PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
NO CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO PADRE FRANCISCO VITORINO VASCONCELOS
Hoje, dia 2 de Julho, faz cem anos que nasceu na freguesia da Lomba, concelho de Lajes, ilha das Flores, o Padre Francisco Vitorino Vasconcelos, professor do Seminário de Angra durante 21 anos e pároco de Santa Cruz das Flores cerca de duas décadas e meia. Fui seu aluno durante dois anos.
Vitorino Vasconcelos fez os seus estudos primários na escola da sua freguesia, sendo dos poucos alunos que, na altura, na ilha das Flores, teve o privilégio de fazer o exame final, na altura 3ª classe, tendo para tal, que se deslocar à vila de Santa Cruz. Esse exame, no entanto, era condição necessária para prosseguir os estudos, o que permitiu ao jovem Francisco, já com quinze anos, ingressar no Seminário de Angra do Heroísmo, onde, segundo rezam as crónicas, terá sido um aluno brilhante, sobretudo na área das ciências geográfico-naturais, pelas quais sempre manifestou grande paixão e interesse.
Ordenado sacerdote, em Junho de 1937, na Sé Catedral da Angra do Heroísmo, celebrou a Missa Nova na freguesia da Lomba, algum tempo depois, sendo, nesse mesmo ano, nomeado Prefeito dos “Miúdos”, no Seminário de Angra, passando a leccionar, no mesmo estabelecimento, as disciplinas de Físico-Química, Ciências Naturais e Latinidade. Durante alguns dos anos que viveu no Seminário exerceu, em simultâneo, o cargo de vigário cooperador da paróquia da Conceição, da mesma cidade.
No Seminário dedicou-se ao estudo, à investigação e ao ensino, sendo também o responsável pelo laboratório, cujas instalações funcionavam na sala oito, junto à Biblioteca. O padre Vitorino revelou-se, sempre como um estudioso e um investigador de grande capacidade e conhecimentos, dedicando a essas actividades um dinamismo invulgar, uma paixão contínua e uma entrega permanente. Pessoalmente, tive o privilégio de ser seu aluno e pude aperceber-me como ele se esforçava por, através do estudo, da observação e da experiência, melhorar os seus conhecimentos e a sua cultura, para assim melhor os transmitir aos alunos. Era também um apaixonado pela fotografia que guardava sob a forma de diapositivos, fruto da pesquisa e observação realizadas durante vários anos, como entretenimento nas suas horas vagas e com os quais enriquecia as próprias aulas
Apesar de ter voz monótona e ser pouco cativante na sua forma de expor, preparava muito bem as aulas, demonstrava os postulados com experiências diversas, dominando com profundidade a matéria que se propunha transmitir. Era também um bom orador, sendo muito solicitado pelos párocos das Flores, nas férias de Verão, para pregar nas várias paróquias da ilha, sobretudo por altura das festas. Preparava com cuidado e esmero os sermões que proferia, utilizando linguagem erudita e cuidada mas simples e adequada.
Em Junho de 1962, depois de intensa e profícua actividade ligada ao ensino no Seminário Diocesano, foi colocado como pároco da Matriz de Santa Cruz das Flores onde, apesar de cansado e doente, assumiu ainda o serviço sacerdotal da paróquia da Caveira e do curato da Fazenda de Santa Cruz, exercendo durante alguns anos o cargo de Ouvidor Eclesiástico, passando também a leccionar no Externato da Vila as disciplinas de Físico-Químicas e Ciências Naturais.
Segundo o testemunho de alguém que, como eu, também lidou de perto com ele: “O padre Vitorino era obstinado, mas inteligente e comunicativo, mostrando-se sempre disposto ou mesmo entusiasmado nos ensinamentos que a sua elevada cultura lhe permitia transmitir. Fazia-o discreta e habilmente, mesmo nas ocasiões em que entendia serem esses ensinamentos úteis ou necessários, sem que tivessem de lhos pedir. Bastava-lhe compreender que o seu interlocutor os desejava receber ou que os desconhecia e que os mesmos lhe poderiam ser úteis.”(1)
Cansado, doente, envelhecido e amargurado, em Agosto de 1987, abandonou o pastoreio na paróquia de Santa Cruz e fixou-se em Angra do Heroísmo, passando a residir em casa de um sobrinho, onde veio a falecer com 79 anos de idade em 10 de Dezembro de 1991.
Tive oportunidade e o privilégio de, em jovem, conviver com ele, nas aulas, como seu aluno e fora das aulas, como amigo e conterrâneo, tendo inclusivamente estabelecido sempre com ele relações de amizade, de consideração e de estima recíproca. Disponibilizou-me sempre, tanto como professor, tanto como amigo, um carinho e uma atenção, muito especiais, talvez por sermos da mesma ilha. Nesses contactos, fui testemunho da sua jovialidade, do seu espírito jocoso e de fina piada, assim como duma elevada cultura de que era detentor. Como sacerdote viveu, essencialmente, para servir e ensinar, prestando assim relevantes serviços à Diocese de Angra e aos Açores.
Agora e por altura do centenário do seu nascimento, creio que lhe deva ser prestada, por quem de direito, a justa homenagem que merece, pese embora a Junta de Freguesia da Lomba, já tenha atribuído o seu nome ao largo fronteiriço à igreja.
(1) – Testemunho de José Arlindo Armas Trigueiro in “Florentinos que se Distinguiram”.
Texto publicado no Pico da Vigia, em 02/07/12