PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A GARAGEM DOS TERREIROS
Situada bem lá no cimo da Rocha da Fajãzinha, mais para os lados da Caldeira, a Garagem dos Terreiros foi durante muitos e muitos anos um ponto de referência não apenas para a população da Fajã Grande mas também para a da Fajãzinha e do Mosteiro, porquanto representava o fim da única estrada que ligava Santa Cruz e eventualmente as Lajes, mas com um longínquo percurso pela Fazenda, Lomba e Caveira, à zona mais ocidental da ilha.
No início da década de cinquenta havia apenas duas estradas na Ilha das Flores: uma a ligar as Lajes a Santa Cruz e a outra que partindo de Santa Cruz atravessava os Matos, terminando nos Terreiros, precisamente em frente à dita Garagem. Daí a importância, utilidade e interesse que esta assumiu pois, nestas condições e naquela altura, era lá que as pessoas, assim como as mercadorias ou esperavam transporte a Santa Cruz ou, no caso inverso, aguardavam carregamento ou companhia para a freguesia a que se destinavam. As pessoas, muitas vezes, ali descansavam, comiam os seus farnéis e abrigavam-se da chuva ou protegiam-se dos temporais para, sobretudo no caso da Fajã que ficava bem mais longínqua, palmilharem a pé a Rocha da Figueira ou a dos Bredos, atravessar a Fajãzinha, de lés-a-lés, transpor a Ribeira Grande, subir a ladeira do Biscoito até à Eira-da-Cuada e percorrer o Caminho da Missa até entrar na Fajã pelo cimo da Assomada. Também era para lá, onde era guardada à espera de transporte, que era conduzida em mulas toda a manteiga e até a nata destinada à fábrica de Santa Cruz e que a Fajã produzia.
A Garagem era um edifício em pedra, caiada de branco, coberta de telha alaranjada, ficava no lado esquerdo de quem subia o caminho vindo da Fajãzinha e constituiu durante a década de cinquenta não apenas o terminal da Carreira e dos poucos automóveis e carros de praça existentesem Santa Cruzmas também o local de carga e descarga das camionetas dos principais comerciantes da ilha: do Flores, dos Serpa de Santa Cruz e do Germano e da Firma das Lajes. A garagem era portanto, ponto de partida e de chegada obrigatório para as populações do Mosteiro, Caldeira, Fajãzinha, Fajã Grande, Ponta e de grande parte das Flores
Por todas estas razões a Garagem dos Terreiros tornou-se como que um lugar mítico, um ponto de encontro de pessoas que por ali transitavam quase todos os dias em maior ou menor quantidade e que depois seguiam para as vilas ou para outras freguesias, a pé ou de carro. A primeira vez que a vi foi quando fui a pé da Fajã às Lajes acompanhar uma cunhada de meu tio que necessitava de tratar dos papéis para o casamento e me levou por companhia para que não atravessasse os matos da ilha sozinha. Depois por lá passei a pé inúmeras vezes, mesmo depois de construída a estrada que ligava os Terreiros ao Porto da Fajã, dado que a escassez de automóveis a tal nos obrigava. Nessa altura o percurso pelos Bredos e Eira-da-Cuada caiu em desuso, uma vez que a caminhada a pé pela nova estrada era bem mais fácil e acessível e com a vantagem ainda de se encurtar caminho subindo, na volta da Alagoinha, pela Rocha da Figueira, cujo a maior parte do percurso, apesar de tudo, consistia numa autêntica escada de pedra e por isso era bastante íngreme, árduo e cansativo.