse, até ao fundo, a terceira parte da sua circunferência.
A Caldeira. Saindo-se da Fajãzinha para a parte do Lés-Sudoeste por uma íngreme ladeira chamada a Ladeira do Portal, além da conhecida Ponta dos Bredos de que atrás se falou, a uma pequena distância fica uma pequena povoação chamada Caldeira, com 5 fogos, contendo 20 almas, 9 homens e 11 mulheres. Nela há 3 casas de telha e nenhum homem calçado.
Mosteiro, muito pouco para diante, ao Sul, segue-se a povoação do Mosteiro, em que há 31 fogos, nos quais residem 175 almas, 83 homens e 92 mulheres, que fica numa eminência muito alta. Tem 8 casas de telha e nenhum homem calçado. Há nela "juíz vintenário", com seu escrivão, sujeitos à jurisdição da Vila das Lajes. Os soldados da ordenança que há na referida aldeia são subordinados à 2ª companhia da Vila das Lajes. Tem duas ribeiras, uma chamada Ribeira do Mosteiro e a outra designada por Ribeira dos Ladrões, mas que os moradores conhecem como a Ribeira do Fundão, onde acaba a paróquia dos Remédios e começa a de Nossa Senhora do Rosário das Lajes.
Na freguesia dos Remédios, no ano de 1814, casaram 15 casais, nasceram 78 crianças e morreram 44 pessoas.
Padre José António Camões in "Memória da Ilha das Flores" (1815-1822) transcrição de Ana Monteiro in FB