PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O AEIOU DE OUTROS TEMPOS
Muitos dos nossos antepassados e uma boa parte das pessoas que na nossa infância eram de avançada idade, na Fajã Grande, por alturas dos anos cinquenta, sabiam ler e escrever, sendo que alguns deles até liam em voz alta, com alguma qualidade, acentuado rigor e boa dicção e escreviam, sem erros e com excelente caligrafia. No entanto, a maioria não tinha chegado sequer a fazer o exame final. É que este, na altura, correspondendo à antiga terceira classe e ao actual terceiro ano de escolaridade, só poderia ser realizado em Santa Cruz, a maior e mais importante vila da ilha das Flores, naqueles tempos. Apenas lá existiam as estruturas necessárias e adequada e o júri competente e capaz de presidir e realizar tão importante acto, confirmativo da qualidade das aprendizagens efectuadas e das competências adquiridas, pelos alunos, nas escolas das suas freguesias. Assim, nas últimas décadas do século XIX, bem como nas primeiras do século passado, estava interdito à maioria das crianças da Fajã Grande, apesar de devidamente preparadas e com a devida capacidade, realizar o exame final. Para além das despesas que implicava uma estadia tão prolongada em Santa Cruz, a pagar comida e cama a uma criança e a um acompanhante adulto, eram quatro dias de trabalho que se perdiam: dois para realizar os exames, um escrito e outro oral e, outros tantos dias, para as viagens de ida e volta. Assim, as crianças ficavam com as competências, com a sabedoria, com as aprendizagens adquiridas, mas sem o exame, o qual, bem vistas as coisas e para a maioria dos pais, até de muito pouco ou de nada servia.
Muitos conhecimentos e muita sabedoria nos transmitiram os nossos antepassados. Não apenas a adquirida nas aprendizagens escolares mas sobretudo aquela que foi aprendida com trabalho, ou seja, aquela que foi adquirida com a experiência ao longo da vida. E foi sobretudo essa sabedoria e esses conhecimentos, que eles nos transmitiram.
Das aprendizagens, ficaram retalhos interessantes como aquela cantilena com que, na primeira classe, aprendiam e decoravam o AEIOU e que tantas vezes, quando éramos crianças, eles nos repetiam:
“A mãezinha leva já. A,
Belo leite com café, E,
P’ra merenda da Lilí, I,
Que está em casa da avó, O,
A Brincar com a Lulu, U.
A E I O U”.