PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
MINHA MÃE E O “CASAMENTO DO MARUJO”
Há dias, andava eu a folhear uns números da Nova Série da Revista Lusitana e encontrei, no número sete da referida revista (1986), um artigo de Pedro da Silveira, intitulado “CATORZE TROVAS E UM CONTO RECOLHIDOS NA ILHA DAS FLORES”. Por se tratar de textos orais, no final de cada recolha, aquele investigador literário fajãgrandense indicava o nome da pessoa que lhe havia contado o conto ou declamado a trova, entre os quais surgia, entre outros, com relevo os nomes de José Inácio da Ponta e Manuel Mariano da Fajãzinha, que durante anos e anos, praticamente sozinho, cantava missa e afins, em canto chão, na igreja paroquial daquela freguesia.
Entre estas quinze preciosidades recolhidas todas elas na Fajã Grande e Fajãzinha entre 1941 e 1951, realçou-me o “Casamento do Marujo”, não tanto pelo texto em si, mas pela pessoa que lho recitara. Nada mais, nada menos do que Angelina Fagundes, ou seja, a minha mãe! A recolha daquela trova foi feita em Julho de 1942 e, segundo Pedro da Silveira, minha mãe tê-la-ia ouvido a uma sua antiga vizinha chamada Ana Fraga, ou seja, a popular “tia Fraga” que morava na Fontinha, na velhinha “Casa de Lá” ou “Casa do Tear” que meu avô arrematara, dado que após a morte daquela, segundo se dizia, bondosíssima senhora, a casa foi leiloada a favor da igreja paroquial. Foi lá que os meus avós montaram um dos poucos teares existentes, na altura na Fajã, no qual foram tecendo, durante anos e anos, quase toda as minhas tias, sucedendo-se umas às outras, à medida que se iam esquivando para a América ou para o convento. Segundo o testemunho da minha progenitora, tia Fraga havia ouvido e decorado o “Casamento do Marujo” quando rapariga a uma mulher de S. Miguel, por volta de 1860-1865, altura em que se crê que algumas famílias de pedreiros de S. Miguel, nomeadamente de Vila Franca e Ponta Garça terão emigrado para as Flores, estabelecendo-se muitos deles, na Fajã Grande.
Reza assim a dita Trova: “O Casamento do Marujo”:
“No gozo da minha infância,
Ainda quase uma criança,
Das amadas fui querido.
Logo me ficou no sentido,
A mais bela e engraçada.
Lhe falei p’ra minha amada,
Nem o pai nem a mãe quis.
Ai de mim tão infeliz!
Com quinze anos de idade,
Fui então para a cidade,
E embarquei na “Salvaterra”,
Por ser boa nau de guerra.
Corri todos os Açores
Para ver se achava amores,
A minha satisfação.
Foi uma bela ocasião,
A filha de mestre Amaro,
Que o pai tinha por amparo,
E era uma bela costureira,
Dava pontos à frieira;
Aquilo era um gosto vê-la,
Mais linda do que uma estrela.
Tinha olhos bonitos,
Os meus ficaram aflitos.
Logo ao sair da missa,
Fez-me uma linda malícia;
Meu coração deu um ai,
Fui logo falar ao pai.
O pai ficou muito contente,
Foi dizer à sua gente
Quem casava com a filha.
Até da ponta ilha
Veio gente ao casamento,
Homens de grande talento,
O regedor e o cura,
Mais o filho do Ventura,
Com violas e rebecas,
Vinho em potes e canecas,
O dia do meu noivado
Deixou tudo admirado!”
Pedro da Silveira In Revista Lusitana (Nova Série) 1968, nº 7 pag.s 121 e 122.