PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
JUNTAS DE BOIS
Na Fajã Grande, na década de cinquenta, havia poucas juntas de bois. A maioria dos agricultores, para puxar o carro, o corção ou o arado, utilizava vacas de leite ou gueixas alfeiras que eram criadas para mais tarde delas se fazerem vacas, substituindo as mais velhas que assim “eram emaladas” para Lisboa. Apenas quem dava dias para fora, ou seja quem ia lavrar as terras de outrem, sobretudo dos que não tinham gado ou queriam poupar as suas vacas para que dessem mais leite, tinha junta de bois, utilizando-a também, obviamente, para lavrar as suas próprias terras e fazer todos os outros serviços agrícolas e carregamento de todos os produtos, quer os que os campos produziam quer o estrume e o sargaço para adubar as colheitas.
Na Fajã Grande, apenas o Francisco Inácio e o Raulino Fragueiro tinham juntas de bois para trabalhar. Dos restantes agricultores, somente um ou outro tinha um e, muito raramente, dois touros, mas à engorda, isto é, fechados dia e noite no palheiro, poupados ao trabalho, às intempéries dos campos e aos dias de chuva e frio, alimentados com muita e boa comidinha para que, quando vendidos ou embarcados, pesassem muito e dessem bom dinheiro. Meu pai chegou a criar um boi nestas condições.
Quer o Francisco Inácio quer o Raulino Fragueiro, no entanto, tinham geralmente belas, valentes e bem tratadas juntas de bois. O Francisco Inácio tinha dois bois avermelhados e fuscos, de raça menos comum na ilha das Flores, mas muito mansos, bem tratados, com o pelo sedoso e luzidio e muito bem habituados à canga e ao trabalho. Dava dias para fora, sobretudo lavrando as terras daqueles que não tinham gado para o fazer. O mesmo acontecia com o Raulino Fragueiro, embora, neste caso, fossem os filhos que trabalhassem com os bois, também estes eram muito mansos e bem tratados, habituados ao trabalho, mas de raça “austina”, caracterizada pela cor lavrada de preto e branco. Num e noutro caso estes bois, depois de muitos anos de trabalho, também eram postos à engorda e embarcados ou vendidos para abate.
Estes bois de trabalho eram guardados permanentemente nos palheiros, excepto quando trabalhavam, pois assim estavam sempre disponíveis para qualquer tipo de trabalho que fosse solicitado aos seus donos, pois eram eles que realizavam a grande maioria das tarefas agrícolas: lavravam os terrenos para as sementeiras, carreavam as lenhas e os produtos agrícolas e puxavam o corsão. Eram geralmente estas juntas de bois que também acarretavam as mercadorias dos comerciantes, desde os Terreiros até à Fajã Grande, antes de ser aberta a estrada, chegando mesmo a levarem mercadorias da Fajã para as Lajes, nos dias em que o Carvalho fazia serviço no porto da Fajã Grande. Por vezes, também eram contratados para acarretar lenha para quem necessitasse dela e não tivesse meios de o fazer e até acarretavam pedras e outro material para construção de casas. Eram uma espécie de assalariados rurais, estas juntas de bois,
Em ambos os casos estes bois eram animais muito mansos e pachorrentos, conhecendo bem o dono, que os tratava pelos seus nomes que eles conheciam e que, na Fajã Grande, geralmente, eram: Damasco, Gigante, Trigueiro e Lavrado. Os donos conduziam-nos com uma aguilhada, cuidavam e tratavam muito bem deles, limpando-os e enfeitando-os com ponteiras de metal nos chifres e campainhas de meia laranja e afinados sons penduradas ao pescoço, com “estrape” e fivela. A campainha com o som mais baixo devia ser usada pelo boi que trabalhava pela esquerda e a de som mais agudo, no do lado direito, sendo que as fivelas deviam ficar sempre do lado de fora. Os bois conheciam muito bem o seu dono, o lado em que eram encangados, assim como os caminhos em que circulavam e as propriedades que trabalhavam. Além disso, lavravam sem ninguém diante, obedecendo e respeitando as ordens e orientações do dono que falava com eles como se fossem pessoas e companheiros de j