PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
BODIÃO EM JANEIRO
“Um bodião em Janeiro vale mais do que um carneiro.”
Trata-se dum interessante mas invulgar adágio, utilizado na Fajã Grande, não para desvalorizar a carne do carneiro, mas para valorizar o bodião e para afirmar a espécie de sorte que é ter peixe à mesa, em pleno Inverno, quando o mar está permanente bravo, impedindo que nessa altura haja apenas uma fraca e escassa probabilidade de se comer peixe. Sendo assim, nos meses de Inverno, nomeadamente em Janeiro, o mais creditado com os rigores da invernia, conseguir qualquer espécie de pescado, mesmo que seja de menor qualidade, como é o caso do bodião, será sempre mais apreciado à mesa do que a carne de carneiro, disponível em qualquer altura do ano. O adágio, no entanto, deve entender-se, como é óbvio, também e sobretudo num sentido figurado.
Porquê o bodião, pode perguntar-se. Primeiro porque o bodião é uma espécie de peixe muito vulgar nos Açores e ainda mais nas enseadas e baixios rochosos da ilha das Flores. Trata-se de uma espécie sedentária, da ordem dos “Perciformes” e da família dos “Labridae”, realmente muito comum nas águas açorianas e que tem o seu habitat, preferencialmente, nas zonas resguardadas, de rochas revestidas com ervas e algas marinhas, que são a base da sua alimentação. Muito activos durante o dia, se as águas estiverem limpas é fácil observá-los, embora por vezes se confundam com as vejas, sobretudo com os machos, com os quais tem cores e formato semelhantes. O seu aspecto realmente é muito parecido com o das vejas e apresentam olhos salientes, boca pequena em relação ao seu tamanho, mas com os beiços muito revirados e salientes. O corpo é revestido de pequenas e finas escamas, com barbatanas pouco desenvolvidas. As suas cores mais vulgares são o castanho e o verde, podendo variar entre cores únicas, manchas de cores variadas, as cores do arco-íris e outras típicas dos peixes tropicais. A sua pesca tradicional e de cana, não é fácil, sendo que na Fajã Grande, pelo menos, nunca era específica. Ninguém ia pescar aos bodiões, eles eram capturados geralmente quando se pescava às vejas, aos rateiros, ou até aos sargos ou às salemas.
Por todas estas razões adquire mais sentido o adágio fajãgrandense acima referido. Na realidade conseguir um bodião em Janeiro, seria muito raro e difícil, daí a sua sobrevalorização sobre um outro petisco que apesar de raro era bem mais fácil de obter-se – a carne de carneiro. Por sua vez e por assimilação, no sentido figurado, querer-se-ia significar com a utilização deste adágio de que obter uma coisa rara e difícil de conseguir, mesmo sendo de menor qualidade é preferível a algo que, embora sendo melhor, se tem com frequência e em abundancia.