PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
UMA NOITE MÁGICA
Acredita-se, hoje, que as tradicionais e populares festas em honra de S. João terão tido, muito provavelmente, a sua origem nas chamadas festas juninas, de origem pagã e relacionadas com a celebração do solstício do Verão, que se crê terão tido a sua origem no Norte da Europa, onde naturalmente a chegada do Estio era muito desejada e, consequentemente, efusivamente festejada. Depressa, no entanto, essas celebrações se foram alastrando por outras regiões e latitudes, sendo mais tarde, já em plena Idade Média, cristianizadas como festas em homenagem a S. João, permanecendo, no entanto, eivados de costumes interessantes e estranhos e de tradições muito antigas, que permaneceram enraizados naquelas festas e que foram sendo enriquecidos com outros costumes, tradições e até lendas da Igreja Católica. É o caso das fogueiras que se acendem por toda a parte, nesta noite e a que a Fajã Grande, dos anos cinquenta e da minha meninice, não era alheia.
Segundo uma lenda católica, este antigo costume de acender fogueiras na noite de S. João tem as suas raízes num acordo feito entre as primas Maria e Isabel. Para avisar Maria, de que o nascimento de São João Baptista se aproximava e ter a sua ajuda após o parto, Isabel terá acendido uma fogueira sobre um monte. Segundo outras fontes, as fogueiras já seriam acesas, em tempos anteriores, sobretudo nos países nórdicos, a fim de darem, no início do Estio, uma ajuda simbólica ao Sol, a fim de que este se fortalecesse e transmitisse sua força vital ao planeta Terra. Também se pensa que as fogueiras teriam, inicialmente, como objectivo afastar os seres místicos, como as bruxas e outras forças do mal, naquela importante noite de Verão, pois acreditava-se que, durante a mesma, tais seres vagavam ainda mais, obstruir os tempos menos escuros que se seguiriam.
Na Fajã Grande, na véspera de São João, acartávamos molhos e molhos de loureiro, bem verde, a que juntávamos ramos de tamujo, para que, ao arder, o lume estalejasse melhor. Não havia casa com crianças que, em frente à porta da cozinha, não acendesse a sua fogueira, a qual se ia activando e saltando ao longo da noite.
Para além das fogueiras, da magia das suas labaredas, do estalejar das folhas verdes do loureiro e do tamujo e do vermelho do brasido final, a noite também era mágica porque outros costumes e tradições se cumpriam e encenavam. Um deles era o da clara do ovo: à meia-noite partia-se um ovo e deitava-se a clara num copo com água, deixando-o assim, na rua, ao relento, até de manhã, preferencialmente, entre verduras. O fresco da noite e o sereno provocavam na clara formas de objectos diversos que, seguramente, davam pistas de como seria o destino futuro de quem a colocara. Quem não se sentisse seguro sobre o amor, colocava num prato um pouco de água e dentro ele deixava cair duas agulhas, que assim permaneciam durante a noite. Se estas, de manhã, aparecessem juntas na água era sinal de que o ser amado era fiel e também amava a pessoaem causa. Se, ao contrário, as agulhas se separassem, era sinal de infidelidade e de que o amor não era correspondido. Outro costume era o de colocar debaixo do travesseiro três grãos de favas: uma, toda descascada, outra, com meia casca e a terceira com a casca toda. De manhã, tirava-se uma das favas, de repente. A que tirássemos dir-nos-ia, se seríamos pobres, remediados ou ricos. As pessoas solteiras que colhessem sete flores de tipos diferentes e as colocassem debaixo do travesseiro teriam a possibilidade de sonhar com a pessoa com quem se casariam. Por sua vez, torrar favas era um hábito muito comum, no dia seguinte, assim como bordejar no mar e a cantar. Por isso neste dia se davam muitos passeios, de barco, no mar
Também se dizia que as fontes, nessa noite, jorravam vinho. Quem, à meia-noite em ponto, procurasse uma bica para beber água, seria surpreendido pois esta era substituída por um bom vinho. Mas pelos vistos nunca ninguém o conseguiu, pois era impossível colocar a boca na bica, à meia-noite, com rigor absoluto, em tempos em que os relógios rareavam