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A LENDA DA LAGOA SECA (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)

Sexta-feira, 10.01.14

Domingo, 21 de Setembro de 1946

“Esta nossa ilha das Flores está repleta de ribeiras, lagoas, poços muito fundos, grotas e regos de água por toda a parte. É uma ilha repleta de sombras, esconderijos e mistérios a que se associam muitas estórias e lendas. Além disso é um lugar onde chove muito o seu solo é muito húmido e o subsolo repleto de água, donde brotam muitas nascentes, algumas com água bem fresquinha e saborosa, como é a Fonte Vermelha, aqui na rocha da Fajã ou o Rossio ali no centro da Fajãzinha. Mas existem muitas outras nascentes, algumas delas pequeninas como uma que tenho na minha lagoa das Covas, outras bem maiores e muitas delas a brotarem tanta água que se transformaram em ribeiras, grotas e lagoas de todos os tamanhos, formas e feitios, a abarrotar de água e de frescura por toda a ilha e por todo o território geográfico da freguesia da Fajã Grande, entre o mar e os elevados montes do Queiroal, da Água Branca e Rochão do Junco, desde da Caldeirinha e do Risco até à Ribeira Grande. São locais muito bonitos, espaços paradisíacos, pedaços do céu que remendam a terra e dão a esta freguesia uma áurea de sublimidade, de encantamento e de graciosidade. No entanto e no meio de toda este conjunto de belezas aquáticas e paisagens naturais, existe uma, mas uma apenas que a natureza encravou no subsolo, tão profunda, tão aberta, tão redonda e tão bem edificada nos contrafortes das rochas e montes circundantes, que pura e simplesmente não tem nascente, nem tem água. Está seca e ninguém se lembra de alguma vez ter armazenado no seu seio qualquer quantidade de água. Um fenómeno natural muito difícil de explicar. Como é que numa terra onde chove tanto e onde existe tanta água no subsolo existe uma lagoa seca, sem água? Até porque é em tudo igual às outras lagoas, simplesmente não tem água e, por isso, lhe puseram o nome de Lagoa Seca.

Situada nas proximidades das restantes lagoas que ocupam o território da Fajã Grande, já na fronteira com Santa Cruz, a Lagoa Seca, precisamente por ser seca, ainda hoje constitui um enigma difícil de decifrar. Porquê seca se sobre ela cai tanta chuva como nas restantes? Porquê seca se o subsolo ao seu redor parece ter as mesmas nascentes que as outras têm, uma vez que se situam ali perto? Pois meu pai, quando eu era criança, contava-me uma estória bem antiga, uma lenda conhecida como a “Lenda da Caldeira Seca” e que era mais ou menos assim:

Contava ele que há muitos, muitos anos, havia ali, naquele lugar, um pequeno povoado. Um certo dia, em que todos os habitantes daquele lugar estavam em festa e se divertiam a bailar e a cantar, uma mulher velha, doente e sem poder sequer socorrer-se a si própria, estando às portas da morte, mandou pedir aos seus conterrâneos que lhe fossem buscar um pouquinho de água, pois morria de sede e dentro do povoado não havia uma única fonte. Mas ninguém daquele lugar, se predispôs a ajudá-la, pois estavam a divertir-se e por nada deste mundo iam deixar aqueles folguedos, muito menos para ir ajudar uma velha tonta e já decrépita, quase a morrer. Era o que lhes havia de faltar: parar o bailarico para ir buscar água para a velha! E ninguém foi ajudar a velhinha, tendo esta, algum tempo depois morrido de fraqueza, de fome e, sobretudo, de sede.

Foi então que depois da sua morte caíram grandes tempestades e fortes cataclismos sobre aquela localidade, a terra abriu-se e dela saiam labaredas. Como não havia uma única gota de água para abrandar aquele fogo infernal, em pouco tempo, tudo foi consumido e desapareceu: pessoas, animais, casas, campos e utensílios. Só quando tudo aquilo acalmou se viu que aquele lugar tinha sido todo queimado, destruído e transformado naquela cova ou buraco que se tornou numa lagoa, bela, frondosa, rodeava de flores e de verdura, em tudo semelhante às outras, mas, simplesmente, sem água - seca.” 

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publicado por picodavigia2 às 15:06





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