PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
OS CARRINHOS DAS OVELHAS
Na Fajã Grande, nos anos cinquenta, ainda havia quem criasse ovelhas à porta, fazendo-o, no entanto, em pequena quantidade, isto é, criava-se geralmente uma ou duas ovelhas juntamente com um carneiro e nada mais
O objectivo primordial desta minúscula criação de ovinos, em contraste com os grandes rebanhos de ovelhas que pastavam no mato, na chamada zona do concelho, e que eram recolhidas e tosquiadas apenas nos dias de “Fio”, era, regra geral, o de entretimento e ocupação das crianças que, assim, se iam habituando e preparando para, mais tarde, tratar e cuidar dos animais. Mas, por outro lado, a criação de ovídeos junto de casa também proporcionava a utilização, quer da lã, quer da carne, com uma maior regularidade. Na Fajã o leite de ovelha nunca foi utilizado na alimentação humana, a não ser em tempos muito recuados, destinando-se, naquela altura, exclusivamente, à alimentação das crias. Sendo assim eram as crianças que cuidavam e tratavam das ovelhas, trazendo-lhes comida dos campos ou levando-as a pastar em pequenos currais ou ainda amarrando-as à estaca, no “oitono”, neste caso em conjunto com as vacas que também aí estavam amarradas.
No entanto, muitos fajãgrandenses, retiravam outro provento da criação dos ovinos à porta, pois utilizavam as ovelhas ou, eventualmente, um carneiro, para puxar minúsculos carros, no transporte de cargas mais leves e pequenas, aliviando-se de trabalhos e canseiras, evitando serem eles próprios a acarretar esses carregamentos às próprias costas. Foi assim que nasceram os carrinhos das ovelhas, que, em tempos antigos, muito provavelmente, terão sido usados com muita mais frequência e em maior número.
Os carrinhos das ovelhas, puxados apenas por um só ovino, eram autênticas miniaturas dos carros de canguinha, puxados por uma vaca. Na realidade não era costume encangarem-se juntas de ovelhas, como se fazia, no caso das vacas ou dos bois. As ovelhas atrelavam-se sempre uma a uma e, por isso mesmo, os carros que elas puxavam, a canga que se lhes enfiava no pescoço e até os tamoeiros que as prendiam ao cabeçalho, tudo, mas mesmo tudo, era rigorosamente igual aos carros de canguinha, mas em ponto pequeno. Autênticas e verdadeiras miniaturas.
Com a tampa superior encastoada entre os dois cabeçalhos laterais, os carrinhos de ovelhas tinha as rodas mais simples, feitas geralmente duma peça única, enfiadas num eixo que encaixava nos “queicões”, presos ao tampo e com uma canga de canguinha muito semelhante às das vacas. Além disso, também tinham fueiros e sebe, embora esta, geralmente fosse feita com tábuas de madeira.
Mas as ovelhas não eram tão dóceis, nem tão obedientes, nem tinham tanta facilidade em aprender a trabalhar como as vacas. Eram mesmo umas desajeitadas. Daí que fosse preciso muito tempo e bastante paciência para as habituar à canga, tarefa que geralmente era confiada aos mais novos, mais pachorrentos, mais disponíveis, que assim se iam esquivando de acarretar os molhos às costas. Um carrinho de ovelhas transportava, muito à vontade, um grande molho de lenha ou de incensos, um pesado saco de batatas ou um grande cesto de inhames
Os carrinhos das ovelhas eram de fácil e simples fabrico, por isso qualquer habilidoso podia construí-los. Tinham a vantagem de serem utilizados quando se pretendia acarretar pequenas cargas, não o querendo fazer às costas. Além disso arrumavam-se facilmente, cabiam em qualquer caminho e se a ovelha “desse as couves” (1) o dono podia muito bem substituí-la, puxando o carro pelas suas próprias mãos.
Havia, no entanto, muitos homens na Fajã que diziam “não ter paciência para estas criancices”. Na realidade conduzir um carrinho de tão minúsculo tamanho, puxado por uma ovelha ou por um carneirinho, mais se assemelhava a uma brincadeira de criança do que propriamente a uma tarefa de adulto.
Confesso que tive a sorte, em criança de ter uma ovelha, mansa, meiga e que me seguia para todos os lados como se fosse um cãozinho. Era eu que ia buscar comida e lha dava, a levava a pastar ao Outeiro ou ao curral das Águas e lhe fazia a cama com feitos secos, mas nunca consegui, apesar de o pedir insistentemente, que meu pai me arranjasse um dos tais carrinhos.
(1) Na Fajã Grande dizia-se que um animal “dava as couves” quando ficava tão cansado e estafado que já não conseguia trabalhar mais.