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A SERRA PRADA (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)

Sábado, 14.12.13

Quarta Feira, 31 de Julho de1946

 

“Hoje vou falar duma serra da Califórnia que conheço muito bem, mas que poucos conhecem, a Serra Prada. Esta serra pertence ao monte «Vitenei», situado no condado de Inio, na Califórnia, Aos anos que por lá andei… mas ainda me lembro muito bem dos nomes de todos estes lugares, mas sei muito bem que não é assim que se escrevem. Eu não os sei escrever em americano. O tal monte «Witenei» era altíssimo, era uma altura que era uma coisa feia, parecia uma coisa do outro mundo! Diziam que tinha mais de quatro mil metros. Quando lá estive só um homem tinha conseguido subi-lo até lá acima, Ele é um daqueles montes que estão à volta da Serra Nevada, situada no interior da Califórnia. Os americanos dizem que é uma «mountain range» que em português significa cordilheira! Por lá andei muitos anos, da segunda vez que fui à América e conheço muito bem aqueles sítios. Ainda me lembro daquilo como se fosse hoje! Lá chove como Deus a dá e os montes estão cobertos de «senou» quase todo o ano. Lembrei.me desta serra porque hoje eu soube que, há dias, morreu em Ponta Delgada o Bernardo, um grande amigo com quem por lá andei. Muitos dos que são da minha idade já vão morrendo!

Vou pois falar da Serra Prada onde vivi mais de meia dúzia de anos a pastorear gado, juntamente, com o meu amigo Bernardo. A serra fica voltada, para oeste, isto é para o lado mar, por isso lá chove muito e cresce muita vegetação. Deste lado, a serra parece uma enorme manta verde, onde existem muitas espécies de animais e, sobretudo, muitas plantas, algumas que eu nunca vi por aqui. O solo é muito húmido, quente e profundo e nele as árvores de grande porte podem cravar muito bem as suas enormes e espessas raízes e as plantas mais pequeninas encontram, ali, as condições ideais para viver. Nas zonas mais altas e frias, existe uma grande abundância de abetos, pinheiros, e muitas outras árvores que os americanos chamavam «coníferous trees», que são árvores que conseguem sobreviver aos rigores e às tempestades dos Invernos gelados. Mas com o «senou» que cai no Inverno, todos os dias, a serra fica muito branquinha e parece um cobertor branco, que, a pouco e pouco, se vai tornando esverdeado, à medida que os blocos do «senou? vão deslizando pelos caules e pelas folhas das árvores. Nas zonas mais baixas e quentes, hostis às investidas invernais dos nevões, surgem, por todo o lado, freixos, faias, ulmeiros, carvalhos e outras árvores de folhas largas, mas que também não resistem às intempéries dos Invernos mais rigorosos, misturando as suas folhas caídas com as camadas arbustivas de aveleiras e espinheiros e com as ervas e plantas mais pequenas, como fetos, campainhas, prímulas, anémonas e violetas que, na Primavera, tornam a serra muito bonita, dão-lhe um tom colorido de amarelo, lilás, azul e anil. A serra é, assim, um manto de beleza infinita e infindável, encimada por dois montes, em forma de cone, talvez dois grandes vulcões, como temos aqui na ilha do Pico. Mas ninguém se lembra de quando é que aqueles vulcões deitaram fogo, Dizem que foi há milhões de anos! Também existem por ali mutos animais. A fauna daquela serra é rica e diversificada. O chão, repleto de folhas amarelas, alaranjadas, e castanhas, é povoado por uma infinidade de borboletas multicolores, insectos azulados e muitos outros bicharocos muito pequenos, mas activos e laboriosos como as formigas, que se alimentam de flores e dos frutos. As plantas e os animais minúsculos, por sua vez, servem de alimento aos maiores, nomeadamente aos mamíferos e às aves.

A Serra Prada era muito bonita. Já naquela altura como que atraia os que a procuravam, porque era duma beleza rara, radiante, enternecedora e transcendente. A natureza deu-lhe tudo. Regatos e rios correm por ali suavemente, por vezes entremeados por pequenas cascatas que lhe conferem uma graciosidade ainda maior, ou, então, perdem-se, formando pequenos lagos no meio da intensa e variada vida que se orgulha de manifestar.

A sua maior riqueza, no entanto, residia nas suas pastagens de erva tenrinha e fresca É verdade que eram boas pastagens para vacas, mas eram sobretudo rebanhos de ovelhas que ali se criavam e foi a pastorear rebanhos que mais trabalhei. Mas também trabalhei nas terras de fruta que há muita por ali: cerejas, amoras, framboesas, groselhas, morangos, maçãs, alperces, nectarinas, damascos, etc. Nas terras mais baixas cultivam-se muitas outras árvores de frutos e até há frutos selvagens.

Aquela serra era um autêntico Paraíso Terreal, tal qual aquele onde viveram os nossos primeiros pais, Adão e Eva. Como me lembro daquela serra e dos anos que lá passei a trabalhar mais o meu amigo Bernardo Que Deus o tenha na Sua Santa Glória.”

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publicado por picodavigia2 às 22:11





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