PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A PRINCESA CARLOTA
(CONTO TRADICIONAL)
Era uma vez um rei, jovem e solteiro. Os conselheiros insistiam com ele, que se casasse, para deixar sucessores ao trono. O rei era amigo de caçar, e sempre que saía passava defronte de uma cabana, onde morava um velho pastor e sua formosa filha, chamada Carlota. Um dia disse-lhe o rei:
- Os meus vassalos querem que eu case, e tu és a única mulher de quem eu gosto; queres casar comigo?
- Isso não pode ser, senhor; porque eu apenas sou uma pobre pastora.
- É o mesmo, caso contigo, mas com a condição de nunca me contrariares nos meus desejos, por menos razoáveis que sejam.
- Estou por tudo que Vossa Majestade me ordenar. – Concluiu a pastora
Tudo acertado, realizou-se o casamento. O rei mandou para a cabana do pobre velho fatos de rainha, que ela vestiu, largando os seus trapinhos. Mas o pai disse-lhe:
- Guarda esses trapinhos, pode ser que ainda precises deles.
A filha guardou os trapos em uma caixa, que deixou em poder do pai, e partiu para o palácio, onde passou a viver, como rainha.
Ao fim de nove meses deu à luz uma menina, tão formosa como sua mãe. Passados três dias entrou o rei no quarto da esposa e disse-lhe:
- Trago-te uma triste notícia: os meus vassalos querem que eu mande matar a nossa filha, porque não se conformam serem um dia governados pela filha de uma pastora.
- Vossa Majestade manda, e cumpre-me obedecer, - respondeu a rainha, quase a saltarem-lhe as lágrimas dos olhos.
O rei recebeu a menina e entregou-a a um conselheiro. Tempos depois teve a rainha um filho, que o rei mandou igualmente matar sob o mesmo pretexto.
Alguns anos depois entrou o rei muito apoquentado no quarto da esposa e disse-lhe:
- Vou dar-te uma notícia, de todas a mais triste, os meus vassalos estão indignados comigo; não querem que estejas em lugar de rainha, e dizem-me que te expulse do palácio. Por isso, querida Carlota, prepara-te, que tens de voltar para a cabana de teu pai.
- Não se apoquente, Real Senhor; estou pronta a obedecer; parto já.
- Tens que despir os fatos de rainha.
- É o que já vou fazer, Real Senhor.
E a rainha despiu todo a roupa ficando em camisa.
- Não dispo a camisa, porque encobre o ventre onde estiveram guardados os nossos filhos. – Disse a rainha, lavada em lágrimas.
O rei nada teve que objectar e Carlota partiu com destino à cabana do pai. Estava o velho pastor à porta, quando viu aproximar-se a filha. Recolheu-lhe logo para dentro, tirou da caixa os antigos trapinhos e levou-os à filha para que os vestisse. Ela vestiu-os sem proferir um queixume e recomeçou a sua antiga vida de pastora. Para ela a sua vida de rainha fora apenas um sonho; lembrava-se muito dos seus filhos de quem tinha cada vez mais saudades. Passados anos voltou o rei a casa de Carlota, e disse-lhe que os vassalos instavam com ele, que casasse; e por isso tinha resolvido casar com uma formosa princesa de quinze anos.
- Efectivamente, respondeu a pastora, um rei bom como Vossa Majestade merece ter uma verdadeira princesa por esposa, que lhe dê uma descendência digna e nobre que lhe perpetue o nome.
- Venho pedir-te o favor de voltares ao palácio para dirigires as criadas de cozinha. Bem sabes que a princesa há-de ser acompanhada por fidalgos, e vem igualmente com seu irmão mais novo. Quero servi-los numa lauta mesa.
- Estou pronta, logo que Vossa Majestade ordenar, – disse Carlota
- Chegam amanhã. Deves regressar hoje ao palácio.
Assim fez Carlota, dirigindo-se para o palácio, vestindo um pobre vestido de chita. No dia seguinte chegou a noiva e o irmão, com outros fidalgos, e houve à sua chegada grandes festejos. Carlota estava na cozinha onde o rei a encontrou.
- Não vens ver a minha noiva? – Perguntou-lhe o rei.
Carlota saiu da cozinha e foi cumprimentar a noiva.
- É muito linda! - Disse Carlota, beijando-lhe a mão. - Deus a conserve por muitos anos e lhe dê muita felicidade. É digna do rei que vai receber por seu marido.
A menina ficou estupefacta. Então o rei ajoelhou-se em frente de Carlota, e disse:
- Olha que são os nossos filhos. Quis experimentar o teu coração: és uma pastora que vale mil rainhas.
Houve então mil abraços e beijos de parte a parte. O rei mandara os filhos para casa de uma tia, que os educava como príncipes, em vez de os mandar matar como tinha afirmado à rainha.