PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
MESES E OSSOS
Na escola primária, nos antigos e limitadíssimos tempos dos anos cinquenta, éramos obrigados a fazer o exame da quarta classe, o qual já exigia muito de nós. Mas a verdade é que, nessa altura, não dispúnhamos de computadores, nem de consolas, nem de iphones, nem sequer de uma simples enciclopédia juvenil que apoiasse os nossos estudos, nos ajudasse nas aprendizagens e, assim, superássemos as dificuldades. Mas o exame da quarta classe, naquela altura, era muito exigente e, para além de ler e escrever correctamente, tínhamos que saber tudo de cor, as preposições, os nomes dos reis, dos rios e das serras, os nomes dos ossos de cada um dos dedos das nossas mãos e até distinguir os meses do ano que tinham trinta dias dos que tinham trinta e um. Para conseguirmos memorizar toda esta panóplia de conhecimentos, tendo em conta o que tínhamos aprendido durante o ano, havia que recorrer de facto à nossa memória. Mas esta falhava, vezes sem conta, por isso havia que arranjar artifícios, construir subterfúgios, criar cábulas que nos pudessem ajudar, nos momentos de aflição e de angústia que eram os exames, quando éramos obrigados a deitar cá para fora tudo o que, supostamente, deveríamos ter aprendido.
Era o que acontecia com os meses do ano, que nos pareciam todos iguais. Era difícil a nós, criancinhas inexperientes, distinguir os meses que tinham trinta dias dos que tinham trinta e um. Para decifrar este enigma recorria-se ao metacarpo de uma das nossas mãos que contém, quando fechada em forma de soco, cinco ossos salientes separados por quatro espaços mais baixos, formando uma espécie de quatro vales intercalados com cinco montes. Estes correspondiam aos meses de trinta e um dias e os vales aos de trinta. Começávamos então a contar os meses do ano, assinalando um mês com um osso e o seguinte com um vale. Era certo e sabido... O primeiro era Janeiro com trinta e um e por aí adiante. Quando chegava ao quinto osso estávamos em Julho com trinta e um dias e, voltando ao início da mão, encontrávamos Agosto também com os seus trinta e um dias. A partir daí era só continuar até chegar a Dezembro que terminava num monte e tinha trinta e um dias.
Outro recurso que adoptávamos, neste caso ao contrário, isto é, nós servíamo-nos de algo para recordar nomes de ossos. Era o que acontecia quando, para trazermos à memória a difícil nomenclatura dos ossos dos dedos da mão, recorríamos aos nomes de três freguesias da costa oeste da ilha das Flores: Fajã, Fajãzinha e Lajedo. Assim, devido à semelhança fonética, recordávamos, facilmente, os nomes dos ossos: falange, falanginha e falangeta. Claro que ficava o Mosteiro de fora, mas… como era a freguesia mais pequena das Flores, talvez, por isso mesmo, era castigada.
Acresce dizer-se que, no caso dos dias dos meses, os nossos avoengos haviam-nos ensinado uma quadra com a qual também se distinguiam, facilmente, os meses com mais um dia e que rezava assim:
«Trinta dias tem Novembro,
Abril, Junho e Setembro.
Só vinte e oito terá um,
Os outros mais trinta e um.»