PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
NATAL DE ONTEM E DE HOJE
Num canto da sala, alcatifada e muito bem aquecida, junto à televisão, a mãe erguera-lhe a árvore de plástico, comprada numa promoção do Continente. Encheu-a de bolas de mil cores, de lâmpadas a piscarem alternadamente e pendurou-lhe sininhos de chocolate embrulhados em papéis prateados, debruados ornados a amarelo. De seguida, dirigindo-se ao garoto que, sem pestanejar, não tirava os olhos da “consola” que lhe algemava todos os gestos, movimentos, palavras e olhares, impedindo-o de qualquer contacto recíproco com quem quer que fosse, perguntou-lhe:
- Alvarinho, já escreveu ao Pai Natal, a pedir as prendas?
O garoto continuava absorto, alheado e insensível ao que quer que fosse, indiferente a quem dele se aproximasse, mouco perante quem com ele falasse.
A mãe insistiu:
- Alvarinho, já pediu as prendas ao Pai Natal?
O miúdo nada. A mãe repetiu mais uma vez, uma outra e ainda outra. O resultado, porém, foi o mesmo ou parecia ser pior ainda, uma vez que quanto mais a mãe repetia a pergunta mais o garoto parecia imiscuir-se nos meandros daquela pequena mas atractiva obra das novas tecnologias.
A mãe desistiu e, dando mais uns arranjos à árvore e colocando na mesinha ao lado um presépio de porcelana branca da Vista Alegre que retirara de um dos armários da sala, dirigiu-se para a cozinha, com a denodada intenção de orientar a empregada, na confecção das rabanadas, dos formigos, da aletria, dos sonhos, das filhoses e dos outros doces de Natal. Tudo deveria ficar pronto naquela tarde. Apenas o bacalhau, as couves, as batatas, a canja e o peru recheado ficariam para o dia seguinte, para a véspera de Natal.
O avô Álvaro, sentado numa confortável poltrona, no outro canto da sala e que se havia deslocado dos Açores exclusivamente para passar o Natal com o filho, a nora e o neto que moravam no Continente, observando aquilo tudo, quebrou o silêncio e contestando o que acabava de observar, comentou:
- Isto é que são tempos modernos! Quando eu era criança, o Natal era muito diferente deste Natal de hoje. Nem sequer existia o Pai Natal ou pelo menos não chegava às casas das crianças açorianas. No meu tempo quem dava as prendas era o menino Jesus. E que prendas, meu Deus. Por vezes não havia nada. Outras vezes um embrulho de figos passados. Era eu que fazia o presépio, era eu que preparava e arrumava tudo, de fio a pavio. E ficava tão feliz. Que diferença, meu Deus! Que diferença!
Levantou a cabeça. Um dos canais da Televisão transmitia, em directo, a festa do Natal dos Hospitais. Um dos apresentadores anunciava um convidado especial que iria dar o seu testemunho de Natal. Instintivamente ou porque já estivesse cansado, Alvarinho desligou a consola e também olhou a televisão. O entrevistado afirmava:
- …Mudam-se os tempos, mudam-se os costumes. Antigamente era o menino Jesus que trazia os presentes e hoje é o Pai Natal, o melhor amigo das crianças. Antigamente eram as crianças que construíam os seus presépios, hoje compram-nos feitos e as árvores de Natal são de plástico, compradas nos supermercados ou nas lojas dos chineses. Mas o espírito do Natal esse é o mesmo e, hoje como ontem, o mundo, nessa noite mágica, enche-se de paz, de amor, de alegria. Isso é o mais importante. Ontem como hoje o espírito do Natal é o mesmo, as vivências, os hábitos e os costumes das pessoas é que constroem um mito natalício diferente. Ontem como hoje, o Natal é, sem sombra de dúvida, uma festa de amor, de compreensão e de paz, sentimentos que devemos preservar e que as crianças, melhor do que ninguém, nos conseguem transmitir. Feliz Natal para todos!
Avô e neto olharam-se, reciprocamente, e sorriram.