PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
IN MEMORIAM - PADRE JOSÉ SOARES
Faleceu, ontem, (26 de Junho de 2009) com 82 anos de idade, na Fajã Grande, aquele que foi o seu pároco durante muitos anos e que escolheu como residência durante os seus últimos 44 anos de vida – o P.e José Gonçalves Soares.
Conheci o Padre Soares, logo após ele chegar à Fajã Grande, em 1965 e privei com ele durante vários anos, nos tempos em que frequentava o Seminário de Angra, quando ia passar as minhas férias de Verão à Fajã. Tive a honra e o privilégio de ser um dos seus grandes amigos. Para além da amizade que me dispensou, abrindo-me as portas da sua casa a qualquer hora do dia ou da noite, encontrei nele não só um companheiro mas também e sobretudo uma espécie de mestre, que teve a disponibilidade de partilhar comigo, diariamente, uma sabedoria inaudita, uma cultura invulgar, uma apologia de valores democráticos e antifascistas, um sentido ético da vida e uma defesa de muitos dos valores mais nobres a que um ser humano pode aspirar: a dignidade, a nobreza de carácter, a gratidão, o espírito crítico, o respeito pelos valores culturais, a confiança em nós próprios e sobretudo a descrição e o bom senso. Simultaneamente deu-me a conhecer a maior parte dos vultos da literatura portuguesa e universal, cujas obras me motivou a ler, revelando-me ao pormenor factos e acontecimentos das suas vidas e obras e ainda de muitos outros vultos da cultura universal, tanto laica como religiosa. Numa palavra, José Gonçalves Soares conduziu-me de forma motivadora e cativante ao mundo mágico e fantástico da cultura e da literatura portuguesas e universais.
Passámos noites e noites como que inesgotáveis e a prolongarem-se madrugada fora, em amena, ininterrupta e formativa conversa. Ouvia-o com prazer, questionava-o por curiosidade, interrogava-o para aprender e tinha sempre a resposta correcta, a dúvida esclarecida e a informação adequada. Deslumbrante no púlpito, motivador nas conversas, empolgante nos monólogos, com fino sentido de humor e respeitador do ser humano na sua intrínseca dignidade, o P.e José Soares, talvez pela sua humildade ou excessiva modéstia e falta de reconhecimento do real valor das suas qualidades literárias, com destaque na oratória, pouco ou nada deixou escrito, a não ser umas cartas que terá trocado com o escritor e poeta fajagrandense Pedro da Silveira, mas cujo paradeiro se desconhece. Trata-se, em minha opinião, de uma lamentável e invulgar perda de um possível e, de certo, enorme contributo que poderia ter sido dado à literatura e sobretudo à cultura açoriana.
Texto publicado em 27/06/09, no Pico da Vigia