PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
AS PELES DAS OVELHAS
Na Fajã Grande, salvo raras excepções, as ovelhas eram criadas no mato, à solta, todas em conjunto, sendo recolhidas para a tosquia duas vezes por ano, nos chamados dias de “Fio”. Um em Março outro em Setembro.
Muitas famílias, num ou noutro desses dias, para além de sacos e sacos de lã, traziam do mato para casa uma ovelha ou um carneiro, para abater, conseguindo, assim, melhorar o seu cardápio, nos dias subsequentes ao “Fio” ou então guardavam e alimentavam o ovino até à altura da festa mais próxima ou mais importante, a fim de, nesses dias, garantir refeições melhoradas, uma vez que a carne de vaca, para além de cara, rareava na freguesia.
Mas não era apenas a carne que se aproveitava do ovino abatido. Primeiro a ovelha ou carneiro era tosquiado com muito cuidado, a fim de que a pouca lã que lhe sobrasse no corpo ficasse muito bem aparada e direitinha. Só então se matava o bicho, esfolando-o também com tal cuidado que a sua pele ficasse totalmente inteira e sã, a fim de ser aproveitada para uso doméstico. Para tal, limpava-se muito bem do sangue e das gorduras e depois esticava-se com umas canas pontiagudas nas extremidades. Duas prendiam-se na pele correspondente às patas dianteiras, cruzavam-se sobre o lombo e voltavam a prender-se nas patas traseiras, formando um X. Depois e com uma terceira cana esticavam-se as pontas abertas da barriga, cruzando-a sobre as primeiras de forma a formar uma espécie de papagaio de papel. Assim, bem esticada, a pele aguardava por um dia que fosse de cozer pão, a fim de que, retiradas as brasas, depois do forno estar aquecido, estas fossem colocadas sobre a pele, queimando-a e secando-a como se fosse a pele de um tambor. Esta operação repetia-se tantas vezes quantas fossem necessária para a pele ficar bem seca, bem queimada e bem esticada. Finalmente a pele era muito bem lavada de ambos os lados e colocada ao sol, a secar. Estava assim conseguido uma espécie de pequeno lençol que era colocado sobre os colchões de casca ou de palha dos berços dos bebés ou das camas de alguma criança maior, mas ainda incontinente. A pele da ovelha funcionava assim como uma espécie de lençol, acolchoado e impermeável que tinha uma dupla função: aquecer o corpinho do pequerrucho e impedir que o chichi, eventualmente expelido durante a noite, não alagasse os lençóis e os colchões das camas ou dos berços.
Na Fajã Grande, as peles das ovelhas, os primeiros animais a serem domesticados pelo homem, cerca de 9000 anos antes do Nascimento de Cristo, para quem não tinha crianças ou abatia mais do que uma ovelha, eram utilizadas como capachos e tapetes, colocados sobretudo nas salas e mais ainda nos quartos de dormir, onde as pessoas geralmente andavam descalças e com os pés lavados. Acrescente-se que estes tapetes eram de grande utilidade por quanto a lã das ovelhas para além de repelir as nódoas era muito resistente, pelo que estes tapetes e capachos tinham longa duração. Para os obter, o processo de secagem das peles era igual ao realizado para transformar as peles em lençóis para os berços.