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SANTO ANTÓNIO

Quarta-feira, 01.01.14

Velhinha, alquebrada, a arrastar-se pelos caminhos, com as abas das paredes a servirem-lhe de abrigo e as canas abandonadas no caminho utilizadas como bordão, caminhava por aqui e por além, na demanda do sustento de cada dia. Sustento dela e do marido, inerte, preso a uma cama de dor, de sofrimento e de falta de tudo. Ela velhinha, alquebrada e arrastar-se pelos caminhos, a fazer de mulher e de homem da casa. Ele doente, dorido, preso a uma cama, como se apenas servisse para coisa nenhuma.

Era ela que cavava, sachava, plantava e semeava uma pequena courela junto à porta da cozinha e que, apesar de tudo, ia dando couves fresquinhas, batatas suculentas, cebolas repolhudas e outras miudezas que lhe iam garantindo o parco sustento quotidiano. Era ela que acarretava à cabeça pequenos molhos de lenha da Cabaceira, que a cortava e picava. Mas era ela também que ao regressar dos campos, arquejante e fatigada, arrumava a casa, fazia o lume e cozinhava. Era ela que ia buscar a água à fonte, que lavava, varria, arrumava e limpava a casa, enquanto o seu homem, já quase cego e impedido de andar, de sair de casa, de se levantar, de fazer o que quer que fosse, a não ser cramar, gemer e chamar por ela.

Um dia ela partiu para a Cabaceira, à lenha. Em casa nem um garrancho e o café no bule havia terminado. Chovia, trovejava, ventava que metia medo. À Volta do Delgado já estava toda encharcada dos pés à cabeça, pese embora se encostasse à aba de uma ou outra parede e se protegesse com um saco de serapilheira, enfiado na cabeça, a fazer de capuz. Ao redor não se via alma viva. Com um tempo daqueles ninguém arriscava sair de casa. Na ladeira do Delgado, uma ressaca enorme de vento pegou-lhe como se fosse uma pena de ave e atirou-a ao chão. Dorida, angustiada, encharcada, muito custo levantou-se. A terra da Cabaceira ainda era longe, mas o caminho, a partir dali mais protegido de ventos e chuvas pelas altas paredes dos terrenos circundantes. Finalmente chegou ao Descansadouro de Santo António e parou junto à imagem do Santo, pousada ali, num pequeno nicho, sobre o enorme portão de uma horta. Fixou a imagem que lhe pareceu estar solidarizada com seu sofrimento. Afinal Ele, Santo António também estava ali, como ela, não apenas naquela tarde mas todos os dias e todas as noites, à chuva, ao vento, ao frio, às tempestades, carregando o Menino ao colo. Ele, ela e o Menino encharcados de água, de solidão, de sofrimento e de cansaço.

De repente, sem que nada o previsse, fez-se um Sol resplandecente e enternecedor e a natureza como que se ergueu a aconchegar, proteger e apoiar o Menino, o Santo e a velhinha. E ela, rejubilando de alegria, sentiu a roupa a secar-lhe no corpo, as forças a redobrarem-lhe e o ânimo a renascer, mais pujante, mais altivo e mais regenerador. Como se tivesse asas, voou até à Cabaceira e dali até a casa, com um grande molhito de lenha, seca, que havia dar para muitos dias. A lenha estava enxuta, seca, pronta a acender o lume e a fazer o café para o marido que jazia na sua velha enxerga de musgo e pragana, acariciado pelos raios de Sol que lhe entravam pela janela e lhe cobriam o rosto com um manto de tranquilidade de que há muito não usufruía.

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publicado por picodavigia2 às 23:14





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