PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A ROMEIRA
No Seminário Menor de Ponta Delgada, onde estudei durante dois anos, o traje obrigatório para os alunos, quando em passeio, era fato preto e gravata da mesma cor com camisa branca. No de Angra, onde estudavam os alunos entre o terceiro e o décimo segundo ano, era obrigatório o uso da batina. Assim, durante as minhas férias do segundo para o terceiro ano, uma das tarefas com que me havia de preocupar, durante as mesmas, passadas habitualmente na Fajã Grande, foi a de mandar fazer uma batina e a respectiva romeira, que, juntamente com o chapéu, devia acompanhar a sotaina durante os passeios, pela cidade de Angra e arredores.
Ora em toda a ilha das Flores só havia um alfaiate que sabia fazer batinas. Morava em Santa Cruz, tinha a alfaiataria ali mesmo em cima do cais de embarque mas não era muito hábil na confecção de batinas, revelando pouca experiência e limitada competência. Os sacerdotes na ilha não eram muitos e, como viviam ali totalmente isolados dos poderes diocesanos e das fiscalizações da cúria, a maioria trajava aquela veste talar apenas nas cerimónias e celebrações litúrgicas, poupando-as muito, pelo que, o alfaiate, poucos proventos conseguia e ainda menos se exercitava na sua confecção. Mas como não podia apresentar-me no Seminário sem batina, lá fui encomendá-la, juntamente com a romeira. Estranhamente o homem nunca fizera uma romeira, nem sabia do que se tratava.
Bem lhe expliquei o que era e a função que tinha, mas o homem continuava sem perceber patavina. Disse-lhe, então, que era uma espécie de gola grande de um casaco, mas solta e separada da batina, por cima da qual se colocava, prendendo-a à frente com um colchete. Que sim senhor! Que estivesse descansado que me havia de fazer uma romeira às direitas.
Tiradas as medidas e acertado o preço, combinou-se a data para fazer a prova da batina que a romeira disso não precisava.
No dia de vapor, antes de embarcar, passei por lá, paguei, recebi o embrulho com ambas as peças e meti-o na mala sem o abrir.
Cheguei ao Seminário, ansioso pelo primeiro dia de passeio, para estrear a minha nova indumentária clerical. Finalmente, esse dia chegou. Vesti a batina que me assentava a matar e, todo vaidoso, coloquei a romeira por cima e ao redor do pescoço, como mandavam as normas. Como dentro de casa era um pouco escuro, ninguém se apercebeu de nada, mas quando chegamos à rua, foi o bom e o bonito. Logo ao assomar à porta de saída alguém se deu conta do seu formato inédito, estranho e ridículo. Um gozo tremendo e uma risada total! Um coro de zombaria durante todo o passeio. É que a romeira que eu com tanto esmero havia colocado sobre os ombros, não era nada mais nem nada menos do que uma gola de casaco de senhora, cujo modelo, o alfaiate havia retirado de um catálogo da especialidade. Que vergonha eu passei e de que gozo fui alvo! E para mágoa minha tive que andar com ela até que uma costureira da cidade, apesar de cheia de serviço no início do ano, lá teve tempo e disponibilidade para me fazer uma romeira de verdade.