PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O LUGAR DO BATEL
O Batel era um dos mais interessantes lugares da Fajã Grande. É que para além de ter um exuberante e enigmático nome, era um sítio de uma beleza rara, donde se usufruía de uma vista admirável, com terrenos de excelente qualidade e, sobretudo, porque o caminho que o atravessava era ladeado por altíssimas paredes construídas com enormes e pesadíssimos calhaus que lhe davam uma imponência rara e uma monumentalidade ímpar.
Situado bem no centro da freguesia, ligeiramente afastado das últimas casas da Fontinha e próximo da Rocha, a ele se tinha acesso pelo Alagoeiro, uma vez que se localizava a Sul deste último lugar, com a Fonte Cima a separá-los. Assim o Batel fazia fronteira a Norte com a Ribeira e a Fonte Cima, a Sul com a Silveirinha, a Oeste com a Bandeja e a Oeste com a Rocha, embora com o pequeno e estreito lugar da Figueira entrincheirado pelo meio. Esta proximidade da Rocha, alta, pedregosa, abrupta e aprumada, terá, em tempos idos originado a que por ali rolassem muitas pedras, algumas de grandes dimensões e que, ao cair, atingissem tal velocidade que ultrapassavam a estreita faixa da Figueira e, possivelmente, vindo parar naquele lugar. Assim os primeiros povoadores e nossos antepassados terão encontrado aquele sítio pejado de grandes pedras e enormíssimos calhaus, mas, apercebendo-se de que ali havia terrenos muito férteis, decidiram-se por “arrumar” todos aqueles gigantescos pedregulhos, para assim usufruírem da excelência e riqueza produtiva daqueles campos. As pedras mais pequenas foram fáceis de arrumar, construindo com elas maroiços, uns transformados em veredas outros em botaréus que sustinham os socalcos feitos naqueles aclives, a fim de mais facilmente os agricultarem, enquanto com as maiores edificaram as altíssimas e robustas paredes que ladeiam o caminho. Por essa razão naquele sítio, o caminho, formando uma ladeira, conhecida pela ladeira do Batel, sobretudo à esquerda de quem o subia de norte para sul, portanto do lado da rocha, possui paredes excessivamente altas, pejadas de enormíssimos calhaus, muito provavelmente caídos da rocha e que ali só poderão ter sido colocadas com máquinas que hoje se desconhecem, constituindo, o seu levantamento e colocação no alto, uma espécie de mistério ainda hoje difícil de decifrar. A imponência, a monumentalidade, a beleza e sobretudo o facto de revelarem claramente a força e a garra dos nossos antepassados, são impressionantes, pelo que exigem que aquelas emblemáticas paredes, únicas na freguesia e até na ilha, sejam conservadas para sempre, talvez mesmo estudadas e consideradas como um testemunho, um património que não deve ser abandonado nem muito menos destruído.
O Batel, na parte mais a norte, também designado por Batel de Baixo, era sítio de terras de milho, de batata-doce e de trevo para o gado, todas elas muito férteis e produtivas. Na parte superior e mais alta, também chamado Batel de Cima, predominavam, sobretudo, pastagens de excelente qualidade e que os seus donos, por vezes “vedavam” a fim de as utilizar, exclusivamente, para as vacas de leiteiras.
É estranho este topónimo, uma vez que a palavra “batel” não tem outro significado, utilizando-se, na língua portuguesa, apenas para designar uma embarcação de pequenas dimensões. Mas ali nunca existiram, nem nunca se utilizaram embarcações de espécie alguma. A hipótese mais provável e justificativa de tão estranho nome, é a de que tendo aquele lugar uma excelente vista sobre o mar, fazendo com que dali, facilmente, se pudessem observar as embarcações ou os batéis que navegavam no oceano e assim, o lugar passasse a ser referido como um lugar bom para ver batéis ou o lugar do Batel. Outra hipótese menos bem provável é a de que muitos dos terrenos daquele local em forma de socalcos, com as paredes e botaréus que os sustentavam, tinha a forma ou semelhança de barcos ou batéis, passando assim a ser o lugar onde havia batéis ou o lugar do Batel. Uma terceira hipótese é a de alguém com um homónimo ter dado nome ao lugar, mas esta parece ser muito pouco razoável, uma vez que aquela palavra parece nunca terá sido utilizada como nome ou apelido.
Na parte mais alta da ladeira e à esquerda de quem a descia, havia um “descansadouro”, no enfiamento duma canada que dava para a Bandeja. Como o descansadouro fora construído num alto, dele sim, podia-se desfrutar de uma das mais belas vistas sobre uma parte da Fajã, da Ponta encafuada debaixo da Rocha e do mar.