PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O PESCADOR E A SEREIA
(UM CONTO DE ÓSCAR WILDE)
Todas as noites um jovem Pescador saía para o mar e lançava as redes. Quando o vento soprava da terra, não apanhava nada, ou apanhava muito pouco, porque era um vento áspero, de asas negras, e altas vagas se levantavam para o defrontar; mas quando o vento soprava para a costa, o peixe subia das profundezas do mar, nadava para as malhas da sua rede e ele levava-o para o mercado e vendia-o. Todas as noites, saía para o mar e uma noite a rede estava tão pesada que ele mal podia içá-la para bordo. E, rindo, disse para consigo:– Por certo apanhei todo o peixe do mar ou algum monstro que maravilhará os homens, ou algum ente horrível que a grande Rainha há-de desejar. E puxou as cordas grosseiras com todas as suas forças, até as veias se lhe marcarem nos braços, como linhas de esmalte azul dum vaso de bronze. Puxou as cordas e cada vez se aproximava mais o círculo das pequenas bóias de cortiça, até que, por fim, a rede veio à tona de água. Não havia lá, porém, nenhum peixe, nem monstro, nem ente horrível, mas tão-somente uma pequena Sereia, adormecida. Os seus cabelos eram como um velo de ouro molhado e cada cabelo separado um fio de ouro numa taça de cristal. O corpo era branco como marfim e a cauda de prata e madrepérola. De prata e madrepérola era a sua cauda e as algas verdes do mar enrolavam-se em volta dela; como conchas do mar eram os seus ouvidos e os lábios como coral. As ondas frias batiam nos frios seios e o sal brilhava-lhe nas pálpebras. Tão formosa era ela que o jovem pescador ficou cheio de admiração quando a viu, puxou mais a rede e, debruçando-se na borda, tomou-a nos braços. E, quando lhe tocou, ela soltou um grito como de gaivota assustada, acordou, olhou-o com os olhos de ametista cheios de terror e lutou para se escapar. Ele, porém, apertou-a muito de encontro a si e não a deixou partir. E, quando ela viu que não podia fugir-lhe, começou a chorar e disse-lhe:
– Peço-te que me deixes partir, porque sou a única filha dum rei e o meu pai é velho e sozinho.
Mas o Pescador respondeu-lhe:
– Não te deixarei partir sem que me prometas vir cantar para mim sempre que eu te chame, porque os peixes adoram ouvir os vossos cantares e assim estarão sempre cheias as minhas redes.– E realmente deixar-me-ás partir, se eu to prometer? – Inquiriu a Sereia.
– Na verdade, deixar-te-ei partir – tornou o Pescador.
E ela fez-lhe a promessa que ele desejava: palavra de Sereia. Então o Pescador soltou-a dos braços e logo ela mergulhou na água, trémula de receio. Todas as noites saía o Pescador para o mar e chamava a Sereia e ela surgia das águas e cantava para ele.
Óscar Wilde, O Rouxinol e a Rosa