PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
MARAVILHAS DO MEU VELHO
Poema oral recolhido na freguesia da Fajãzinha, ilha das Flores, por Pedro da Silveira, junto de Manuel Mariano e publicado na Revista Lusitana, Nova Série, em 1986 e que também era declamado e cantado na Fajã Grande mas numa versão com algumas variantes:
“Maravilhas do meu velho, tenho eu para contar:
Dava-me real e meio par’ eu vestir e calçar
E o resto que me ficasse que lo havia de dar
P’ra se comprar de toucinho para ajuda do jantar.
Tenho o meu linho no lago e o meu velho a morrer;
Entes o meu velho mora que o linho se perder.
Ergui-me de manhã cedo para d‘ir fazer a barrela
Achei o meu velho morto entre as pedras da janela.
Entre as pedras da janela, encostado ao poial,
Que ele gostava d’ir de noite comer peras p’ra o quintal.
Fui chamar as choradeiras, que mo viessem chorar;
Bem chorado, mal chorado, vai-se o velho enterrar.
A perca do meu marido é perca de um alguidar:
Quebra-se um e merca-se outro, fica no mesmo lugar.
Mandei ter c’o carpinteiro, fizesse-le um caixão de pinho,
Que le ficasse à medida, dos artelhos ao focinho.
Mandei ter com o sineiro, que o sinal fosse tocar,
Bem tocado, mal tocado, nin que fosse a repicar.
Mandei ter com o coveiro, que a cova le fosse abrir,
Sete varas de fundura, nã possa de lá fugir.
Mandei avisar o padre, para bem de o encomendar,
Que o encomendasse a preceito, meio a rir, meio a cantar
E lá se vai o meu velho, lá se vai deixem no d’ir,
Que ele era amante do vinho e das monças de servir.
Ó homens de misericórdia, que o meu marido levais,
Desencostai-o das paredes, na no encosteis aos postais
Desencostai-o das paredes, desarredai-mo das portas.
Que ele era pior que os gatos, de noite nessas hortas.
Vinha já fora do adro, vinha já de o enterrar,
P’lo caminho me diziam: “Viúva torna a casar.”
Eu cá casar casaria, se nã fosse os maldezentes:
“Olha a patifa da velha, ainda quer a cama quente.”