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OS ANTIGOS PRESÉPIOS NA FAJÂ GRANDE

Quarta-feira, 25.12.13

Na Fajã Grande, e creio que em todas as localidades açorianas, nos anos cinquenta, sobretudo nas casas onde havia crianças, faziam-se, sempre, presépios, por altura do Natal. Grandes presépios, bonitos presépios! Presépios com uma gruta que abrigava a Virgem, o Menino e São José, com montes, com rios e lagos, com pontes, estradas e terras, com o palácio de Herodes, com igreja e com casas, entre as quais personificava uma muito especial, localizada num dos cantos do presépio. Era a casa de Barbearias, uma casa pobre, humilde, pequenina e a mais distante da gruta.

Na minha casa, apesar de pobre e pequenina, todos os anos, pelo Natal, num dos cantos da sala, armava-se um gigantesco e descomunal presépio. O presépio era muito bonito e grande, ocupando rigorosamente uma boa terça parte da sala e nele, para além da gruta e das figuras religiosas, havia de tudo: montes, vales, caminhos, ribeiras, pontes, casas, igreja, pessoas, animais, carros, uma enorme estrela e até um avião.

No canto da sala eram colocados bem encostados à parede cestos velhos, tábuas retiradas das caixas de sabão, achas de lenha, caixotes de papelão e outro entulho, de modo a formarem uma espécie de monte, com uma furna ou gruta feita com um dos cestos ou dos caixotes. O dissimulado monte era muito bem coberto e forrado com leivas de musgo que íamos apanhar ao Outeiro, enchendo e carregando pesados cestos. No monte pastavam um sem números de ovelhas branquinhas, desenhadas e recortadas em papelão, nas quais se colavam pedacinhos de lã, mas apenas do lado que estavam voltadas para o público. A gruta, escura mas aconchegada, ficava encravada bem no meio do monte e também era coberta e forrada com musgo. O chão era de palha e lá se colocava uma manjedoura, feita de pequenas tabuinhas, à volta da qual estavam a vaca e o burro, ambos deitados. Ao lado apenas as imagens de São José e da Virgem, dado que o Menino só era colocado na manjedoura, na noite de Natal e os pastorinhos, carregadinhos com ofertas, só apareciam no dia seguinte. Sobre a gruta estava colocado um anjo e sobre este, mas suspensa do tecto por um barbante, uma enorme estrela feita com papéis brilhantes. Muitas das imagens eram de barro, mas a maioria era de cartão e forradas com papel colorido ou pintadas. Circundando todo o monte e em frente à gruta, já sobre o soalho, era construído o enorme povoado, com casas, nas quais se incluía, do lado esquerdo, o sumptuoso palácio de Herodes e do direito, muito longínqua e retirada, a pobre, humilde e pequenina casa de Barbearias. Segundo uma lenda antiga, esta casa que São José demandara para ir buscar lume para aquecer a água para lavar o Menino, dado que todas as outras lhe haviam fechado as portas e recusado ajuda. Finalmente e bem no centro e ao lado da gruta ficava a igreja. Todas estas construções eram feitas com caixas de sapatos e outros papelões que íamos pedindo aos comerciantes, nos meses que antecediam o Natal e nas quais desenhávamos e recortávamos as portas, as torres e as janelas, sendo-lhes colados os telhados com papel canelado. Todas elas também eram pintadas ou se lhes colava papel colorido e, por dentro das janelas, eram visíveis os cortinados multicolores. Ao redor das casas ficavam pequeninas propriedades, feitas de musgo ou areia e divididas por pedrinhas, onde havia um sem número de vacas, porcos, galinhas e alguns cavalos. Casas e terras eram ligadas por caminhos feitos de areia e ladeados por pequeninos seixos trazidos da beira-mar. Por toda a parte estavam colocados pratinhos com trigo já crescido e muito verdinho que havia sido posto a germinar uns dias antes.

Construía-se assim uma espécie de pequenina cidade ou gigantesca freguesia, geralmente, atravessada por um rio ou ribeira que nascia no monte e por ele descia em ziguezague, até a um enorme lago. Este era feito com areia e pedacinhos de vidro, assim como o rio, cujo curso era atravessado por pontes, umas de barro outras feitas com pequeninos paus, cortados e amarrados uns aos outros. No monte havia pastores, pelas ruas circulavam homens e mulheres e animais uns de barro outros de papelão, devidamente recortados e pintados.

Os Reis Magos apenas eram colocados no dia de Natal, mas muito distantes da gruta. Desciam o monte, a passo lento, passavam junto ao palácio de Herodes, onde paravam e todos os dias andavam um bocadinho, de maneira a que, no dia seis de Janeiro, chegassem à gruta.

O meu presépio era um dos maiores e mais bonitos da freguesia e, por isso, entrava muita gente em minha casa para o ver.

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publicado por picodavigia2 às 14:50





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