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MINHA MÃE E O “CASAMENTO DO MARUJO”

Terça-feira, 25.06.13

Há dias, andava eu a folhear uns números da Nova Série da Revista Lusitana e encontrei, no número sete da referida revista (1986), um artigo de Pedro da Silveira, intitulado “CATORZE TROVAS E UM CONTO RECOLHIDOS NA ILHA DAS FLORES”. Por se tratar de textos orais, no final de cada recolha, aquele investigador literário fajãgrandense indicava o nome da pessoa que lhe havia contado o conto ou declamado a trova, entre os quais surgia, entre outros, com relevo os nomes de José Inácio da Ponta e Manuel Mariano da Fajãzinha, que durante anos e anos, praticamente sozinho, cantava missa e afins, em canto chão, na igreja paroquial daquela freguesia.

Entre estas quinze preciosidades recolhidas todas elas na Fajã Grande e Fajãzinha entre 1941 e 1951, realçou-me o “Casamento do Marujo”, não tanto pelo texto em si, mas pela pessoa que lho recitara. Nada mais, nada menos do que Angelina Fagundes, ou seja, a minha mãe! A recolha daquela trova foi feita em Julho de 1942 e, segundo Pedro da Silveira, minha mãe tê-la-ia ouvido a uma sua antiga vizinha chamada Ana Fraga, ou seja, a popular “tia Fraga” que morava na Fontinha, na velhinha “Casa de Lá” ou “Casa do Tear” que meu avô arrematara, dado que após a morte daquela, segundo se dizia, bondosíssima senhora, a casa foi leiloada a favor da igreja paroquial. Foi lá que os meus avós montaram um dos poucos teares existentes, na altura na Fajã, no qual foram tecendo, durante anos e anos, quase toda as minhas tias, sucedendo-se umas às outras, à medida que se iam esquivando para a América ou para o convento. Segundo o testemunho da minha progenitora, tia Fraga havia ouvido e decorado o “Casamento do Marujo” quando rapariga a uma mulher de S. Miguel, por volta de 1860-1865, altura em que se crê que algumas famílias de pedreiros de S. Miguel, nomeadamente de Vila Franca e Ponta Garça terão emigrado para as Flores, estabelecendo-se muitos deles, na Fajã Grande.

Reza assim a dita Trova: “O Casamento do Marujo”:

 

“No gozo da minha infância,

Ainda quase uma criança,

Das amadas fui querido.

Logo me ficou no sentido,

A mais bela e engraçada.

Lhe falei p’ra minha amada,

Nem o pai nem a mãe quis.

Ai de mim tão infeliz!

Com quinze anos de idade,

Fui então para a cidade,

E embarquei na “Salvaterra”,

Por ser boa nau de guerra.

Corri todos os Açores

Para ver se achava amores,

A minha satisfação.

Foi uma bela ocasião,

A filha de mestre Amaro,

Que o pai tinha por amparo,

E era uma bela costureira,

Dava pontos à frieira;

Aquilo era um gosto vê-la,

Mais linda do que uma estrela.

Tinha olhos bonitos,

Os meus ficaram aflitos.

Logo ao sair da missa,

Fez-me uma linda malícia;

Meu coração deu um ai,

Fui logo falar ao pai.

O pai ficou muito contente,

Foi dizer à sua gente

Quem casava com a filha.

Até da ponta ilha

Veio gente ao casamento,

Homens de grande talento,

O regedor e o cura,

Mais o filho do Ventura,

Com violas e rebecas,

Vinho em potes e canecas,

O dia do meu noivado

Deixou tudo admirado!”

 

Pedro da Silveira In Revista Lusitana (Nova Série) 1968, nº 7 pag.s 121 e 122.

 

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publicado por picodavigia2 às 15:43





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