PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O TERÇO DO ESPÍRITO SANTO NA TERRA DO PÃO
A Irmandade União e Caridade da Terra do Pão, ilha do Pico, realizou, no passado fim-de-semana, a sua festa anual, em honra do Divino Espírito Santo. A principal razão porque esta celebração se realiza no início do verão, prende-se, fundamentalmente, com o regresso à localidade de inúmeros emigrantes, dispersos pela América e pelo Canadá, e que estão de visita, à terra que os viu nascer.
A festa, em si, é muito semelhante às festas do Espírito Santo, realizadas por altura do Pentecostes, nas restantes freguesias e localidades do Pico: arraial, cortejo, missa e distribuição de rosquilhas. Além disso, como as festas de Maio, a glorificação do Paráclito incluiu, na semana que precedeu a festa, o “canto do Terço do Espírito Santo” que, no entanto, aqui tem uma especificidade muito própria, diferenciando-se quer na música, quer no texto, do mesmo Terço, cantado no lugar da Prainha, freguesia de São Caetano a que aquela localidade também pertence.
O “Terço do Espírito Santo”, cantado na Terra do Pão é, incontestavelmente, uma celebração de caris profundamente religioso e que, a julgar pelo próprio texto, transmitido por tradição oral, remonta, muito provavelmente, aos primórdios do povoamento da ilha e aos tempos em que a mesma era abalroada por crises sísmicas frequentes e por outras calamidades, como se pode depreender de alguns dos textos cantados. O terço é constituído por cinco partes, nas quais se repete uma invocação dez vezes seguidas, sendo que a orientadora canta a primeira parte e o povo a segunda, situação que se alterna nas dez invocações seguintes. É este o texto, cantado cinquenta vezes, repartido por cinco blocos de dez invocações cada, que se diferencia do cantado noutros lugares, dali bem próximos. A primeira invocação é feita no presente do indicativo Adoramos com afectos de alma, o Espírito Santo Divino, enquanto na Prainha, é feita no mesmo tempo verbal, mas no conjuntivo. E as diferenças (aqui referidas entre aspas) continuam: “E” dos Céus “descenceu” sobre nós, “com” incêndios de amor divino. Os grupos de dez blocos são separados apenas com uma invocação, dividida, do mesmo modo que a invocação anterior, pelo condutor da assembleia e fiéis: Glória ao Pai que nos criou, glória ao Filho que nos remiu,/Glória ao Espírito “San“, “com a sua graça” nos “concebiu”(obviamente, em vez de concebeu e para rimar com remiu”. A segunda invocação: Fazei ó Santo Espírito a Deus Pai, Filho amar/A um só Deus em três pessoas, no Céu p’ra sempre adorar, cantada na Prainha, aqui não existe. No fim do terço, segue-se a Salve Rainha, também cantada e que termina com duas invocações, repetidas três vezes, com profunda intensidade, quer da música quer do texto: Senhor Deus de Misericórdia/Virgem Mãe de Deus, rogai por nós. Depois rezam-se alguns Pai-Nossos pelos irmãos falecidos e pelas intenções do mordomo, terminando a novena com o “Oferecimento ao Divino Espírito Santo”, durante o qual se cantam os seguintes versos, também parcialmente diferentes: Ó Senhor Espírito Santo/Nós roguemos com clamor/Mandai oprimir à terra,/Que não haja mais tremores. Sois pai de misericórdia/Livrai-nos de todo o mal/Não castigueis com tremores/Esta ilha de ofendal. Não desprezeis a fé grande/Com que nós recomendamos/Fazei como Pai Divino/Naja que nós o merecemos. Barca onde embarcou Cristo/Na galera tão realFeita em tão bela hora/Para aquele general. À popa leva sentado/Santo António com seu véu/Que rica viagem de anjos/Leva Jesus para o Céu. Senhor que lá estais em cima/Nesses Céus de alegria/Vos peço que nos chamais/Para a Vossa companhia. Andavas tão vigiado/Sem saberes da partida/Morte de uma ocasião/Vida nova nova vida. Chega-te à confissão,/Se te queres confessar/ Morte da ocasião/ É o laço do pecado. Mil vezes cada dia/ Tua alma com deligência/ Toma paz e alegria/Que é da boa consciência. Quando Deus formou a terra/Bons e maus Deus os criou/Quando nos Céus se encerram/Só os bons Deus os guardou. Ó Senhor eu vos ofereço/Esta nossa devoção/Seja honra e glória Vossa/Para nossa devoção.
Curiosamente, no final, na Terra do Pão não é habitual cantar-se o hino “Alva Pomba” por estar reservado, exclusivamente, para o dia da festa, sendo cantado uma outra invocação: Senhor Espírito Santo/ Espírito Divino/ Levai-nos à Glória/ Ensinai-nos o caminho. Senhor Espírito Santo/ Espírito Ardente/ Levai-nos à Glória, Para eternamente. Senhor Espírito Santo/ Real Esplandecido/ Livrai-nos dos pêsames/ De vos ter ofendido. Senhor Espírito Santo/ Nós pedimos e roguemos/ Fazei, com o Pa de Misericórdia/ Naja que nós o merecemos. Senhor Espírito Santo/ Meu Senhor e Meu Bem/ Levai-nos à Glória/ Para sempre. Amem.
Acrescente-se que o Terço é cantado por todos (homens, mulheres, jovens e crianças) com um respeito profundo e uma devoção intensa, consubstanciando um acto religioso comunitário, muito digno, embora presidido por um leigo e a que, aparentemente, a “Igreja Docente” é alheia.