PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
AS TÊMPORAS DE SETEMBRO E AS ROGAÇÔES
As Têmporas eram dias de penitência e oração estabelecidos pela Igreja Católica e que, outrora constavam no calendário litúrgico. Foram estabelecidas pelo papa Gregório VII, em 1078 e celebravam-se quatro vezes no ano, coincidindo, mais ou menos, com os equinócios e os solstícios. Assim tínhamos têmporas na 3ª semana do Advento (Dezembro), na 1ª semana da Quaresma (Março), na semana a seguir ao Pentecostes (Junho) e, finalmente, na 3ª semana de Setembro.
Os dias semanais dedicados às Têmporas eram a quarta, a sexta e o sábado, sendo a sexta o dia “mais forte” e que, como tal, tinha estatuto igual ou semelhante ao das sextas-feiras da Quaresma, incluindo a obrigação da abstinência, dado que a do jejum, nestes dias, era abolida com a compra das bulas e dos indultos papais. A cor litúrgica era o roxo, inclusive nas Têmporas do Pentecostes e nas de Setembro.
Crê-se que as Têmporas tenham tido a sua origem nos préstitos e sacrifícios que os pagãos costumavam fazer ao longo do ano e por altura do semear e do recolher dos produtos agrícolas, para, no primeiro caso, pedirem aos deuses boas colheitas e, no segundo, para lhes agradecer a eficiente recolha das mesmas. Daí que as Têmporas, nomeadamente as de Setembro, tenham estado, depois de cristianizadas, geralmente ligadas ao trabalho dos campos, incluindo procissões através dos campos, chamadas Rogações.
Na Fajã Grande e, provavelmente, em todas as freguesias açorianas, as Têmporas mais celebradas eram as de Setembro. As do Advento e as da Quaresma enquadravam-se em tempos litúrgicos já de si dedicados à oração e à penitência e onde predominava o roxo, como cor litúrgica. As do Pentecostes seriam naturalmente pouco notadas devido à grandiosidade e durabilidade que as festas de Espírito Santo tinham e têm, nos Açores. Daí que as de Setembro, agendadas num tempo litúrgico em que mais nada se celebrava, tivessem maior relevo e fossem mais solenizadas. Acrescente-se ainda o facto de se realizarem por altura das colheitas, no fim do Verão, quando geralmente se verificavam dias e dias sem chover, o que obviamente prejudicava a produção agrícola. Daí as Rogações, realizadas todos os anos por esta altura e que eram vestígios claros dos préstitos pagãos acima referidos, nos quais tiveram, obviamente, origem.
Assim, nos dias de Têmporas de Setembro, de manhãzinha, muito cedo, após a missa, que tinha uma afluência muito semelhante à dos Domingos, organizavam-se as “Rogações”. Eram procissões de penitência e oração, sem Santos e sem andores, onde apenas seguia a cruz paroquial, revestida de manga roxa. Depois os homens, a maior parte de opas, as mulheres de cabeça coberta e no fim o pároco, revestido de pluvial roxo e de hissope em riste, que ia, sucessivamente, molhando na caldeirinha que o sacristão segurava e com o qual aspergia e benzia os campos por onde a procissão passava, ao mesmo tempo que entoava, em latim e enquanto os sinos dobravam, a ladainha de todos os santos. Entre muitas outras invocações o pároco cantava:
- “Ut fructus terrae dare et conservare digneris.”. (Que Vos digneis dar-nos e conservar os frutos da terra).
- “Te rogamus audi nós.” (Nós Vos rogamos, ouvi-nos) – implorava o povo.
Por vezes, noutras alturas do ano e sempre que faltava chuva, originando períodos de seca prolongada que prejudicavam seriamente a produção agrícola e, indirectamente, a pecuária, também havia Rogações mas com pequenas diferenças das realizadas nas Têmporas: eram pedidas pelo povo e o pároco levava uma pequenina e velha imagem de Sant’Ana, (substituída mais tarde por uma nova, tendo a primitiva desaparecido misteriosamente), à qual se dirigiam vários cânticos e preces, seguidas das ladainhas.
As procissões das Rogações normalmente percorriam as Courelas, Rua Nova, a Via d´Agua e a Tronqueira, ou seja as zonas onde as terras eram mais próximas do mar, atingidas pela salmoira, mais secas e onde a recolha dos produtos agrícolas se verificava mais cedo.
Para gáudio de todos e para fortalecimento e solidificação da fé, geralmente chovia, alguns dias após as Rogações. Não estivéssemos em Setembro e nos Açores!