PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
TIA ERMELINDA E TIA MARIA INÁCIA
Perto da minha casa, logo a seguir a um chafariz que por ali havia, viviam duas irmãs, já de avançada idade: a tia Ermelinda e a tia Maria Inácia.
A casa onde moravam era pequenina e pobre. Quantas e quantas vezes lá entrei para visitar aquelas duas queridas velhinhas! Subia-se a meia dúzia de degraus que davam para um pátio, em frente à porta da sala, ornamentado de sécias brancas e rosadas, de cubres amarelados, de fetos e muitas outras plantas e entrava-se, de imediato, na sala. Era a maior dependência da casa, a qual dava directamente para as duas outras: um quarto de cama que em vez de porta tinha apenas um cortinado velho e acetinado e para a cozinha que ficava nas traseiras do prédio. Na sala havia uma enorme cómoda com um oratório e muitas fotografias antigas, umas encaixilhadas em passe-partouts, outras soltas e encostadas a estes, algumas cadeiras e uma caixa de madeira. Numa das janelas havia uma enorme cadeira de vimes, forrada com colchas tecidas em teares manuais e almofadas feitas por mãos hábeis, onde, habitualmente, a tia Ermelinda permanecia sentada. A cozinha era velha esconsa e negra. O chão era de solo (barro ou terra) e não tinha forro. Tinha apenas uma mesa, duas cadeiras, um armário onde guardavam a louça e um lar cheio de tisna e de escuridão, com dois ou três caldeirões, uma sertã e uma grelha onde tia Maria Inácia cozinhava as suas parcas refeições.
Tia Ermelinda era muito doente e já não saía de casa. Estava permanentemente sentada à janela da empena da sala. De manhã rezava, costurava e lia. De tarde ensinava catequese e conversava com quem a visitava. Tia Maria Inácia, apesar de velhinha e doente, era “o homem da casa”. Era ela que ia à lenha à Cabaceira, que a rachava, fendia ou picava com o machado e a guardava debaixo do lar. Era ela que ia buscar erva-santa para as galinhas. Era ela que cozinhava, lavava e limpava a casa. Era ela que fazia tudo.
Quantas vezes minha mãe me mandou ir lá e levar um pouquinho de leite ou um quarto de bolo do tijolo, fresquinho e a fumegar! Quantas vezes minha mãe me autorizou a ir com a tia Maria Inácia à Cabaceira para a ajudar a trazer uns garranchos de lenha! Quantas vezes de tarde ia sentar-me ao lado de tia Ermelinda a vê-la e a ouvi-la a ensinar catequese a outras crianças ou simplesmente a conversar com ela! É que em questões de catequese eu tinha que sobrasse em casa da minha avó, na Fontinha.
Mas o que nunca pude esquecer foi a ternura, o carinho e a amizade que aquelas duas doces e meigas velhinhas me dedicavam!
Por isso é que eu tanto gostava de escapulir para casa delas!