PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
RODAS
Um dos brinquedos mais utilizados pelas crianças do sexo masculino, na Fajã Grande, na década de cinquenta, eram as famosas “rodas” também conhecidas, simplesmente, por “rodinhas”.
Mesmo antes de se abrir e inaugurar a estrada que actualmente liga os Terreiros à Fajã Grande, quase todas as crianças da freguesia, numa ou outra ida às Lajes ou a Santa Cruz, tinham tido a oportunidade de ver um automóvel, uma moto ou, simplesmente, uma bicicleta e sabiam que os elementos mais importantes desses veículos eram por um lado a roda e, por outro, o guiador ou o volante, o qual permitia que fosse o ser humano a orientar ou a conduzir veiculo. Os que não sabiam, aprendiam-no com os outros. Assim, o sonho de todas as crianças da freguesia, na altura, era conduzirem ou serem os responsáveis pelo destino de qualquer coisa que rolasse.
Muito provavelmente terá sido neste contexto que terão tido origem as célebres “rodas”, muito utilizadas na Fajã Grande e, provavelmente, em muitas outras localidades, pela ganapada. Tratava-se de um brinquedo muito simples e que, anos mais tarde, começou a circular no mercado, mas fabricado de plástico. Na Fajã havia rodas de várias formas, tamanhos e feitios.
Basicamente, este brinquedo consistia numa roda de madeira, com um eixo ao centro que se prendia numa haste bifurcada, na qual o eixo era preso e à volta da qual a roda circulava com um empurrão ou, simplesmente, com uma leve pressão do corpo. Com a extremidade oposta à roda encostada ao ombro, a haste tinha mais ou menos ao meio uma tira de madeira, uma espécie de guiador, que permitia à criança, com as suas próprias mãos, decidir e orientar o percurso a percorrer pelo rolar da roda. As rodas, geralmente, eram de madeira e fabricadas por carpinteiros ou pelos próprios, se mais habilidosos. Havia-as de tamanhos muito diferentes e muitas delas eram protegidas no bordo exterior, por uma borracha, a fim de se conservarem por mais tempo. A haste, porém, nem sempre era de madeira, uma vez que esta era mais difícil de conseguir-se, por isso, regra geral recorria-se a uma cana do Outeiro, que por lá havia muitas, escolhendo-se as mais grossas e robustas. Depois era só fazer-lhe o encaixe, prender-lhe a roda e amarrar-lhe ao meio, com um simples fio de espadana, o guiador. Havia rodas que mesmo encostadas ao ombro não tinham guiador enquanto outras, mais simples e de menor raio, tinham a haste tão pequena que eram empurradas apenas pela mão e, muitas dessas, também tinham na extremidade da haste um guiador, que era conduzido com ambas as mãos. Muitas vezes adaptavam-se rodas velhas, já sem uso, de ferro, de latão ou de outra coisa qualquer e encontradas aqui ou além. Outras vezes adaptava-se a roda tudo e qualquer coisa que fosse redondo, como tampas velhas, rolhas grandes ou fundos de latas. Toda a velharia que já não tivesse uso e rolasse, servia, perfeitamente, para construir este interessante e muito apreciado brinquedo.
Com excepção da roda de madeira que deveria ser feita por um carpinteiro, tudo o resto, que constituía quer o essencial quer o acessório deste brinquedo, era construído pelo próprio utente, a não ser no caso dos mais pequeninos que geralmente tinham a ajuda do pai ou de outro familiar adulto.
Depois… Bem, depois era um regalo ver as ruas, apesar do seu piso sinuoso, apinhadas de miudagem a circular para cima e para baixo, a provocar autênticos engarrafamentos, conduzindo as “rodas” como se fossem autênticos e verdadeiros automóveis. E não é que a ganapada, de tão entusiasmada e convicta, até com as suas vozes imitava e fazia ouvir o frenético roncar dos motores e a singularidade específica das apitadelas!? “Brroomm, brroomm!” e logo a seguir “Pi, pi! Pó, pó”, em catadupa! Era o nunca mais acabar de barulho de motores, alternado com buzinadelas
Mas a vontade de conduzir um veículo, mesmo em pensamento, era tanto e tão grande, que muitas crianças, mesmo não possuindo a “roda”, punham-se a correr, para baixo e para cima, junto com os outros ou sozinhos, simulando com as mãos o acto de conduzir e imitando com os ruídos da voz o roncar dos motores e das apitadelas.