PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O ACIDENTE NA POÇA DAS SALEMAS
Em meados da década de sessenta, a população da Fajã Grande foi alarmada por mais um acidente mortal, no mar. O José Joaquim fora encontrado, praticamente sem vida, na Poça das Salemas
José Joaquim Cardoso de Freitas era filho do Roberto de José Padre e da Madalena da Maria da Ponta, que moravam na rua da Via d’Água, numa casa térrea, mas caiada de branco, situada ao lado de um chafariz que havia, precisamente na maior curva daquela artéria, em frente à antiga casa do Senhor Arnaldo, derrubada a quando da abertura da estrada que ligava o Porto da Fajã à Ribeira Grande.
Nascido no final da década de quarenta, o José Joaquim teve uma infância pouco feliz, não granjeando simpatias, não dispondo de grandes oportunidades para ser feliz, nem sendo contemplado com a sorte ou bafejado pela fortuna, nem sequer agraciado pelo bem-estar. Talvez por tudo isso e por muito mais, ao terminar a escola primária foi-lhe dada a oportunidade de ingressar no Seminário Diocesano, cujos primeiros cinco anos, nessa altura, deviam ser cumpridos no Seminário Colégio de Ponta Delgada, em São Miguel, onde aquela instituição estava sediada. Agarrou, inicialmente, com ambas as mãos a oportunidade que lhe era disponibilizada, para se libertar dos trabalhos quase esclavagistas a que era obrigado, das canseiras, dos aborrecimentos, dos constrangimentos e de outros males que sobre si caíam. Mais tarde, porém, falhou. Os estudos não correram da melhor forma, a inteligência era algo limitada e a vontade de estudar quase nula, fracassando em quase todas as disciplinas. Assim foi forçado a regressar à Fajã, com um destino incerto, com um futuro problemático, com um percurso devida assinalado pelo estigma do insucesso. De fracasso em fracasso, o José Joaquim entrou num mundo onde as oportunidades de ser feliz eram raras e diminutas e a capacidade de se realizar como pessoa era-lhe cerceada quase por completo. Eram esbatidas, esfumadas e dispersas as perspectivas que lhe delineavam o futuro. Tentou de tudo um pouco, mas quase nada conseguiu com eficiência e eficácia, até que o infortúnio havia de lhe bater à porta, pondo-lhe fim à vida.
Certa tarde decidiu-se por ir aos polvos para o Canto do Areal, com vontade e energia de percorrer, se necessário, todos os caneiros e poças que por ali abundam, desde a Poça das Salemas até à Coalheira e ao Caneiro das Furnas, a fim de conseguir apanhar meia dúzia de polvos que pudesse vender e fazer algum dinheiro. Partiu sozinho como já fizera outras vezes. Caniço curto e grosso na mão, “pexeiro” às costas, iniciou a pescaria com a necessária captura de caranguejos, meia dúzia que fossem para amarrar ao nylon do caniço e pô-los a balancear para cá e para lá, nas poças, a fim de despertar o apetite dos octópodes. Os excêntricos moluscos marinhos logo que vissem os caranguejos a nadar, embora mortos e amarrados com o fio invisível, cuidando que eles estavam vivos e ali à sua disposição, haviam de sair das suas buracas e atirar-se a eles como Santiago aos Mouros. Aí ele, José Joaquim, muito rápido e certeiro havia de lhes enfiar o “pexeiro” com um enorme anzol e prendê-los de tal maneira que nenhum havia de lhe escapar.
Entusiasmado com o presumível sucesso da pescaria, começou na Poça das Salemas de fora. A maré estava muito seca e chegava lá muito bem, a pé. Mas os arrabaldes da poça, normalmente cobertos de água estavam a abarrotar de limos verdes, de sargaços molhados, de algas escorregadias e perigosas e o José Joaquim não sabia nadar. Provavelmente uma escorregadela e estatelou-se sobre o baixio, batendo com a cabeça e, como se isso não bastasse, escapuliu para dentro da poça, cheia de água, ficando ali a flutuar de costas para cima, como alguém o encontrou, algumas horas depois.
Na tentativa de o salvar, apesar de estar morto, ainda foi levado para o Hospital de Santa Cruz, onde foi registado o óbito, tendo sido sepultado, no dia seguinte, no cemitério daquela vila.