PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O COELHO E A COELHA
Mais um rimance, recolhido por Pedro da Silveira, na Ponta da Fajã Grande, em 1943, junto de José Inácio Mateus e publicado na Revista Lusitana. Nos anos cinquenta este rimance ainda se declamava aos serões para as crianças adormecerem mais rápida e suavemente. Trata-se duma história muito simples mas que, contrariamente, aos “Contos da Carochinha”, tem um final infeliz, devido ao caçador cruel e ao gato maldito.
“Andando um belo coelho nua rocha a passear
Avistou ua coelha, foi-lhe falar p’ra casar:
«Adeus minha rica amada, minha bela coelhinha,
Te venho falar d’amores, com tenção de tu ser’s minha.»
A coelha le respondeu, com grande consid’ração:
Que amores não pretendia, logo le disse que não.
«Nã me fales tu assim, com palavras tã tiranas,
Deves de amar o mundo e ganhar as suas famas».
«Desvie-se para lá, não escorregue no lodo,
Quero más às minhas famas do que quero ao mundo todo».
«Se para todos in geral e pous p´ra mim sois assim.
Nã me vou daqui imbora sem de ti levar o sim».
«Coma possa-m’eu fiar nessa tua mansidão,
Se eu de ti nada conheço nim sei a tua tenção».
«Se de mim tu t’arreceias, o teu receio é culposo?.
«Dá cá a tua mão se queres ser o meu esposo».
O coelho que ouviu isto saltou com muito prazer
Tirou o anel do dedo e lo foi oferecer:
«Toma lá este anel, minha linda coelhinha,
Toma lá este anel, co a tenção de seres minha».
Pegar’ um na mão do outro, choraram na despedida:
«Adeus minha rica amada, minha coelhinha qu’rida».
Passaram-se oito dias, sem se tornarem a ver.
O coelho a foi prêcurar p’ra se d’irem receber.
E viveram muitos anos com grande satisfação,
Nu’a cova que fizeram debaixo do frio chão.
A cova era estreita, lá nasceram seus lindos.
Ao cabo de nove meses tiveram sete filhinhos.
Saíra a coelha de casa, na graça de Deus Senhor,
Quando voltou vinha ferida, de tiro de caçador.
«Que tendes minha rica esposa, que vindes tão desmaiada?»
«Cala a boca, qu’rido esposo, nã te posso contar nada;
Só te posso dizer, que vás chamar o doutor,
Porque eu venho ferida do tiro do caçador».
Saiu o coelho de casa cansado do coração,
Foi apressado à botica, chamar o cerugião.
Quando este chegou a casa, remédios nã receitava,
Logo o desembaraçou, que ela que nã ‘scapava.
Foi o coelho para a rocha chorar a ausência do amor.
Que ela morrera inocente, do tiro do caçador.
Voltando então para casa, de cansado s’assentou:
«Quim foi o grande ladrão que meus filhos me roibou?»
Saiu o coelho de casa, agora já sim ninguém,
Perguntou a seus vezinhos, se por ali passara alguen.
«Passou o gato patife, que os coelhinhos levou».
«Aquele gato ladrão, que os meus filhos roubou!
O gato, gato maldito, que a todos me levou,
Nã olhou eu ser viúvo e nim só um me deixou».”
Pedro da Silveira – Suplemento da Revista Lusitana.