PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
ALENTEJO
O Alentejo nem sempre teve o vigor e a beleza que hoje se reflectem quer na imensidade das suas planícies, quer na alta nobreza dos seus montados de sobro e azinho, ou ainda no esteval cerrado, na giesta ramalhuda ou no piorno em mata, que por toda a parte florescem. Hoje, a terra senão fecunda é atraente, a planície senão fértil é serena e dos seus rios transborda uma esperança de tranquilidade quase transcendente e infinita. Há qualquer coisa de imponente na sua aridez, na sua secura e no seu aspecto semidesértico. A paisagem transtagana transporta-nos na contemplação dum idílio permanente e bucólico entre o céu e a terra, numa aspiração infinita de sonhos transcendentes e inatingíveis. Se por um lado, o Alentejo é um sertão árido, uma gândara ou um chavascal povoado de feras e de uma secura desesperante, por outro é um recanto ubérrimo onde a paisagem tem um cunho de grandiosidade e beleza que se impõem em cada momento e em cada espaço Delimitado pelas serras de S. Mamede e do Monchique, pelo Oceano Atlântico e pela serra Morena, já em Castela, é uma vastidão de planícies, fragmentadas pelas serras de Ossa, Monfurado e Portel e banhada pelos rios Tejo, Guadiana, Mira e Sado.
Assim como a terra, a sua grei também tem uma fisionomia especial, estigmatizada numa nobre independência e numa contumaz personalidade. Altivo e trabalhador, atlante de bondade e carinho, o povo alentejano mistifica-se numa mudez de reflexão e num silêncio observador, com um coração aberto e uma alma hospitaleira. Marca a sua individualidade, não apenas quando veste o pelico ou quando calça os safões, mas quando na sua rudeza e simplicidade manifesta a sua idiossincrasia, quer através da sua linguagem salpicada de frases típicas e de termos próprios e impressivos, quer por meio dos seus cantares e tradições, das suas festas e folguedos. A sua maneira de falar e de dizer, a riqueza e a variedade dos seus vocábulos transmitem-nos a sensação duma polifonia sublime e transcendente, repleta de irisações que o tempo e os homens, lentamente, mistificaram.
O Alentejo é, além do mais, um manancial infinito de costumes e tradições, muitas das quais, apesar de perdidas no tempo, reflectem o Alentejo árido de outrora, povoado de criações míticas e mitológicas, multisseculares, dos povos que séculos após séculos, milénios após milénios o foram povoando e construindo, na inevitável tarefa de o dominar e transformar, civilizando e domesticando os elementos da natureza.