PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O HOMEM DAS COUVES
Quando eu era criança, juntamente com amigos e colegas de escola, bem nos intrigávamos com aquelas estranhas manchas que se viam na Lua, sobretudo quando ela estava em fase de Lua Cheia.
A senhora professora, na escola, e um outro velhote mais erudito lá nos iam dizendo que a Lua era muito semelhante à Terra e que, como esta, estava dividida em continentes e oceanos e, por conseguinte, as manchas escuras que se viam eram os continentes enquanto as partes mais claras correspondiam aos oceanos.
Mas esta não era a opinião mais autorizada e convincente que circulava pela freguesia. Em casa os pais e os avós e na igreja as catequistas e as beatas afirmavam a pés juntos e até com fundamentos na Bíblia e na Doutrina Cristã, que não era assim e que essas malfadadas e desditosas opiniões rondavam a heresia e aproximavam-se da apostasia. Por isso convidavam-nos a um olhar mais cuidado, meticuloso e atento para o astro mais brilhante do firmamento depois do Sol. Se na realidade olhássemos a Lua com mais atenção, com mais cuidado e, sobretudo, com muita imaginação, veríamos lá um homem com um molho de couves às costas. Na realidade, assim era, pois, segundo esses acérrimos defensores da fé, dos bons costumes e da verdade, aquelas manchas eram, nada mais nem nada menos do que a imagem ou a figura de um homem com um molho de couves às costas. O desgraçado, em vida, tinha sido um descrente, um malvado, um ateu que não respeitara, nem a lei de Deus, nem os mandamentos da Santa Madre Igreja. Um homem sem escrúpulos, sem dignidade e sobretudo sem fé que nem ia à missa e, ainda pior, trabalhava aos domingos, nomeadamente acartando, às costas, molhos de couves.
Mas o energúmeno, após a sua morte, foi castigado por Deus, sendo colocado por Ele na Lua, carregando um molho de couves, ficando ali e para sempre com aquele enorme peso às costas, a fim de que todos o vissem, revissem e servisse como exemplo de que se não deve trabalhar ao domingo, dando cumprimento à lei de Deus e aos mandamentos da Santa Madre Igreja.