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A VIZINHA GLÓRIA JACOB

Sexta-feira, 03.01.14

Para mim e para meus irmãos, que passávamos uma boa parte do dia na casa da minha avó materna, na Fontinha, os vizinhos dos meus avós também eram nossos vizinhos ou, pelo menos, assim os tratávamos. Curiosamente, eles também nos consideravam como tal. Não havia dúvida de que naqueles recuados tempos, o facto de as pessoas se tratarem por vizinhos, parecia que mais as agregava e mais as unia, conferindo-lhes uma maior disponibilidade para cultivarem mais acentuadamente uma boa dose de amizade recíproca.

Entre os vizinhos da minha avó, no entanto, havia uma senhora por quem eu tinha uma consideração, um respeito e uma amizade muito especial. Era a vizinha Glória Jacob. Este meu enlevo por ela, no entanto, não se devia, apenas, ao facto de ela ser minha vizinha, nem sequer por ela ser uma vizinha especial, ou seja, uma vizinha melhor do que as outras vizinhas, nada disso, mas simplesmente por que, segundo rezavam as crónicas da altura, fora ela que ajudara a minha mãe durante o meu nascimento, por outras palavras, fora a minha parteira.

Curiosamente eu decidi – se é que somos nós a deliberar estes momentos especiais da nossa vida – que havia de nascer no dia de Páscoa, altura em que a parteira “oficial” da freguesia, a senhora Mariquinhas do Carmo, se havia ausentado da Fajã Grande. Minha mãe, minha avó e minhas tias em grande aflição. Como havia eu de saltar cá para fora sem uma parteira experiente e credenciada, que ajudasse a minha mãe? Pois a vizinha Glória Jacob, destemida e valente que era, logo se prontificou para resolver o imbróglio, “assumindo o comando e chefia das operações”. Pelos vistos, fê-lo com mestria, competência e assinalável êxito, dado que dois dias depois, já passeava eu, na rua Direita, é verdade que ao colo da minha madrinha, na demanda do Baptismo. E assim a minha vizinha Glória Jacob granjeou fama e mereceu para sempre o reconhecimento da minha família e, mais tarde a minha consideração e amizade.

A minha vizinha Glória Jacob era, na realidade, uma mulher muito forte, trabalhadeira, possuidora de grande energia, executando todo o tipo de tarefas, não apenas as domésticas mas também as dos campos, acompanhando o marido, o senhor João Bizarro em todos os trabalhos agrícolas: cavar, lavrar, sachar, ceifar feitos e cortar lenha. Carregava molhos pesadíssimos às costas como se fosse um homem e era ela que muitas vezes tirava o esterco do palheiro do gado, também contíguo à casa da minha avó.

Teve quatro filhos, dois rapazes, o José e o João ambos eles, também, robustos, fortes e valentes, homens de muito trabalho, que mais tarde emigraram para o Canadá. As duas filhas, a Leonor e a Adelaide também sempre a ajudar a mãe nas lides do campo e sobretudo nos trabalhos domésticos.

Muitas vezes escapulia da casa da minha avó, descia a pequena ladeira que as separava e ia ter à casa da vizinha Glória Jacob, que sempre me recebia com muito carinho e amizade, outras vezes ficava sentado num pequeno pátio, altaneiro e voltado para o mar, sobranceiro à casa da minha vizinha e ficava a observá-la no seu vai e vem contínuo e permanente, de casa para a rua e da rua para casa, a lavar roupa, a secar milho, a varrer os pátios, a arrumar a casa, a tratar dos porcos ou, de latas em punho, a ir tirar o leite às vacas.

Creio mesmo que a minha vizinha Glória Jacob tinha um especial carinho por mim, uma vez que era eu que de alguma forma configurava toda aquela força, pujança, coragem e determinação que ela possuía e que havia demonstrado heroicamente a quando do meu nascimento.

Um pormenor muito interessante tinha a sua casa. A porta da cozinha era muito diferente das habituais portas das casas da Fajã Grande. Era uma porta de fero, pintada de cinzento, tendo apenas um pequeno vidro rectangular, na parte superior. Dizia-se que aquela porta tinha pertencido ao paquete inglês Slavónia, naufragado por fora da Costa do Lajedo, no dia 10 de Junho de 1909.

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publicado por picodavigia2 às 14:11





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