PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
APANHAR O MILHO (DIÁRIO DE TI'ANTONHO)
Quinta-feira, 18 de Setembro de 1946
“Está a aproximar-se o tempo de apanhar o milho. Pelo menos o que foi semeado nas terras e serrados junto do mar, que nas outras ainda nem sequer foi desfolhado. Antigamente, quando eu era criança, esta época era uma altura de grande festa e alegria, uma época do ano muito agradável e muito bonita, não só a apanhar o milho, mas também e, sobretudo, o encambulhá-lo e descascar as maçarocas mais verdoengas, o pendurar os cambulhões de milho nos estaleiros ou ainda moer, nos moinhos de mão, as maçarocas que, como se dizia, ainda vertiam e cuja farinha servia para fazer as papas saborosas papas grossas. Ainda hoje a minha Maria as faz e são uma delícia. Pena serem feitas apenas por esta altura do ano.
Os dias de apanhar o milho, antigamente, eram autênticos e verdadeiros dias de trabalho mas também de festa, em casa da maioria dos lavradores. Quando as maçarocas já estavam bem maduros, marcava-se o dia da apanha, para não coincidir com os marcados pelos amigos e familiares, pois todos se ajudavam uns aos outros. Depois procedia-se à apanha das maçarocas, retirando-as dos milheiros e enchendo-as em cestos bem “acaculados”, que depois eram colocados sobre as paredes e, posteriormente acarretado para os corsões puxados pelas vacas. Esse dia era um dia de festa e um dia muito especial. Homens, mulheres e crianças, todos se dedicavam à apanha das maçarocas, ao encher dos cestos e carregá-los às costas para os corsões. Estes eram forrados no fundo com milheiros da própria terra e era-lhes colocado ao redor uma sebe feita de vimes. Uma vez cheios, os corsões eram conduzidos a casa e o milho despejado na cozinha ou na sala. Como geralmente vinha muita gente de fora ajudar, a dona da casa mais uma ou outra mulher ficavam em casa a fazer o jantar que nesse dia era melhorado, e, às vezes, depois de preparado era levado até ao cerrado onde se colhia o milho e as pessoas estavam a trabalhar.
Era da parte da tarde que geralmente se começava a encambulhar e a descascar as maçarocas, a não ser que o cerrado fosse muito grande ou o dono decidisse apanhar o milho de duas ou mais terras no mesmo dia. Neste caso, aproveitava-se o serão, o que tinha a vantagem de ter muita mais gente a ajudar. Esses serões ainda tornavam a festa ainda mais animada. Cantava-se e geralmente serviam-se uns biscoitinhos com genebra ou aguardente de cinco estrelas. Quando o milho era encambulhado de noite, para o pendurar no estaleiro acendiam-se lanternas e era também muito divertido. Mas muitos não gostavam de pendurar o milho de noite, pois diziam que “o que se faz de noite aparece mal de dia”. Penduravam-no dia seguinte.
Uma parte do milho era descascado, fazendo-se com ele também cambulhões que eram dependuradas geralmente nos tirantes dos quartos de dormir, da sala ou da cozinha para aí se conservarem melhor e até secarem. As maçarocas mais verdoengas descascavam-se, debulhavam-se para depois se moerem os grãos nos moinhos de mão e fazer as papas grossas.
No meu tempo ainda havia muitos lavradores que semeavam e cultivavam o trigo e, por isso não tinham milho ou se o tinham era em pequena quantidade.”