PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O SALGUEIRO DA RUA DIREITA
O mais típico e o mais emblemático de todos os salgueiros que existiam, por aqui e por acolá, sobretudo nas margens das ribeiras e das grotas, juntamente com álamos e vimes, na Fajã Grande, nos anos cinquenta, era um que se podia observar na rua Direita, no interior da entrada do pátio da casa de José de Joãozinho.
Tratava-se de uma árvore aparentemente secular, com uma copa farta, robusta e muito verdejante, com uma parte dos ramos a se estenderem e prolongarem pela rua e uma outra para cima dum muro que ali existia, ao lado, a separar o pátio da casa do João Fragueiro da rua Direita. Essa generosidade do velho e causticado salgueiro, de partilhar uma boa parte da sua copa com a rua Direita e com o muro, tornava-o ainda mais mítico e mais emblemático e fazia com que a zona do muro bafejada pela sua sombra, uma vez que todo ele se destinava a bancada de descanso, se tornasse bastante cobiçada, muito desejada e frequentemente procurada por quantos pretendiam ali sentar-se, para descansar e para conversar. É que para além de poderem desfrutar duma bela e agradável sombra, usufruíam de toda a mística e simbolismo que aquela árvore misteriosamente encerrava.
Na realidade, desde os tempos mais remotos que as mais diversas civilizações e culturas atribuíram ao salgueiro, um potencial mágico e simbólico muito importante. Na China, por exemplo, o salgueiro era símbolo da imortalidade e decoravam-se as portas das casas com folhas de salgueiro, durante o solstício de Verão. Para que alcançassem a imortalidade os chineses cobriam os caixões dos seus mortos com folhas de salgueiro e ainda hoje, nas cerimónias fúnebres, o ataúde vai acompanhado de um ramo de salgueiro com bandeirinhas penduradas. Os próprios imperadores chineses ofereciam, aos seus cortesãos ramos de salgueiro para evitar os miasmas envenenados ou as pestilências, porque atribuíam ao salgueiro o poder de curar as chagas. Na mitologia romana, o salgueiro era uma árvore consagrada à deusa Juno e tinha a propriedade de deter qualquer hemorragia e evitar o aborto. Os índios consideravam o salgueiro uma árvore sagrada e na Grécia era símbolo de esterilidade, porquanto as mulheres gregas, para engravidarem mais facilmente, colocavam ramos de salgueiro em cima da cama antes de terem relações sexuais. Por sua vez a Bíblia revela-nos que o salgueiro, apresentado sobretudo no livro dos Salmos, tinha grande importância nos rituais e festas dos judeus, De acordo com a lei bíblica (Lev. 23:40), cada judeu tinha que juntar quatro espécies de árvores, amarrá-las juntas e abençoá-las. O salgueiro era uma delas. De acordo com a lei oral do judaísmo, o salgueiro não tem nem cheiro nem gosto e simboliza as pessoas ignorantes e pecadoras do povo de Israel. Na mitologia europeia o salgueiro está ligado às bruxas e, ainda hoje, na Europa existem muitas lendas onde se conta que as bruxas têm preferência para se ocultarem sob a forma de formosas raparigas nos ramos dos salgueiros. Além disso, também na Europa o salgueiro está relacionado com o luto, com a morte e com a melancolia. No norte da Europa e também nalgumas localidades dos Açores, no Domingo de Ramos usam-se ramos de salgueiro em vez de palmas e de ramos de oliveira. Na Inglaterra colocar um ramo de salgueiro no chapéu significa amor não correspondido. Naquele país também se atribui ao salgueiro grande valor medicinal, pois a casca do seu tronco pode ser usada para produção da aspirina; é aliás do nome latino do salgueiro, “Salix”, que deriva o nome do ácido acetilsalicílico, utilizado na produção daquele medicamento. Já na antiguidade Hipócrates, o pai da Medicina, utilizava as folhas de salgueiro para curar as dores de cabeça e a febre. Muitos outros povos fizeram o mesmo ao longo dos séculos. O salgueiro também é considerado como símbolo da pureza, talvez por ser um tipo de árvore que, absorvendo muita água da terra, permite aos solos respirarem melhor e muitos povos utilizaram o salgueiro para recuperar águas poluídas, devido à sua capacidade para absorver e transformar poluentes em matéria orgânica.
Naturalmente que os pacatos cidadãos da Fajã Grande e nossos antepassados, quando se sentavam à sombra do salgueiro do pátio de José de Joãozinho, na rua Direita, decerto que não tinham conhecimento, nem sonhavam com todo o potencial mágico e a gigantesca força mítica daquele salgueiro, talvez e apenas o procurassem para suspender na agradável sombra que pendia dos seus ramos, o peso das suas canseiras e trabalhos, para, sentados debaixo da sua frondosa copa, recordar sonhos e aliviar mágoas de outrora, como o fizeram os escravos hebreus, retratados na ópera Nabucodonosor de Giuseppe Verdi, quando, junto às margens do rio Eufrates, descansando dos seus trabalhos de escravos, recordando a sua pátria, tão bela e perdida e as suas cidades na dor sepultadas, cantavam: “Harpa de ouro dos fatídicos vates! Porque estás suspensa dos salgueiros? Reacende no peito a memória, recorda os tempos de outrora”