PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
MITOS E LENDAS
Desde os tempos mais remotos, quiçá anteriores ao paleolítico, que o ser humano revelou sentimentos de espiritualidade transcendente, embora excessivamente dominados, por um lado pela sua condição animal e, por outro, pela superstição.
A esses sentimentos estão necessariamente associadas emoções e actos que, apesar de ainda revelarem acentuado cunho tipicamente animal, de alguma forma se transferiram para agentes ultra humanos e sobrenaturais, originando mitologias diversas e religiões diversificadas.
Nesses tempos, o homem, ainda não dominador do conhecimento do mundo e dos prodígios naturais de que se rodeava, presenciava fenómenos que, apesar de simples na sua origem, não podia entender, nem compreender ou explicar as suas causas, dificilmente admitindo o movimento e a acção sem vontade e consciência. Tudo era motivo de admiração e medo: desde a deslocação dos astros no espaço e as correrias loucas dos meteoritos ao simples transbordar da água do leito de um rio ou uma nascente a brotar da rocha. Daí a necessidade de explicar estes fenómenos, através duma “sobrenaturalização” dos mesmos e a tendência para simplificar tudo o que transcendia os limites da compreensão e do entendimento e de atribuir a todos esses fenómenos uma dependência das vontades de forças estranhas e sobrenaturais, responsáveis por tudo o que de bem ou mal ia acontecendo, através dos tempos, sobre a face da Terra.
Esses agentes, muitas vezes eram amigos porque provocavam o bom, o sublime, o agradável e o útil. Outras, porém, eram maus, terríveis, pérfidos e assombrosos, porque eram a origem e a causa de todos males, desgraças e destruições.
A esperança de poder apaziguar estes últimos fez surgir a ideia de sacrifício, enquanto da intenção de mover os primeiros a agirem mais frequente e proficuamente, nasceu a oração. Assim surgiram criações míticas e religiosas, cuja forma e conteúdo variaram substancialmente, ao longo dos séculos e dos milénios, segundo as características dos meios e os costumes dos povos.
Estas criações existentes, então, em quantidades impossíveis de conhecer ou de contar, originadas sobretudo a partir de esforços frustrados, sucessivos e contínuos de compreensão e entendimento da natureza e dos fenómenos em que era profícua, foram marginalizadas, na sua globalidade, pela História e pela Lógica. Apenas sobreviveram as que, retidas na memória ou gravadas em pedras e tábuas, marcaram de tal modo a conduta do ser humano, os seus princípios e a sua filosofia, a ponto de se tornarem património de grandes aglomerados culturais e de grandes civilizações, que nelas procuraram a razão de ser da sua existência e, também, da sua fé.
Destas últimas apoderou-se a História e chamou-lhes mitos e lendas, enquanto as primeiras, não menos mitológicas, se perderam na torrente imperturbável e fatídica do tempo. Conhecê-las impossível! Imaginá-las será percorrer montanhas e planícies, saltar precipícios e ravinas, conhecer povos e civilizações, pesquisando culturas, costumes e tradições, alterando os limites da razão, da lógica, do pensamento humano e da própria História. Será investigar o impossível, conhecer o infinito, dominar o transcendente e, sobretudo, penetrar nos domínios da fé e da crença.