PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
VENDAVAIS E CICLONES DE OUTUBRO
As ilhas açorianas foram mais uma vez, durante este mês de Outubro, assoladas por vendavais, tempestades e ciclones, com destaque para o que afectou algumas delas, no passado dia quatro – o Nadine. Embora prevista, a sua passagem, sobretudo pelas ilhas do grupo central, deixou algumas marcas destruidoras e o temporal que provocou, assustou de sobremaneira, durante a noite de três para quatro, muitos dos moradores daquelas ilhas, nomeadamente na parte Sul do Pico. Não satisfeito com os estragos e prejuízos da sua primeira passagem, o famigerado Nadine, havia de ameaçar as ilhas, com uma segunda passagem, embora menos aterrorizante e mais restrita.
Acontece, porém, que a história dos Açores está repleta de referências a tempestades e vendavais deste género, desde os mais remotos tempos do seu povoamento, conforme refere Gaspar Frutuoso, em Saudades da Terra, onde enumera várias catástrofes naturais, relacionadas com o estado do tempo, acontecidas entre os séculos XV e XVIII. Às mesmas ou a outras intempéries faz referência António Cordeiro na Historia Insulana. Por isso mesmo vendavais, tempestades, furacões e ciclones não são e nunca foram novidade nos Açores. Ainda em anos recentes, haviam chegado outros, alguns deles também deixando pesadas marcas nalgumas ilhas, como o Charley, o Tânia, o Bonnie e o Gordon, este de tal maneira e com tal exagero anunciado que, durante a sua passagem muitas pessoas se fecharam em casa, outras pregaram as portas e as janelas e algumas até sofreram ataques de pânico prematuros.
Mas o maior ciclone de que há memória nos Açores, verificou-se no dia 4 de Outubro de 1946, por curiosidade, precisamente sessenta e seis anos antes da passagem da actual passagem do Nadine, acontecida no passado dia quatro. Tratou-se de um ciclone de grande força e intensidade e que assolou, de forma muito particular, a parte Sul da ilha do Pico. Na freguesia de São Caetano fez-se sentir com uma intensidade medonha, uma força aterradora, uma extraordinária violência. Ainda hoje, pessoas existem naquela freguesia picoense que lembram, com respeito e temor, aquela hecatombe que, embora não tendo provocado mortes, os prejuízos materiais foram enormes e de tal ordem que, inclusivamente, forçaram uma alteração significativa no desenho geográfico da freguesia. Muitas casas ficaram danificadas, as adegas, na altura localizadas na orla marítima, numa faixa compreendida entre o Porto e o lugar dos Coxos, foram totalmente destruídas, assim como a casa dos botes e outras ramadas de guardar barcos que ali também se localizavam. Essa a razão por que na sua reconstrução, a maioria das adegas foram edificadas bem mais longe do mar. Conta-se ainda que três mulheres que por ali transitavam teriam sido salvas como que milagrosamente. Noutras localidades da ilha do Pico, nomeadamente em São Mateus e nas Lajes, assim em muitas ilhas do arquipélago, os estragos também se fizeram sentir, havendo notícia de que o grande hangar do Aeroporto de Santa Maria, aberto a voos, dois anos antes, foi parcialmente destruído. Sabe-se também que se afundaram alguns batelões e lanchas de pesca e que terão encalhado alguns iates, sendo que o mar, nos dias seguintes, surgiu repleto de destroços das embarcações naufragadas.
Crê-se que os Açores, nos últimos cem anos, em que já existem registos fiáveis de tais catástrofes, tenham sido assolados pela passagem de cerca de trinta e três ciclones ou tempestades tropicais, sendo algumas de enorme violência, provocando graves prejuízos, sem, no entanto, nunca haver referências a mortes.
Se a estas intempéries acrescentarmos as crises sísmicas, as pestes e os anos de seca prolongada, entende-se melhor a força gigantesca deste povo que, pese embora seja permanentemente fustigado por tão frequentes e desoladoras atrocidades da natureza, conseguiu sobreviver, defendendo, reconstruindo e recuperando os seus bens, os seus haveres e sobretudo o seu património arquitectónico.