PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
AS SELHAS DE LAVAR ROUPA
Antigamente, na Fajã Grande, como na maioria das freguesias rurais das Flores e de outras ilhas açorianas, não havia água canalizada, nem muito menos pias de lavar roupa, geralmente, feitas em cimento, nem sequer tanques públicos, construídos de pedra basáltica, para lavagem e branqueamento da dita cuja. Assim as mulheres e as raparigas, por vezes ainda muito novinhas, que aos homens essa tarefa era “proibida”, tinham que se deslocar às ribeiras para lavar, branquear e “coarar” os trapinhos que elas e os seus familiares iam usando e sujando, por vezes em demasia, ao longo da semana e a que se acrescentavam os lençóis das camas, por vezes as colchas e os cobertores e, uma vez ou outra, até os capachos da sala e da cozinha. As ribeiras mais procuradas, ou melhor, exclusivamente procuradas para a lavagem da roupa, na Fajã Grande, eram apenas duas: a Ribeira das Casas, junto à ponte do caminho da Ponta e a Ribeira de Cima, no local onde se situava o arame da Rocha, sendo esta, um afluente da primeira. Num e noutro destes locais, institucionalizados como espécie de “tanques naturais”, ou lavadouros comunitários, havia algumas estruturas de apoio à lavagem, nomeadamente pequenos açudes, construídos com grandes pedras formando grandes poços onde a água se tornava mais abundante, lavadouros de pedra, ao lado dos quais havia pedras para colocar a roupa que se ia lavando e lajes para as lavadeiras ajoelharem e executarem com maior eficiência e comodidade a sua tarefa. Ao lado da ribeira ou nas suas margens havia tapetes de relva destinados a por a roupa branca a “coarar”.
No entanto, a deslocação, sobretudo das donas de casa, a uma ou outra das ribeiras era longa e demorada, cerceando ou obstruindo por completo muitas outras tarefas quotidianas, caseiras e não só, que a mulher tinha que efectuar. Por isso, sempre que possível, evitava-se a deslocação à ribeira, limitando-a, geralmente, a uma vez por semana
Mas era imperioso lavar roupa com mais frequência, sobretudo a das crianças, nomeadamente, as fraldas. Era essa a razão por que em quase todas as casas existiam as chamadas “selhas de lavar roupa”. Eram grandes selhas de madeira, com a borda bem mais alta do que as outras e que tinham como anexo um lavadouro, também ele de madeira. Este era uma simples e grossa tábua de madeira, rectangular e com variadas ranhuras paralelas e simétricas num dos lados, que a tornava áspera, de modo a que nela se esfregasse a roupa como se um verdadeiro lavadouro de pedra se tratasse e que constituiu a antecessora dos lavadouros de cimento que surgiram, anos mais tarde, a quando do abastecimento de água à freguesia. A parte inferior destes lavadouros, ou seja aquela que se encastoava no fundo da selha quando cheia de água, era côncava, ou em bico nas extremidades, para que a mesma se fixasse melhor e não “zangaliasse” enquanto a lavadeira, num vaivém contínuo, permanente e, por vezes, violento, mesma esfregava a roupa contra a.
As “selhas da roupa” um utensílio de grande utilidade, de uso quase diário na década de cinquenta. Hoje a perderem-se na memória do tempo e reduzidas à expressão mais simples, ou seja a pequenas miniaturas que os artesãos locais vão ostentando e guardando para que a sua memória não se perca.