PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A PULGUEIRA
Apesar de difícil e, por vezes, quase improfícua, é muito gratificante e deveras atraente a tarefa de se descobrir ou pelo menos tentar descortinar não apenas o significado mas também e, sobretudo, as razões que terão levado os nossos antepassados e primeiros povoadores da Fajã Grande a por um nome a este ou aquele sítio, isto é, a todos e a cada um dos mais de duzentos lugares dispersos pelos 12,55 quilómetros quadrados que constituem a área desta freguesia e que ainda existem com os mesmos nomes, embora alguns deles, hoje, estejam quase abandonados ou esquecidos.
Na Fajã Grande, como naturalmente nas outras freguesias da ilha e dos Açores, existem topónimos muito interessantes e com um significado histórico muito intenso e rico.
Um dos mais curiosos e extravagantes topónimos fajagrandenses é o de “Pulgueira”. Esta palavra, no feminino, não existe na língua portuguesa e, no masculino é muito pouco usada, sendo utilizada apenas no sentido burlesco, significando, neste caso e de acordo com a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, “cobertor”. Assim, pode concluir-se que este topónimo foi criado, pelos nossos antepassados, expressamente, para dar nome a um lugar da freguesia, o que é revelador da sua sabedoria e do seu espírito criativo.
A Pulgueira é um lugar situado no mato da Fajã Grande, que abrange uma enorme extensão de terreno, desde o Queiroal até à Água Branca e ao Rochão do Junco, confrontando e penetrando, a este, no concelho de Santa Cruz. Como a maioria dos lugares do mato da Fajã, a Pulgueira era sítio distante das casas e povoado de pastagens extensas e pouco férteis, onde se lançava o gado alfeiro, sobretudo no verão, dado que ficando longe de casa não permitia uma cansativa e demorada deslocação diária àquelas terras, por parte dos seus proprietários. No entanto, uma boa parte da Pulgueira não tinha dono, isto é, pertencia a uma zona comunitária chamada “concelho”, onde eram lançadas, soltas e sem acompanhamento humano, as ovelhas de todos os habitantes da freguesia que assim quisessem e bem entendessem.
A origem deste topónimo terá naturalmente a ver com a palavra donde, aparentemente, deriva ou seja “pulga” a que se adicionou o sufixo “eira” que também significa “local onde se coloca ou onde existe alguma coisa”. Assim como, por exemplo, estrumeira é um lugar onde existe estrume, pulgueira, se fosse palavra portuguesa, significaria um lugar onde existem pulgas. Ora como no mato, o gado era frequente e continuamente, atacado por um insecto parasita, chamado “pulgão”, que se assemelhava a uma pulga gigante, que não existia junto do povoado, nem nas terras baixas, é muito provável que esta zona dos matos da Fajã fosse mais fecunda em pulgões ou pulgas do mato. Terá sido decerto esta a razão pela qual os nossos antepassados inventaram e criaram este interessante e significativo topónimo: “Pulgueira”.
Situado bem lá no coração da ilha das Flores a Pulgueira ficava muito distante do povoado e, por isso, poucos eram os habitantes da Fajã que para lá se deslocavam, a não ser nos dias de Fio, quando, alta madrugada, iniciavam a tarefa de juntar das ovelhas, soltas e dispersas por aquele e por muitos outros lugares dos matos da Fajã e até da Fajãzinha e de Santa Cruz, conduzindo-as, de seguida, até ao Curral das Ovelhas, no Rochão Tamusgo, a fim de serem tosquiadas.