PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
FIAMBRE DE PEITO DE PERU
Moçoila robusta, bem constituída fisicamente, a arfar estafamento e a verter suores, aparentemente mais talhada para o cabo da vassoura, para a pá do forno ou até para o da enxada do que, propriamente, para o serviço numa montra de supermercado, a abarrotar de carnes, enchidos e charcutaria diversa, mas tudo numa caldeação muito desorganizada e numa espécie confusão sofisticada e permanente.
Não há muitos clientes, e os que se aproximam do balcão da montra vão solicitando produtos do mais trivial que ali se vende e de fácil identificação: febras de porco, carne de vaca, linguiça, torresmos, fiambre, etc. E a moçoila, embora pouco engenhosa e bastante lenta, lá vai escolhendo, seleccionando, cortando, pesando, embrulhando e fechando as embalagens na máquina adequada. Finalmente espeta-lhe uma etiqueta com o preço, que lhe havia saído da balança de pesar, como se de um ticket de portagens de auto-estrada se tratasse. Depois estende o braço rechonchudo sobre balcão da montra e entrega o embrulho ao cliente. Tudo extremamente simples e, aparentemente bastante fácil, mas muito lento e muito vagaroso… uma eternidade, que a moçoila, supostamente, não tem pressa.
Chegou a minha vez. Aguardo que ela olhe para mim e me interrogue. Mas a rapariga não se apressa. Até parece que cuida que eu não sou cliente. Decide primeiro tirar os óculos e limpá-los, depois opta por enxaguar o suor que lhe corre pela testa e, de seguida, ainda resolve passar as mãos pela bata, não se percebe bem se a secá-las ou se a sacudir alguma sujidade porventura a manchar a brancura, já bastante esbatida, da dita cuja. Só então levanta os olhos na minha direcção, fixa-me com ar estranho e pergunta-me, pouco convencida:
- O qui é que o sinhô qué?
Como a desarrumação da montra me impede de saber se o produto que eu pretendo adquirir existe ou não, indago:
- Tem fiambre de peito do peru?
- Tem o quêêê? – Pergunta ela pasmada, com os olhos muito arregalados, enquanto com a mão direita ajusta o boné branco, com o logotipo da empresa, na frente. Tive a sensação que havia falado grego ou chinês.
- Fiambre de peito de peru. Eu quero fiambre de peito de peru. – Repeti pausadamente, elevando o tom de voz.
- Ah! Peite de peru! Pois olhe, o sinhô. De peite de frango há p´raí umas coisas, agora de peite de peru é qu’ei nam sei s’há ou senan há.
Sem ela se preocupar, minimamente, com a minha situação de despojado, dei meia volta, afastei-me da montra e comentei, em voz baixa:
- Pois agora vais-te amanhar sem ele!